Compostos do veneno de cascavel têm ação contra vírus da hepatite C

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08/01/2018

Série de experimentos “in vitro” com culturas de células humanas atestou ação antiviral de dois compostos
Por Redação - Editorias: Ciências da Saúde
 
Estudos feitos por pesquisadores brasileiros, publicados nas revistas Plos One e Scientific Reports, também apresentam resultados promissores de compostos da flora brasileira no combate ao vírus causador da doença – Foto: Rodrigo RTB/USP Pirassununga

No Brasil, a hepatite C é a maior responsável por casos de cirrose hepática e, por consequência, pelos transplantes de fígado, de acordo com o Ministério da Saúde. Em São Paulo, segundo a Secretaria de Estado da Saúde, cerca de 50% dos transplantes de fígado ocorrem em pacientes portadores de vírus da hepatite B ou C, sendo que o segundo responde sozinho por 40% de todos os transplantes de fígado.

Além disso, as terapias disponíveis para o tratamento dos doentes com hepatite C são dispendiosas, apresentam efeitos colaterais e resistência viral. Por todas essas questões, estudos para o desenvolvimento de terapias antivirais mais eficientes são necessários.

Compostos isolados do veneno de animais têm mostrado atividade contra alguns vírus, como os da dengue, da febre amarela e do sarampo. Foi a partir dessa linha de investigação que pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e da USP acabam de publicar dois artigos nos quais apresentam resultados promissores de compostos capazes de combater o vírus da hepatite C.

O primeiro experimento, cujos resultados saíram na Plos One, visou a testar propriedades contra o vírus da hepatite C de três compostos isolados do veneno de uma espécie de cascavel, a Crotalus durissus terrificus, conhecida como cascavel-de-quatro-ventas, boiçununga ou maracamboia.

O trabalho foi realizado no Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Unesp, em São José do Rio Preto, pelo grupo de Virologia do Laboratório de Estudos Genômicos, coordenado pela professora Paula Rahal, e no Instituto de Ciências Biomédicas (ICBIM) da UFU, no Laboratório de Virologia, coordenado pela professora Ana Carolina Gomes Jardim. O trabalho contou com diversos apoios da Fapesp, além de CNPq, Fapemig e Royal Society (Newton Fund).

Os compostos retirados do veneno de cascavel foram isolados no Laboratório de Toxinologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, chefiado pela professora Suely Vilela Sampaio.

Trata-se de duas proteínas: a fosfolipase A2 (PLA2-CB) e a crotapotina (CP). No veneno da serpente, esses compostos se encontram associados como subunidades de um complexo proteico, a crotoxina (CX), também testada.

Em uma série de experimentos in vitro com culturas de células humanas, foi testada a ação antiviral dos dois compostos, tanto em separado como em conjunto no complexo proteico. Foram observados os efeitos dos compostos em células humanas (para ajudar a prevenir a infecção pelo vírus) e diretamente no vírus da hepatite C.

O genoma do vírus da hepatite C é constituído de uma única fita de RNA, o ácido ribonucleico, que é uma cadeia simples de nucleotídeos que codifica as proteínas do vírus.

“Esse vírus invade a célula humana hospedeira para se replicar, produzindo novas partículas virais. Dentro da célula hospedeira, o vírus produz uma fita complementar de RNA, a partir da qual serão produzidas moléculas de genoma viral que constituirão as novas partículas”, disse Gomes Jardim.

“Nosso trabalho demonstrou que a fosfolipase tem a capacidade de se intercalar com o RNA dupla fita, intermediário de replicação do vírus, inibindo a produção de novas partículas virais. A intercalação reduziu em 86% a produção de novos genomas virais, quando comparada ao que ocorre na ausência da fosfolipase”, disse.

Quando o mesmo experimento foi feito usando-se a crotoxina, a redução na produção de partículas virais foi de 58%.

A segunda etapa do trabalho consistiu em verificar se os compostos conseguiriam bloquear a entrada do vírus nas células humanas em cultura. Nesse caso, os resultados foram ainda mais satisfatórios, pois a fosfolipase inibiu em 97% a entrada do vírus nas células. Já o uso da crotoxina reduziu a infecção viral em 85%.

Por fim, foi testado um segundo composto isolado do veneno de cascavel, a crotapotina. Muito embora não se tenha verificado efeitos para impedir a entrada do vírus nas células humanas nem a sua replicação, a crotapotina agiu em outro estágio do ciclo viral, reduzindo em até 78% a saída das novas partículas virais das células. No caso da crotoxina, a saída das partículas foi inibida em 50%.

Segundo os pesquisadores, os resultados dos experimentos demonstram que a fosfolipase e a crotapotina agindo isoladamente tiveram melhor resultado do que em associação.  
Da esquerda para a direita, estrutura das moléculas de PLA2-CB, Crotoxina e Crotapotina – Imagem: Plos One
 
Flora brasileira

O segundo artigo sobre a ação de compostos químicos contra o vírus da hepatite C não partiu do veneno de nenhum animal, mas de compostos naturais da flora brasileira. O estudo, também com apoio da Fapesp, CNPq, Fapemig e Royal Society (Newton Fund), teve resultados publicados na Scientific Reports.

Os autores testaram o potencial antiviral dos flavonoides de uma planta conhecida como amendoim-bravo (Pterogyne nitens). Flavonoides são compostos encontrados em frutas, flores, vegetais em geral, mel e também no vinho.

Foram isolados dois flavonoides presentes nas folhas do amendoim-bravo: a sorbifolina e a pedalitina. O trabalho foi conduzido pelo professor Luis Octávio Regasini no Laboratório de Química Verde e Medicinal na Unesp de São José do Rio Preto.

Os flavonoides foram investigados de forma idêntica aos compostos do veneno de cascavel. Foi testada a ação antiviral dos dois compostos, em células humanas infectadas com o vírus da hepatite C e em células não infectadas.

“A sorbifolina bloqueou a entrada do vírus nas células humanas em 45% dos casos. Já a pedalitina obteve um resultado mais promissor, bloqueando em 79%. O experimento foi feito com dois genótipos do vírus da hepatite C, o genótipo 2A, que é o padrão para todos os estudos, e o genótipo 3, que é o segundo mais prevalente no Brasil. Nos dois casos, a ação antiviral dos flavonoides foi equivalente”, disse Gomes Jardim.

Na outra ponta do ciclo viral, os flavonoides não apresentaram nenhum tipo de ação antiviral no processo de replicação das partículas virais, nem os impediram de sair da célula infectada.

“Os flavonoides de amendoim-bravo estão entre os cerca de 200 compostos testados, que foram isolados de plantas brasileiras ou sintetizados com base em estruturas naturais pelo professor Regasini”, explicou Paula Rahal.

“Os dois flavonoides foram testados contra o vírus da hepatite C porque já haviam demonstrado possuir efeitos antivirais em experimentos com o vírus da dengue”, disse. Os vírus da dengue e da hepatite pertencem à mesma família de vírus, chamada Flaviviridae.

O artigo Multiple effects of toxins isolated from Crotalus durissus terrificus on the hepatitis C virus life cycle, de Jacqueline Farinha Shimizu, Carina Machado Pereira, Cintia Bittar, Mariana Nogueira Batista, Guilherme Rodrigues Fernandes Campos, Suely da Silva, Adélia Cristina Oliveira Cintra, Carsten Zothner, Mark Harris, Suely Vilela Sampaio, Victor Hugo Aquino, Paula Rahal e Ana Carolina Gomes Jardim, pode ser lido no site da Plos One.

O artigo Flavonoids from Pterogyne nitens Inhibit Hepatitis C Virus Entry , de Jacqueline Farinha Shimizu, Caroline Sprengel Lima, Carina Machado Pereira, Cintia Bittar, Mariana Nogueira Batista, Ana Carolina Nazaré, Carlos Roberto Polaquini, Carsten Zothner, Mark Harris, Paula Rahal, Luis Octávio Regasini e Ana Carolina Gomes Jardim, pode ser lido no site da Nature.

Os pesquisadores publicaram anteriormente em 2017 artigo no Journal of General Virology em que descreveram a ação de outro alcaloide, o Fac4 (sintético da dibenzoxazepina). O composto também apresentou potencial contra o vírus da hepatite C. Em testes in vitro, o alcaloide inibiu em até 92% a replicação do vírus.

Peter Moon/Agência Fapesp

Mais informações: (16) 3602-3000, com a professora Suely Vilela

Baixo custo e pouco valor nutricional são receita de ultraprocessados

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04/01/2018
  
Número especial da Public Health Nutrition tem artigos sobre classificação de alimentos desenvolvida por pesquisadores da USP, incluindo a categoria ultraprocessados, de que os biscoitos industrializados são exemplo – Arte sobre fotos /
 
Salgadinhos, refrigerantes e biscoitos: alimentos ultraprocessados feitos com ingredientes de baixo custo e pouco valor nutricional – muito açúcar, sódio, aditivos e sal. Produzidos com o intuito de serem “irresistíveis” e consumidos facilmente, esses alimentos oferecem riscos à saúde ao promover a obesidade, diabete e outras doenças crônicas relacionadas à alimentação.

Estudos sobre esses produtos e sua influência na saúde humana foram apresentados na revista científica Public Health Nutrition (volume 21, 2018), editada pela Sociedade Britânica de Nutrição. O número especial é dedicado à classificação criada pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP sobre o grau de processamento industrial de alimentos.

“É uma proposta metodológica que tem impacto no primeiro mundo”, afirma o professor Carlos Augusto Monteiro da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP e membro do Nupens. Para ele, os artigos confirmam a hipótese sobre os ultraprocessados não serem saudáveis. Mais do que isso, o professor acredita que a classificação possui dimensão política, pois confronta a indústria alimentícia, que insiste em negar os malefícios desses alimentos à saúde.

A maioria das embalagens dos ultraprocessados verificados em um estudo na Austrália, por exemplo, trazia declarações nutricionais enganosas e os apresentava como “saudáveis”, apesar da alta prevalência de adição de açúcares adicionados e do questionável valor nutricional. Para a autora do estudo, o grau de declarações inadequadas ou imprecisas presentes é preocupante, particularmente em embalagens destinadas a atrair crianças.
Origem

A classificação denominada “Nova” foi proposta pela primeira vez em um artigo publicado em 2009 pela mesma revista. Desde então, vem sendo utilizada em estudos sobre sistema alimentar, dieta e saúde, em documentos técnicos de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e a Organização Pan-Americana de Saúde, na orientação de políticas públicas em alimentação e nutrição e na construção de guias nacionais para a promoção da alimentação saudável e sustentável.

O conceito é fruto do projeto temático Consumo de alimentos ultraprocessados, perfil nutricional da dieta e obesidade em sete países e se divide em quatro classificações. A primeira categoria é composta de alimentos in natura, que devem ser a base da alimentação, como frutas e hortaliças. O segundo grupo é formado por ingredientes relativos à preparação culinária, o óleo, sal e açúcar, por exemplo. Já o terceiro são os alimentos preparados com adição de sal, açúcar ou outras substâncias do grupo dois, são eles: queijo, pães, legumes em conserva, entre outros. A última categoria se refere aos ultraprocessados.
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Classificação alimentar apresenta os grupos de alimentos: in natura; ingredientes para preparação culinária; e alimentos com adição de sal, açúcar e outras substâncias, categoria da qual fazem parte como subgrupo os ultraprocessados – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A publicação traz 26 artigos assinados por pesquisadores de universidades e centros acadêmicos de vários países, incluindo Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Estados Unidos, França, Inglaterra, México, Nova Zelândia, Líbano e Uruguai.

Os artigos publicados na revista Public Health Nutrition podem ser conferidos no site Cambridge Core.

Com informações da Assessoria de Comunicação da FSP

domingo, 21 de janeiro de 2018

Lesma marinha é capaz de realizar fotossíntese

Texto: 
Giovanna Brito Lins - Bacharelado em Ciência e Tecnologia e bacharelado em Biologia - UFABC - Universidade Federal do ABC

Mesmo pertencente ao reino Metazoa, cujos organismos são todos heterótrofos, a lesma marinha Elysia chlorotica apresenta capacidade de realizar fotossíntese, processo pelo qual plantas, algas e algumas bactérias obtêm energia a partir de gás carbônico, água e luz. 

A curiosa moradora de pântanos salgados e enseadas da costa Atlântica dos EUA ao Canadá pode viver até dez meses e crescer até 6 centímetros. Na fase juvenil, quando possui coloração acastanhada, este molusco se alimenta exclusivamente da alga Vaucheria litorea. No entanto, ao invés de digerir toda a matéria orgânica, preserva e retém os cloroplastos (organelas celulares que contém a clorofila, pigmento responsável pela absorção de energia luminosa; e onde ocorre a fotossíntese) em um processo chamado cleptoplastia, tornando-se esverdeada durante seu desenvolvimento.

Segundo Rumpho et al. (1996), esse processo é mais curioso ainda por outras razões, tais como: o metabolismo do animal é capaz, na digestão, de separar apenas a organela e não incorporar um outro organismo autônomo e o seu genoma, como em uma endossimbiose. Os cloroplastos ficam armazenados dentro das células da lesma, e não dentro de um vacúolo ou entre as células. Os cloroplastos podem continuar a funcionar plenamente por vários meses, ainda que sem a presença de nenhum dos componentes citosólicos procariontes, tanto que em dado momento da vida, a Elysia chlorotica pode sobreviver apenas realizando fotossíntese, como comprovado por Pierce et al. (1999) em laboratório. O que tornam esta uma atividade única encontrada somente em outros membros do gênero desta lesma. 

Pode-se concluir, portanto, que este invertebrado do mar é heterótrofo, como todos os animais, mas desenvolveu um processo semelhante à endossimbiose com características singulares entre os seres vivos. A importância e aplicabilidade do conhecimento envolvendo a E. chlorotica estão relacionadas aos estudos filogenéticos de transferência horizontal de genes e transgenia. 

Para saber mais sobre a lesma marinha: 

Vídeo dela se alimentando: 

Nicho e habitat: 

Definição de cleptoplastia: 

PIERCE, S.K., et al. (1999) Annual Viral Expression in a Sea Slug Population: Life Cycle Control and Symbiotic Chloroplast Maintenance em: www.journals.uchicago.edu/doi/abs/10.2307/1542990 (apenas o abstract) 

Imagens do experimento acima: 

RUMPHO, E.M. et al. (1996) Chloroplast genes are expressed during intracellular symbiotic association of Vaucheria litorea plastids with the sea slug Elysia chlorotica http://m.pnas.org/content/93/22/12333.full.pdf

Outras informações e imagens: 
Por Karen N. Pelletreau et al. - http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0097477, CC BY 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=38619279