sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Cientistas procuram por abelha invasora na América do Sul

Por Antonio Carlos Quinto - acquinto@usp.br
Publicado em 7/agosto/2015

Procura-se uma abelha invasora! A recompensa: entrar para a história da ciência brasileira. Este é o mote de uma campanha iniciada por cientistas do Núcleo de Apoio a Pesquisa em Biodiversidade e Computação (NAP-BioComp) da USP, sediado na Escola Politécnica (Poli), junto a agricultores e instituições de pesquisas do Rio Grande do Sul.
A Bombus terrestris pode causar danos ambientais em território brasileiro (*)

O objetivo é detectar o exato momento em que a Bombus terrestris — espécie de abelha europeia — chegue ao território brasileiro pela região sudeste daquele estado. Sabe-se que a Mamangava da Cauda Branca, como é popularmente conhecida, já invadiu a Argentina e segue em direção ao Uruguai. Sua invasão poderá resultar em riscos ambientais para a agricultura e espécies nativas. A orientação dos pesquisadores é não capturá-la, não matá-la, mas reportar seu avistamento.

A iniciativa partiu da pesquisa de doutorado do ecólogo André Luis Acosta membro do Biocomp. No estudo Bombus terrestris chegará ao Brasil: um estudo preditivo sobre a invasão potencial, o cientista desenvolveu uma série de análises computacionais que trazem um levantamento das possibilidades desta invasão. A pesquisa, que teve como orientador o professor Antonio Mauro Saraiva, da Poli, identifica por meio de modelos ecológicos os locais semelhantes ao habitat natural da abelha invasora. “Utilizamos lógicas e algoritmos para gerar um modelo global de suscetibilidade à invasão”, descreve.

A partir das características ambientais do habitat de origem da Bombus terrestris, o modelo levantou os locais do planeta que apresentam condições similarmente adequadas à espécie. Acosta estima que ela poderá chegar ao Brasil, a partir de locais invadidos na Argentina, entre 10 e 20 anos. “Isso se considerarmos o histórico da progressão desta abelha em países já invadidos, como o Japão e a Nova Zelândia”. Todavia, devido à falta de informações sobre importações de colônias da espécie pelo Uruguai, a Bombus terrestris já pode estar invadido áreas muito próximas ao Brasil.

Sobrevoando os Andes

A espécie Bombus terrestris é uma excelente polinizadora. Por este motivo, suas colônias são amplamente comercializadas para polinização agrícola. Na década de 1970, agricultores chilenos adquiriram colônias de Bombus terrestris para melhorar a produção de tomates em estufa, mas as abelhas escaparam do confinamento e invadiram ambientes naturais naquele país. Em 2006 foi reportado que a área de invasão na América do Sul estava se expandido rapidamente e que a espécie já havia alcançado a Argentina, cruzando, para isso, a cordilheira dos Andes.

Uma das principais características da espécie é que as abelhas, por seu grande tamanho e modo de trabalhar, conseguem transferir mais pólen entre flores do que muitas outras superando, inclusive, a Apis mellifera (abelha melífera comum), que também é uma espécie invasora europeia comumente utilizada para polinização agrícola. “Além de acumular grande quantidade de pólen sobre seus pelos, a espécie é capaz de vibrar seu abdome em alta velocidade, o que gera o aprimoramento da captura e transferência de pólen”, descreve Acosta.

Mesmo sendo uma excelente polinizadora e favorecendo plantas selvagens e agrícolas, quando invasora a Bombus terrestris é altamente competitiva com espécies nativas. “Elas começam a trabalhar mais cedo que outras abelhas, esgotando os recursos alimentares disponíveis nas flores, como o néctar, gerando impactos às espécies nativas que também dependem destes recursos para sobreviver”, explica o cientista. “E dependendo do tipo de flor, se esta abelha não consegue acessar o néctar pela abertura natural, ela abre buracos na base da flor, gerando danos que levam a sua queda prematura”, descreve. Isso reduz a taxa de frutificação da planta e gera uma série de impactos, tanto para a própria planta como também para outras espécies. “Além disso, a invasora poderá trazer consigo doenças e parasitas exóticos que podem contaminar plantas e outras abelhas nativas.”

Viajante
Campanha inclui distribuição de cartazes que orientam sobre o procedimento ao se avistar a abelha (**)

Apesar dos potenciais prejuízos da invasão, a orientação dos cientistas é não matar ou capturar a abelha. “Estamos a postos para detectar o momento em que a Mamangava da Cauda Branca chegue ao Brasil”, destaca Acosta. “A partir daí, estudos serão feitos com a espécie viva, para então se avaliar quais impactos ambientais que ela efetivamente poderá gerar”.

Ele destaca que, por outro lado, algumas culturas agrícolas poderão se beneficiar pela presença de Bombus terrestris. “Ela pode ser favorável à polinização de culturas como a do tomate e da berinjela, mas também plantas agrícolas europeias, como a do mirtilo, cuja produção de frutos se concentra no sul do Brasil”.

Além do desenvolvimento do modelo computacional, o cientista percorreu a área susceptível à invasão no extremo sul do Brasil, um trajeto de cerca de 2.600 km durante um mês. Ele averiguou se a espécie já teria invadido o País, mas não a encontrou.

Acosta coordena uma campanha que vem sendo realizada junto aos agricultores, meliponicultores e apicultores do Rio Grande do Sul, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e com o suporte de instituições riograndenses, como Emater-RS e a PUC-RS. Além de palestras de divulgação, estão sendo distribuídos cartazes que orientam sobre o procedimento ao se avistar um indivíduo da espécie. “Importante é que ela não seja capturada ou morta”, ressalta. “Orientamos que a fotografem e nos envie a imagem e a localização para que possamos confirmar se de fato é a invasora ou outra espécie nativa; em seguida, se ela foi avistada, iremos até o local para estudá-la”. Além da distribuição de cartazes, a iniciativa mantém um site para divulgação e comunicação de avistamentos: www.abelhaprocurada.com.br.

Fotos: (*) Cecília Bastos / Jornal da USP
Foto: (**) Reprodução

Mais informações: (11) 3091-5104, no Bicomp; ou com André Luís Acosta, no e-mail andreluisacosta@gmail.com
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