[O Estado de S.Paulo] Há umas poucas décadas, jornalistas brasileiros tomaram conhecimento, muito surpresos, de que estávamos às voltas com um problema novo, importado do Oriente em cascos de navios que chegavam a nossos portos: a invasão do mexilhão dourado, que entrara pelo Porto de Rio Grande, subira pelo Rio Paraná, já ocupara o reservatório de água e provocava entupimentos graves em turbinas da usina de Itaipu, com sérios prejuízos na paralisação. Mesmo combatido, o mexilhão migrou para o Pantanal, continuou rumo ao norte e chegou à Amazônia. Hoje é quase diária a informação sobre espécies “invasoras”, vindas de outras países, que causam problemas. Os mais graves estão na área de saúde, em que as questões já são muitas, aqui e fora.
Agora, por exemplo, a chefe do serviço médico civil da Inglaterra, Sally Davies, adverte (ambientebrasil, 30/1) que o atual surto de infecções resistentes a medicamentos é “comparável à ameaça de aquecimento global”. Segundo ela, bactérias foram se tornando resistentes às drogas atuais e há poucos antibióticos capazes de substituí-las. Com isso, qualquer cirurgia pode tornar-se “letal” se, no seu decorrer, emergir uma delas. Isso inclui cepas de estafilococo, tuberculose, doenças venéreas como a gonorreia. Por essas e outras, a Organização Mundial de Saúde alerta que “o mundo caminha para uma era pós-antibióticos”; e, a menos que haja novas descobertas, infecções comuns poderão tornar-se mortais e migrar pelo mundo, pois as pessoas viajam para submeter-se a intervenções cirúrgicas, para fazer “turismo sexual” etc. e, de volta, trazem problemas novos, para os quais não temos remédios.
E isso acontece num momento em que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) – uma agência da ONU -, às voltas com um rombo de US$ 500 milhões em seu orçamento, corta despesas, demite milhares de pessoas, restringe ações, como relata o correspondente Jamil Chade (Estado, 21/1). Já reduziu programas contra o fumo, na área de doenças cardiovasculares e enfrenta dificuldades para seguir nas áreas de obesidade, aids, álcool, poluição e outras, no plano mundial.
Em muitos casos, isso dificulta as ações para enfrentar problemas causados pela migração de vetores. Em outros tempos, no Brasil mesmo, já houve casos como os da leptospirose, da oncocercose, da própria malária (que migrou para centros urbanos), da raiva bovina e humana, com seus vetores se deslocando de áreas desmatadas ou ocupadas pela agropecuária para regiões de densa presença humana. De uns anos para cá, enfrentamos com maior intensidade o problema da dengue. Rio de Janeiro, Goiânia, Campo Grande, Fortaleza estão entre as capitais mais atingidas. Na capital goiana, por exemplo, a média de novos casos tem chegado perto de 300 por dia, mais de 11 mil no total (metade dos registrados em 2011); em Campo Grande já são mais de 11 mil (O Popular, 25/1). Em Goiânia, mais de 70% dos casos se devem a uma nova variedade – tipo 4 – do vírus, ao qual as pessoas não estão imunes. A vigilância sanitária tem detectado até mais de mil focos por dia, grande parte em depósitos de pneus descartados (mais de 10 mil por dia). A OMS confirma que a doença está em mais de 150 países e é endêmica em mais de 100 deles; 100 milhões de casos por ano têm sido constatados, com média de 22 mil mortes.
Com a OMS em crise, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou comunicado (30/1) em que pede “medidas fortes” para combater “ameaças globais” à saúde, principalmente porque “o mundo corre risco de novo surto de gripe aviária e outras doenças transmitidas por animais, se baixar a guarda”. O risco quanto à gripe está no mesmo perigoso nível de 2006 – quando 63 países foram afetados. E não há recursos financeiros para vacinação em massa contra o vírus H5N1. A doença já se tornou endêmica e entre 2003 e 2011 exigiu o abate de 400 milhões de frangos e patos, com prejuízos de US$ 20 bilhões. Outra preocupação é com doenças que afetam pequenos ruminantes (PPR), principalmente ovelhas e cabras. Está em franca expansão na África.
Ainda não se conseguiu uma vacina universal contra a gripe. E com isso a cada ano morrem perto de 300 mil pessoas, quase todas não vacinadas. A esperança está em novo tipo de vacina que está sendo desenvolvido na Inglaterra e na China, com uma variante genética, porque há populações mais vulneráveis em certas regiões (Estado, 30/1). Entre 2001 e 2010 a pandemia de gripe atingiu 20% da humanidade e matou 200 mil pessoas apenas no primeiro ano.
Não bastasse, estamos às voltas, por aqui, com a rápida e grave evolução do problema da obesidade infantil, que já afeta 30% das crianças (!) e levou a Assembleia Legislativa de São Paulo a aprovar dois projetos – que geram polêmicas: um impede o comércio de conceder brindes na compra de lanches, o outro restringe a publicidade de alimentos que não sejam saudáveis para crianças.
Sejam quais forem os caminhos, o enfrentamento da obesidade já vem muito atrasado. Esse problema já é mais grave que o da desnutrição, dizem 500 cientistas de 50 países no Global Burden of Disease (New Scientist, 22/12). Comparando com 1970 e 1990, a desnutrição estava em primeiro lugar entre os problemas e a obesidade em décimo; em 2012 a obesidade escalara para o sexto lugar e a desnutrição caíra para oitavo.
A esperança nessa área é que a ciência – Universidade de Verona – começa a descobrir que o risco de obesidade pode ser avaliado em bebês já ao nascerem, tendo em conta a massa corporal dos pais e o peso da criança; 75% dos bebês nos quais foi detectado o risco no nascimento se tornaram obesos.
Com a globalização, a disseminação de vetores, maus hábitos de vida e muito mais, a OMS e a FAO têm toda a razão: os riscos são alarmantes. Basta querer ver.
* Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo
EcoDebate, 11/02/2013
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