A prática da amamentação data do século 13, com as amas-de-leite. No entanto, mesmo com o passar dos séculos e conhecimento do perigo da prática, ainda é possível encontrar mães amamentando filhos de outras que apresenta alguma dificuldade com o aleitamento. Contraindicado formalmente pelo Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OMS), a amamentação cruzada, como é conhecida a prática, traz diversos riscos ao bebê, podendo transmitir doenças, infecto-contagiosas, a mais grave, Aids. Pediatra do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Marlene Roque Assumpção esclarece as principais dúvidas sobre o método e aconselha o que a mãe deve fazer caso tenha algum problema para amamentar o filho.
IFF: Quais são os perigos da amamentação cruzada?
Marlene Roque Assumpção: O perigo é o bebê ser contaminado por uma doença infecto–contagiosa, como a Aids, que é uma doença crônica grave e ainda sem tratamento absoluto, sem cura. Por exemplo, se uma mãe tiver hepatite B em atividade, e doar leite a outro bebê, que não tenha ainda as doses da vacina suficientes (ou seja, não está totalmente imunizado), ela poderá passar a doença para a criança, através do leite materno, em caso de sangramento do mamilo por trauma mamilar.
IFF: Quando a amamentação cruzada foi contraindicada?
Marlene: Com o advento da Aids, a partir de 1985, a amamentação cruzada começou a ser contraindicada. Hoje, a contraindicação formal pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde [OMS] é para o HIV e o HTLV. Se a mãe tiver um desses dois vírus não poderá amamentar. Neste caso, o seu filho terá que ser alimentado conforme indicação do pediatra, conforme a idade que ele esteja.
IFF: O que a mãe deve fazer caso não consiga amamentar?
Marlene: A primeira orientação é buscar ajuda junto ao seu médico, pediatra ou a unidade onde teve o seu filho. Caso não consiga nenhum auxílio, a mulher pode procurar um Banco de Leite Humano [BLH]. No Rio, nós temos 17 bancos e no Brasil, 218. Então, há uma disponibilidade muito grande para ajudá-la.
IFF: Qual a diferença do leite do banco de leite para o leite de outra pessoa?
Marlene: A diferença fundamental do leite do Banco de Leite Humano para o leite doado diretamente por uma outra mãe é que no BLH o leite é tratado, pasteurizado e, por isso, isento de qualquer possibilidade de transmissão de doenças. A mãe não deve amamentar outra criança que não seja o seu filho. Mesmo se esta mãe estiver com os exames normais ou se teve uma gravidez tranquila, ela pode estar em uma janela imunológica, e esse bebê correr o risco de contrair alguma doença.
IFF: Quais são os outros benefícios da amamentação, além de evitar doenças?
Marlene: O leite materno é uma substância viva, adequada às fases de vida do bebê. A mãe de um prematuro, por exemplo, terá um leite específico para um bebê naquela faixa etária. Se o bebê estiver com alguma infecção o leite materno vai produzir mais defesas para combater àquela infecção. O organismo da mulher entende que precisa liberar mais anticorpos, mais células, mais defesas, para proteger esses bebês e combater a infecção a qual está acometido.
As vantagens do leite materno são inúmeras, tanto para a mãe quanto para o bebê. Além de unir mãe e filho, evita a introdução precoce, de alimentos alergênicos.
IFF: Qual o conselho que você dá às mães que estão com dificuldade de amamentar?
Marlene: Para saber o que está causando essa dificuldade, a mãe deve procurar um profissional de saúde que possa ajudá-la ou procurar um BLH. A família ou a mãe sozinha provavelmente não dará conta. Por mais que uma mãe tenha tido experiência boa em uma amamentação, em outra gravidez, pode não ter na atual. Cada bebê é diferente. Nem os gêmeos univitelinos são iguais.
IFF: Há um medo nas mães do leite ser fraco. Isso pode acontecer?
Marlene: Isso é um mito. Não existe leite fraco, o que existe são momentos em que a mãe pode estar produzindo menos leite, mas por falta de estímulo adequado. Ainda pode ocorrer de o bebê estar mamando muito o leite anterior, ou seja, ele mama um pouco em um peito e logo troca de lado. Não esvaziar a mama, pode não saciar a criança, que fica sempre chorando e querendo mamar muitas vezes. Isso deixa a nutriz angustiada e insegura. Desse modo, nunca chegará ao leite final, que tem maior teor de gordura, fazendo o bebê engordar e dá saciedade, possibilitando mais tempo entre uma mamada e outra. O leite anterior é ótimo, é necessário, mas tem um teor de calorias menor.
IFF: Com a preocupação atual com a zika, a mãe que tiver suspeita de ter o vírus deve parar de amamentar?
Marlene: Não se deve interromper o aleitamento materno e nem a doação de leite porque não há evidências de que esse vírus seja transmitido pelo leite para o bebê. A mãe deve continuar amamentando ou doando leite mesmo estando doente. Inclusive, ela estará passando anticorpos, que são as defesas do bebê. O colostro, que é aquele leite da primeira semana de vida é um leite diferente, específico, com teor alto de anticorpos. Todos os anticorpos que a mãe tem no organismo de todas as doenças que ela foi acometida durante a sua vida, serão passados para o bebê através do leite. Chamado de primeira vacina do bebê. O primeiro leite da mãe que está amamentando um bebê prematuro é ainda mais importante, pois tem todos as defesas para o seu bebê, que é mais frágil.
Em caso de dúvidas, procure o Banco de Leite Humano do IFF, de segunda a sexta-feira, das 8h às 15h, ou entre em contato com o SOS Amamentação pelo telefone 0800-26-8877.
Por Nara Boechat (IFF/Fiocruz)
in EcoDebate, 11/04/2016
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