Campinas, 16 de novembro de 2015 a 29 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 644
Engenheira de alimentos faz caracterização da semente e do extrato aquoso em relação a proteínas, lipídeos e umidade
Texto: Luiz Sugimoto
Fotos: Antônio Scarpinetti
Edição de Imagens: Fábio Reis
A ocorrência de casos de diabetes na família, inclusive com complicações da doença que levaram à perda de entes queridos, influíram para que a engenheira de alimentos Michele Christine Machado de Oliveira aceitasse de pronto o foco sugerido por seu orientador, professor Marcelo Alexandre Prado, para a dissertação de mestrado: investigar os efeitos antioxidantes e hipoglicemiantes (de diminuição dos níveis de glicose) do extrato aquoso de alpiste. O diferencial da dissertação está no fato de que existem diversos relatos populares sobre o consumo do chamado “leite de alpiste” como tratamento alternativo para diabetes, mas são escassos os estudos científicos sobre a semente.
“Os relatos na internet falam em ‘leite de alpiste’, quando na verdade se trata de um extrato aquoso. Para o projeto, eu segui exatamente a forma como as pessoas preparam esse extrato, a partir de uma média entre as dosagens relatadas em várias fontes”, conta Michele Oliveira, que apresentou a dissertação na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. “O alpiste foi deixado de molho em água por doze horas, na geladeira, com a troca dessa primeira água para bater as sementes no liquidificador; depois do processo de filtragem, o extrato era administrado aos animais de laboratório.”
A autora observa na dissertação que, desde 1997, o alpiste (Phalaris canariensis L.) vem sendo avaliado como alimento humano e ingrediente funcional na indústria de alimentos. A etnofarmacologia (ciência que estuda o conhecimento popular sobre fármacos) relata seu uso como agente redutor da pressão arterial e, em forma de chá, como coadjuvante no tratamento de hipertensão, diabetes mellitus e taxas elevadas de colesterol, associado ou não a outras formas de terapia convencional. O “leite de alpiste”, especificamente, serviria para o controle da glicemia em indivíduos diabéticos.
Os resultados obtidos por Michele Oliveira nesta primeira pesquisa centrada em tal especificidade, no entanto, contrariam a crença popular. “O alpiste e seu extrato mostraram potencial nutritivo como fontes de fibras, amido, proteínas e ácidos graxos poli-insaturados (ômega-6). Mas o extrato aquoso, apesar dos compostos fenólicos, apresentou atividade antioxidante intermediária, não relevante para combater o diabetes induzido em animais de laboratório. Ou seja: não controlou os níveis glicêmicos, não apresentou efeitos sobre a massa corporal, consumo de água e ração, assim como nos parâmetros bioquímicos, de eletrólitos e hematológicos.”
O trabalho realizado pela engenheira de alimentos foi minucioso, partindo da caracterização tanto da semente como do extrato aquoso em relação a proteínas, lipídeos, umidade, etc. Os compostos fenólicos foram determinados pelo método Folin - Ciocalteu e a atividade antioxidante avaliada por meio de três metodologias (ABTS, DPPH e ORAC); já a avaliação da atividade hipoglicemiante em animais se deu com tratamentos por 28 e por 87 dias, utilizando dosagens do extrato aquoso de 250, 500 e 1.000 miligramas por quilo (mg/kg), via oral. Os animais foram monitorados semanalmente quanto à massa corporal, glicemia e consumo de água e ração; depois dos experimentos, os exames de influência sobre a massa dos órgãos, bioquímicos e de sangue e urina possibilitaram verificar a ação do extrato de alpiste no diabetes.
Segundo Michele, um resultado interessante na identificação de ácidos graxos no extrato aquoso foi o índice de 53% de ácido linoleico (ômega-6), uma fonte muito rica que pode, realmente, estar contribuindo na redução do índice glicêmico desta população. “Já em relação a atividades antioxidantes, o alpiste fica bem próximo do arroz, cevada, aveia e do sorgo, constituindo uma atividade intermediária. No extrato aquoso, porém, a quantidade de proteínas se manteve, mas a quantidade de lipídeos, fibras, cinzas e amido diminuíram por causa da remoção das cascas, do peneiramento e das filtrações, e o resultado em termos de atividade antioxidante e de compostos fenólicos não foi tão elevado como o esperado – não constatamos a propriedade contra diabetes em que a população acredita.”
TESTES IN VIVO
Para os ensaios in vivo a autora contou com o auxílio de sua coorientadora, doutora Débora Barbosa Vendramini Costa, e da equipe da Divisão de Farmacologia e Toxicologia do CPQBA (Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas) da Unicamp, a fim de se certificar da não toxidade do extrato aquoso de alpiste, e depois trabalhou com seis grupos de animais, cuidando da preparação e administrando diariamente a solução popular. “A não toxidade é interessante para futuros trabalhos, pois poderíamos estudar doses superiores do extrato – de dois mil miligramas por quilo – e talvez obter um efeito significativo. São necessários mais estudos para termos certeza de que o extrato realmente não possui qualquer ação contra diabetes.”
A engenheira de alimentos constatou que os animais diabéticos, tendo recebido tratamento ou não, apresentaram os mesmos comportamentos: comiam, bebiam água e urinavam em excesso, ao mesmo tempo em que emagreciam. “Com o tratamento, os efeitos eram relativamente amenizados – bebiam e urinavam menos – mas sem significância na medição global. Pode ser que algumas pessoas, ao tomarem o extrato, sintam de fato esta diminuição, mas é um efeito muito pontual: no teste de glicemia, compilando os dados de 28 e de 87 dias de tratamento, não vimos alterações importantes.”
Na opinião de Michele Oliveira, o teste de 87 dias, sugerido pela banca de qualificação para avaliar a sobrevida dos animais, foi conclusiva de todo o seu estudo. “O teste de 28 dias é um passo inicial para avaliação do aumento glicêmico característico do diabetes, doença que pode trazer ao longo do tempo outras complicações, tais como problemas vasculares. Ao finalizar o experimento mais longo, notei que os animais, além das alterações nas enzimas hepáticas e renais, apresentavam catarata em um ou ambos os olhos e se tornaram mais agressivos.”
Considerando que se trata do primeiro trabalho sobre o extrato aquoso de alpiste e o tempo limitado do mestrado, a autora finalizou a dissertação com sugestões para pesquisas futuras, como por exemplo, realizar a extração com outros tipos de solventes e avaliar a atividade antioxidante e ação antidiabética. “Outra sugestão é estudar as propriedades da casca do alpiste, apesar da crença popular de que ela é cancerígena e, por isso, os passarinhos comem apenas o interior da semente. No teste com animais, tive a preocupação de tirar o máximo de cascas, quando provavelmente os compostos antioxidantes estavam na parte externa ou mesmo na primeira água que foi trocada. Também sugiro estudos para outras doenças, como câncer, hipertensão e obesidade, sendo que vemos sites citando benefícios do alpiste em casos de cirrose, obesidade e tonicidade muscular, entre outras patologias.”
Publicação
Dissertação: “Caracterização do extrato aquoso de alpiste (Phalaris canariensis L.) e avaliação dos efeitos antioxidantes e hipoglicemiantes”
Autora: Michele Christine Machado de Oliveira
Orientador: Marcelo Alexandre Prado
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
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