Os organismos geneticamente modificados (OGMs) podem promover a redução da biodiversidade, uma vez inseridos no meio ambiente. A hipótese é sustentada na tese de doutoramento do matemático Rinaldo Vieira da Silva Júnior, defendida no Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC) da Unicamp, sob a orientação da professora Solange da Fonseca Rutz. A partir de um primeiro cenário, de interação apenas entre as variantes transgênica e original, um modelo matemático foi desenvolvido especificamente para sustentar o estudo. Ao aplicar a ferramenta, o autor concluiu que, sendo competidoras puras, mesmo no caso de coexistência estável entre as variantes, haveria decréscimo de produção mais severo para a variante natural.
Rinaldo Júnior explica que o seu trabalho, que é um estudo teórico, e não um modelo baseado em dados, levou em consideração alguns pressupostos. Primeiro, que os organismos transgênicos e convencionais sejam da mesma espécie. Segundo, que as plantações das duas culturas ocupem áreas contíguas. Terceiro, que o mecanismo de dispersão de sementes (como o vento, por exemplo) tenha velocidade e direção uniformes.
Quarto, que a competição entre os indivíduos não provoque a eliminação dos organismos mais frágeis, embora isso seja não somente possível, mas provável. Ele lembra que os organismos são competidores puros e que indivíduos de uma mesma espécie concorrem pelos mesmos recursos. “Devemos acrescentar que estas simplificações compõem um primeiro estudo, e modelos mais complexos poderão ser desenvolvidos no futuro. A partir de modelos analíticos desenvolvidos para a Mata Atlântica, já se planeja o estudo do impacto de transgênicos no meio ambiente de forma geral”, adianta.
De acordo com o matemático, o método que deu sustentação à pesquisa é denominado Trofodinâmica Analítica. “Quando este método, aplicado de forma bem sucedida a diversas áreas da biologia, considera também ruído e mecanismos de difusão, geramos então sistemas de Equações Diferenciais Parciais [EDP’s]”, diz. Dito de modo simplificado, as EDP’s permitem que a matemática construa representações dos modelos encontrados na natureza. São considerados, nesse caso, diferentes variáveis, entre elas espaço, tempo e ambiente. “Em outras palavras, a matemática simplifica a realidade, para poder investigá-la”, observa Rinaldo Júnior. “Apesar dessa simplificação, trata-se de um poderoso instrumento, que permite estudar o comportamento de sistemas complexos fora do equilíbrio”, acrescenta.
O matemático revela que um dos possíveis próximos passos do estudo seria buscar a parceria de especialistas das áreas da agronomia para investigar o comportamento do modelo matemático a partir de um cenário real. “No caso de parâmetros muito variáveis, dependendo da direção e da intensidade do vento e da localização das plantações, outro modelo, que admita que a mistura dos organismos geneticamente modificados com os naturais pode se dar de maneiras diversas, deverá ser elaborado a partir do estudo já feito. Mas os dados de campo poderão já ser considerados no atual modelo, tomando-se médias e produzindo assim as constantes consideradas no estudo,” infere.
Além disso, conforme o pesquisador, outros mecanismos de dispersão, que possam promover a difusão das sementes geneticamente modificadas fora do âmbito local, deverão ser considerados no estudo em relação ao meio ambiente geral. No momento, Rinaldo Júnior ocupa uma cadeira de professor na Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Lá, ele dá seguimento às investigações, agora fazendo o que os especialistas classificam como “perturbação das equações”. Por meio desse método, os matemáticos procuram encontrar respostas aproximadas para problemas cuja solução exata ainda é desconhecida.
Rinaldo Júnior acredita no desenvolvimento de modelos dinâmicos nesta linha de pesquisa, que ainda é inicial, poderá ajudar os produtores a planejar seus cultivos. A tese de doutorado do matemático contou com a colaboração do professor Peter Louis Antonelli, pesquisador emérito da Universidade de Alberta (Canadá) e criador do método da trofodinâmica analítica, e com coorientação do professor Pedro José Catuogno, integrante do grupo de pesquisa de sistemas dinâmicos estocásticos do IMECC.
Histórico
O cultivo de organismos geneticamente modificados no Brasil foi marcado por muita polêmica. As primeiras sementes de soja transgênica entraram ilegalmente no país na década de 1990, contrabandeadas da Argentina. Elas foram plantadas por produtores gaúchos. O governo federal impediu inicialmente a colheita, mas depois voltou atrás, por meio de uma Medida Provisória. A autorização para o plantio de OGMs em território nacional veio somente em 2005, com a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei de Biossegurança.
Atualmente, o Brasil é o segundo maior produtor de grãos transgênicos no mundo [principalmente soja, milho e algodão], ficando atrás somente dos Estados Unidos. De acordo com o relatório de 2015 do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Biotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês), que trabalha com dados consolidados de 2014, o país cultivou 42,2 milhões de hectares no ano considerado, contra 40,3 milhões no período anterior.
Ainda segundo o levantamento do ISAAA, Brasil e Argentina, na América Latina; Índia e a China, na Ásia; e África do Sul, na África, que respondem por 41% da população mundial, cultivaram 47% das variedades transgênicas do planeta. Embora os defensores dos transgênicos considerem esses organismos como a solução para a ampliação da produção de alimentos e a superação da fome em nível global, os ambientalistas afirmam que os OGMs têm promovido o aumento do uso de agrotóxicos e comprometido de forma significativa a biodiversidade e a saúde da população nos países onde são produzidos.
Publicação
Tese: “Análise matemática do impacto ambiental de plantações transgênicas”
Autor: Rinaldo Vieira da Silva Júnior
Orientadora: Solange da Fonseca Rutz
Unidade: Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (IMECC)
Texto: Manuel Alves Filho
Fotos: Antoninho Perri / Divulgação
Edição de Imagens: André Vieira
Do Jornal da Unicamp Nº 651, in EcoDebate, 11/04/2016
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