Bel Levy | Projeto Saúde Amanhã
Quais os investimentos necessários para atender as novas demandas de saúde da população brasileira? Para a pesquisadora Isabela Soares Santos, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), a prospecção estratégica do futuro é o caminho para responder a esta pergunta. Isabela integra o grupo de pesquisa da rede Brasil Saúde Amanhã que estuda as articulações entre os setores público e privado da Saúde, suas perspectivas atuais e implicações futuras. Junto a Luisa Regina Pessôa, Juliana Pires Machado, Ana Cristina Marques Martins e Claudia Risso de Araújo Lima, nesta segunda fase do projeto Isabela dedicou-se ao mapeamento da capacidade instalada da Saúde no Brasil e dos desafios e oportunidades que o cenário atual propõe para o futuro, no horizonte dos próximos 20 anos. Os resultados deste estudo serão publicados no capítulo “Os Recursos Físicos de Saúde No Brasil: Um Olhar Para o Futuro”, que integrará o volume “Brasil Saúde Amanhã: Organização dos Cuidados em Saúde”, a ser lançado no segundo semestre de 2015.
Confira abaixo a entrevista concedida pela pesquisadora ao Saúde Amanhã.
Por que realizar estudos de prospecção estratégica do futuro e quais as contribuições trazidas pelo projeto Brasil Saúde Amanhã?
Isabela Santos: Integrar áreas estratégicas da Saúde é um grande investimento de pesquisa e de serviço para a saúde pública brasileira. Quando trabalhamos em rede a pesquisa deixa de ser competitiva e passa a ser colaborativa. E isso é essencial para o avanço do conhecimento. Por isso, este esforço promovido pelo projeto Brasil Saúde Amanhã é tão relevante: por articular pesquisadores de diferentes especialidades, instituições e perspectivas. Esse diálogo é fundamental para a geração de conhecimentos de forma inovadora.
Na primeira fase do projeto, que resultou na publicação do livro “A Saúde no Brasil em 2030: Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro”, investigamos o mix público-privado que caracteriza o sistema de saúde brasileiro, a partir de um olhar prospectivo sobre o futuro do país. Inicialmente, elaboramos um diagnóstico da relação público-privada na Saúde e traçamos algumas tendências futuras para inferir um prognóstico para rede de serviços de saúde. Focamos o olhar na estrutura do sistema de saúde, considerando as características do setor público, do setor privado e suas interações. Agora, nesta segunda fase da iniciativa, abordamos especificamente os recursos físicos da Saúde.
Quais as metodologias utilizadas em estudos sobre o futuro?
Isabela Santos: Para realizar a prospecção estratégica de futuro é preciso ter uma base de dados consistente sobre o presente. Em estudos sobre a população e suas tendências demográficas e epidemiológicas, por exemplo, precisamos utilizar dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dos diversos sistemas de informação da Saúde. Para abordar as perspectivas futuras nos campos do financiamento de Saúde ou da organização do sistema, por sua vez, precisamos realizar também análises políticas e conjecturais que, tradicionalmente, nem sempre integram os estudos de Saúde. Então este é um desafio a mais, que vem gerando novas soluções metodológicas e conhecimentos. Certamente avançamos muito desde o lançamento da primeiro volume da iniciativa.
Em nosso estudo, o objetivo principal foi mapear a atual capacidade instalada da Saúde no Brasil para então identificar e analisar quais os investimentos necessários para atender as novas demandas da população brasileira e as consequentes mudanças que ocorrerão na oferta de serviços de saúde nos próximos 20 anos. Neste processo, utilizamos os dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) para analisar a oferta de saúde no Brasil. No entanto, o sistema disponibiliza uma curta série histórica, de apenas dez anos, que não seria suficiente para inferirmos tendências futuras para as próximas duas décadas.
Então, como não seria possível realizar um prognóstico utilizando apenas os dados do CNES sobre a oferta do sistema de saúde, nos apoiamos nos cenários e tendências sociais, demográficas e epidemiológicas prospectados por outros grupos de pesquisa da rede Brasil Saúde Amanhã. E, assim, integramos as diferentes perspectivas desta rede de pesquisa, desde os estudos sobre demografia, fluxos migratórios e tendências epidemiológicas até as dinâmicas políticas e econômicas que impactam o setor Saúde, tanto no âmbito público quanto no privado.
Como você avalia o atual modelo de interação entre os setores público e privado na Saúde e quais as tendências para o futuro?
Isabela Santos: Há três tipos básicos de sistemas de saúde. O sistema nacional de saúde, como o de Portugal ou o Sistema Único de Saúde (SUS), é financiado por tributos, com acesso livre, universal e equânime para toda a população e uma rede ampla de serviços. O sistema privado puro tem a sua expressão mais clara nos Estados Unidos, onde não há financiamento por meio de tributos. Os pagamentos são feitos diretamente pelo cliente, o que chamamos de “particular” no Brasil, ou via operadoras de planos de saúde. Além disso, o sistema de saúde não é integral e sim fragmentado em diversos serviços e especialidades que devem ser contratados separadamente. Neste caso, os serviços de saúde não estão disponíveis a toda a população do país, somente às pessoas que efetivamente podem pagar por eles.
Há, ainda, o modelo de Seguridade Social, ou Social Health Insurance, adotado por países como França e Alemanha – e pelo Brasil no início do século passado. As empresas montam caixas destinados especificamente à assistência à saúde de seus funcionários, que então se tornam dependentes da empresa para ter acesso ao sistema de saúde. Este é um modelo misto de sistema de saúde, gerenciado de forma compartilhada pelo Estado e pelas empresas que o financiam e utilizam.
Na última década diversos países têm investido em estudos que buscam investigar a composição dos sistemas de saúde e os efeitos das diferentes formas de articulação entre os setores público e privado da Saúde. E os resultados indicam que misturar o sistema nacional de saúde com a atuação de planos privados de saúde é a pior combinação possível. Sobretudo se o Estado não assumir um papel regulador forte, a tendência é o desenvolvimento do setor privado em detrimento do público. É isto que parece estar acontecendo hoje no Brasil.
Que medidas podem ser tomadas no presente para amenizar esses impactos negativos e fortalecer o sistema público de saúde?
Isabela Santos: Estudos internacionais apontam muito seguramente que quando o Estado não assume um papel de regulador da interação entre as esferas pública e privada o impacto tende a ser negativo para o setor público. Então o Estado brasileiro precisa assumir esta conduta se quiser manter um setor público forte para a Saúde.
Neste sentido, o primeiro passo é mapear as demandas de saúde para identificar e programar a oferta de serviços de forma inteligente e direcionada às necessidades da população. Em nosso estudo buscamos investigar onde estão e o que fazem os prestadores públicos e privados de saúde no Brasil. Precisamos saber, para hoje e para os próximos 20 anos, quais são os serviços necessários, que segmentos da população os demandam, para onde esta oferta deve ser direcionada, de que forma e com que intensidade, em curto, médio e longo prazo.
Do ponto de vista da demografia, esperamos primeiro o envelhecimento e depois a redução da população. Então, precisamos antecipar quais serão as necessidades desta nova população idosa e quais os seus impactos para o sistema de saúde. Da mesma forma, os fluxos migratórios impactam a forma de organização dos serviços de saúde, pois precisamos programar que tipo de serviços e que níveis de complexidade estarão disponíveis em que territórios, para que grupos populacionais. Em suma, é preciso reorganizar a oferta de serviços.
Fonte(s): Projeto Saúde Amanhã
Data: 26.06.2015
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