Um relatório da Oxfam, que acusa bancos que negociam com commodities agrícolas de "especular com a fome", está propagando choques de alta tensão em todo o setor de gestão de fundos de investimentos.
A reportagem é de Ellen Kelleher, do Financial Times e reproduzida pelo jornal Valor, 05-03-2013.
Bancos europeus estão decidindo se manterão ou não seus gestores envolvidos com atividades especulativas com preços de alimentos alocando recursos de investidores ou se abandonarão os fundos que apostam na evolução dos preços agrícolas, após uma crítica contundente desferida pelo escritório da organização com sede em Paris.
A mudança de conduta foi dramática. O BNP Paribas, maior operador de fundos de commodities agrícolas na França, suspendeu as operações de um fundo agrícola que movimentava US$ 214 milhões. O Crédit Agricole, por sua vez, fechou três fundos que permitiam aos investidores especular com commodities agrícolas, embora isso tenha se devido, em parte, a razões econômicas, pois os fundos eram pequenos.
Decisões semelhantes estão sendo tomadas em outros países na Europa. Os bancos Landesbank Berlin,Landesbank Baden-Württemberg e Commerzbank, na Alemanha, e o Volksbanken Österreichische, na Áustria, reduziram sua exposição ao setor de alimentos, na esteira de uma campanha paralela da Oxfam Alemanha em 2012. E os executivos do britânico Barclays também estão em busca de "pureza moral". Eles optaram por "abandonar os negócios envolvendo commodities agrícolas" pois "essa atividade não é compatível com nossos objetivos".
Uma pergunta surge em meio ao frenesi de campanha da Oxfam: será que os investimentos em fundos negociados em bolsa (ETF, sigla em inglês) ou em fundos mútuos comuns que oferecem exposição a commodities agrícolas realmente elevam os preços dos alimentos?
Os argumentos estão sendo debatidos. De um lado está a Oxfam, de outro, os banqueiros de investimento e operadores de negócios com commodities cujos interesses comerciais estão em jogo. Os que criticam a Oxfam citam estudos de acadêmicos que sugerem que a volatilidade dos preços dos alimentos tem mais a ver com o aumento da demanda e menos com a popularidade de ETFs e de fundos comuns baseados em commodities agrícolas.
Em meio à controvérsia, os alemães Deutsche Bank e Allianz, os dois maiores em negócios com commodities, vêm se recusando a descontinuar sua exposição às commodities agrícolas. Ambos constituíram equipes para analisar os aspectos éticos que envolvem a exposição de seus recursos e os de seus investidores a flutuações nos preços das commodities agrícolas.
O grupo de trabalho do Deutsche concluiu que "escassa evidência empírica" apoia a ideia de que o crescimento do mercado de produtos baseados em commodities agrícolas provoca aumentos de preços ou estimula a volatilidade nos mercados de alimentos. Essa análise levou-o a anular uma interdição temporária ao lançamento de produtos baseados em produtos agrícolas.
"A grande maioria dos estudos concorda em que a causa fundamental de altas dos preços dos alimentos é o forte aumento da demanda ainda não satisfeito pela oferta", segundo pesquisa do Deutsche Bank. "A demanda está crescendo devido ao crescimento populacional e da renda nos países em desenvolvimento, ao passo que a produção é limitada pela escassez de água, alterações climáticas, inexistência de infraestrutura e desperdícios nas colheitas".
O Deutsche, que oferece fundos e ETFs agrícolas, e chances de proteção contra variações nos preços de commodities agrícolas, argumentou que os mercados futuros desses produtos criam liquidez e ajudam os agricultores, mais do que os prejudicam. Os mercados de derivativos permitem que os agricultores protejam-se contra flutuações e emitem sinais, sobre os preços, que possibilitam "formar melhor juízo e planejar o suprimento dentro das limitações da estação de cultivo".
O Deutsche diz que mais de US$ 80 bilhões precisam ser investidos no setor a cada ano para aumentar a produtividade agrícola e atender a crescente demanda por alimentos. Segundo o grupo de trabalho do banco, "sem investimentos significativos na agricultura, o aumento dos preços irá tornar-se uma característica permanente. Defendemos essas necessidades de investimento".
Executivos da Allianz chegaram a uma conclusão semelhante em um estudo, no ano passado, observando que os crescentes preços de energia e políticas ambientais e comerciais também contribuem para a alta das cotações. Mas a equipe da Allianz admitiu que "não pode ser totalmente rejeitada a tese segundo a qual a especulação favorece uma evolução excessiva dos preços", considerando o "enorme afluxo de fundos" aos mercados de commodities.
Para executivos da Allianz, ainda que os fluxos de capital especulativo não sejam necessariamente o gatilho deflagrador das fortes variações de preços observadas em 2007 e 2008 para as commodities agrícolas, é razoável afirmar que eles pelo menos reforçaram a tendência de alta.
O mercado de investimentos vinculados a commodities alimentícias continua relativamente pequeno, com apenas 66 fundos na Europa movimentando cerca de € 3,6 bilhões em commodities agrícolas e bens de consumo não cíclicos, segundo a Lipper, que monitora fundos. E apesar de elevadas, as taxas de volatilidade ficaram mais ou menos constantes em anos recentes. Al Kellett, analista na Morningstar, observa que a volatilidade média dos ETFs e de fundos caracterizados como fundos agrícolas durante um ano é de 22%, e ao longo de cinco anos o percentual é de 24%.
No entanto, persiste o descompasso entre a demanda por alimentos e a oferta. A Oxfam diz que seu trabalho de conscientização sobre a alta dos grãos e vegetais continuará. Clara Jamart, especialista em políticas, diz que a Oxfam vai publicar dois outros relatórios antes de junho sobre o financiamento de bancos franceses a empresas de biocombustíveis e sobre os méritos de investimentos socialmente responsáveis.
Analistas de políticas do escritório belga da Oxfam estão numa campanha similar tendo como foco o KBC Bank e a possível exposição do Dexia a commodities agrícolas, ao passo que a Oxfam do Reino Unido avalia se deve denunciar a volatilidade dos preços dos alimentos também no Reino Unido.
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