17.09.2018
Feito com o colmo jovem da gramínea, produto foi desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos
FOTOS ANTONIO SCARPINETTI
EDIÇÃO DE IMAGEM LUIS PAULO SILVA
A alimentação saudável ganhou a mesa dos brasileiros. A tendência é perceptível não apenas nos supermercados, nos quais é crescente o número de produtos rotulados como “naturais”, mas também na indústria, que busca alternativas a ingredientes nocivos à saúde. Coordenados pela professora Maria Teresa Pedrosa Clerici, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, pesquisadores desenvolveram a farinha de bambu, que apresenta vantagens nutricionais quando comparada às farinhas de trigo, de milho e mandioca. O produto foi testado com sucesso no preparo de macarrão (fettuccine) e de biscoito (cookie).
A professora Maria Teresa Pedrosa Clerici (acima), coordenadora das pesquisas, e os derivados da farinha (abaixo)
“Este ingrediente, feito à base de colmo jovem do bambu, possui apenas 24 g de carboidratos em relação aos 82 g da farinha de milho, por exemplo. Outro diferencial é a quantidade de fibras – são 50 g encontrados na gramínea, contra apenas 1,9 g na composição da farinha de mandioca”, explica a coordenadora da pesquisa, que foi financiada pela Fapesp.
O broto de bambu, utilizado na culinária oriental, é conhecido por ser rico em nutrientes e ter baixo teor de gordura. “Ele auxilia na redução dos níveis de colesterol e também tem propriedades anticarcinogênicas. A partir daí, descobrimos que o colmo jovem do bambu também é comestível e apresenta compostos benéficos à saúde, com fibras de excelente qualidade para a alimentação humana”, revela Clerici.
Benefícios
Quando usada no preparo de biscoitos do tipo cookie, a farinha do colmo jovem de bambu consegue reduzir em 50% o açúcar e a gordura se comparada aos tradicionais, de acordo com Maria Hermínia Ferrari Felisberto, que pesquisou a aplicabilidade do ingrediente em sua tese de doutorado. A vida útil do cookie também foi ampliada, uma vez que seu armazenamento não necessitou de condições especiais para manter-se apropriado ao consumo.
A pesquisadora Maria Hermínia Ferrari Felisberto e os “cookies” desenvolvidos por ela: vida de prateleira ampliada
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de biscoitos, atrás apenas dos EUA, com um consumo per capita anual de seis quilos e meio. “Esperamos que tantas vantagens despertem a atenção da indústria alimentícia, para que o produto saia dos laboratórios e comece a ser comercializado em breve”, declara Clerici.
Outra vantagem é que a fibra do colmo jovem de bambu não compromete o sabor ou a coloração do produto, sendo assim ideal para as massas alimentícias, uma vez que alguns consumidores podem ter rejeição por massas integrais, de coloração escura e sabor diferenciado. Essas características fazem com que o sabor seja semelhante ao dos biscoitos encontrados no supermercado, conforme resultado apresentado na dissertação de mestrado da engenheira de alimentos Amanda Rios Ferreira, que também aplicou a farinha no preparo de massas tipo fettuccine.
A engenheira de alimentos Amanda Rios Ferreira: fettuccine aprovado em testes sensoriais
Na massa, a semolina foi substituída pela farinha desenvolvida no laboratório. O resultado foi positivo. Assim como nos cookies, a redução do índice glicêmico e o aumento da quantidade de fibras resultaram num alimento mais saudável. No teste sensorial feito pelo laboratório, o macarrão teve um bom índice de aceitação, recebendo notas acima de 6.
“Os produtos integrais vendidos no supermercado geralmente têm a cor escura devido à adição do farelo. Com a farinha do colmo jovem de bambu, temos os benefícios do alimento ‘integral’, mas com a aparência do alimento ‘tradicional’”, esclarece a engenheira de alimentos.
Sustentabilidade
Segundo o professor Antonio Beraldo, convidado para integrar a pesquisa e coautor do livro Bambu: de corpo e alma, o Brasil, por ser um país onde o clima é quente e as chuvas, abundantes, possui uma vasta diversidade de espécies de bambu, de pequeno a grande porte. O seu broto tem uma exportação significativa da China para o Japão, algo em torno de 300 milhões de dólares por ano. A possibilidade de aproveitamento da gramínea em diversas áreas, como a alimentícia, industrial e na construção civil, faz do bambu um produto economicamente interessante.
O professor Antonio Beraldo: trabalho pioneiro no Brasil e no mundo
E são exatamente as desvantagens que o bambu pode apresentar quando aplicado na área de construção civil, como o fato de fermentar e carunchar com certa facilidade, que são excelentes indicativos para uso na área alimentícia e de produtos biotecnológicos. Além disso, a gramínea tem grande rendimento anual, já que seu crescimento é rápido, com pico máximo de produção de amido em 36 meses. “Os colmos são reproduzidos assexuadamente e não necessitam de replantio. Uma vez replantado, ele regenera-se. Para extraí-lo, é necessário cortar apenas de 20% a 30% dos brotos e suas touceiras duram mais de cem anos” explica Beraldo.
Por conter amido, açúcares e fibras que proporcionam saciedade e possuem efeitos benéficos à saúde, a farinha de colmo jovem de bambu também apresenta potencial ao ser usada em países emergentes, como em medidas de combate à fome e à desnutrição. Este feito rendeu aos pesquisadores Mária Hermínia Ferrari Felisberto, Patrícia Myake, Antonio Beraldo e Maria Teresa Clerici, no ano passado, reconhecimento nacional e internacional. O grupo foi laureado com os prêmios Josué de Castro de Combate à Fome e o AACCI para jovens pesquisadores, em San Diego, nos Estados Unidos.
Enquanto não é comercializado, a equipe espera ampliar o número de pesquisadores e atrair pessoas interessadas em viabilizar e consolidar a pesquisa. “Há trabalhos em andamento sobre o broto de bambu, mas não há registros de pesquisas envolvendo suas fibras utilizadas na área alimentícia. Somos precursores no Brasil e até mesmo em nível mundial”, garante o professor Beraldo.
Imagem de capa JU-online
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