O Conselho Indigenista Missionário, regionais Sul e Mato Grosso do Sul, reunido em Assembleia Regional de 03 a 05 de julho, em Laranjeiras do Sul-PR, refletiu sobre as graves e profundas violências praticadas contra os Povos Indígenas no Brasil, em especial nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. São constantes as denúncias de violações contra a vida, contra a terra, o meio ambiente, contra os direitos constitucionais em seus aspectos fundamentais, como o acesso às políticas públicas, as diferenças étnicas e culturais e a demarcação das terras.
Preocupa, sobretudo, o fato de os poderes públicos – Executivo, Judiciário e Legislativo – agirem com o intuito de limitar o alcance dos direitos constitucionais dos Povos Indígenas por meio de decisões judiciais, ações políticas e administrativas que violam a Carta Magna do país em seu capítulo VIII, Artigos 231 e 232.
São inaceitáveis algumas decisões oriundas no Supremo Tribunal Federal (STF) – por meio de sua segunda Turma – contra as terras Guyraroká, Limão Verde e Canela-Apãniekra, pois apenas visam, no entender do Cimi, restringir os direitos indígenas. O que se percebe, no horizonte destas decisões, é a intenção de descaracterizar os procedimentos de demarcações a partir da tese de que os direitos dos povos se iniciam ou se encerram com a promulgação da Constituição Federal (CF), através do que vem sendo denominado de marco temporal de 1988. É absurdo pensar que uma Corte Superior possa adotar interpretação restritiva a direitos, tendo como foco não o respeito à lei, mas às pautas e os interesses de setores da política e da economia.
Ao impor (ao procedimento demarcatório) o marco temporal, a Segunda Turma do STF pune os povos indígenas pelo fato de terem sido expulsos de suas terras. A partir desse entendimento, as comunidades ou povos que não estavam em guerra ou não ingressaram em juízo contra os invasores antes de 1988 perderiam o direito a terra, que a própria Constituição Federal afirma ser, para os indígenas, imprescritível, inalienável e indisponível. Portanto, este argumento falacioso, além de negar o direito originário que os povos indígenas têm sobre as terras, transfere a culpa que é do Estado – por permitido a retirada de comunidades e a ocupação indevida de suas terras – para as vítimas.
Lamentavelmente, as falaciosas interpretações acerca dos direitos indígenas, oriundas do STF, têm desencadeado no âmbito dos tribunais, em especial no TRF 4, uma onda de revisões nas demarcações de terras já consolidadas – como nos casos da TI Araça´i e TI Toldo Pinhal, em Santa Catarina. A Segunda Turma do STF, ao tentar restringir direitos valendo-se do marco temporal, compromete a segurança e a vida dos Povos Indígenas.
São igualmente inaceitáveis as decisões da presidência da República que impôs, em sua política indigenista, que Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Ministério da Justiça paralisassem as demarcações de terras. Tudo indica que o parâmetro adotado pelo governo é o mesmo do Judiciário, ou seja, a defesa de setores da economia que têm a ambição de explorar os recursos existentes nas áreas indígenas e/ou que já as vem explorando ao longo de muitas décadas. É igualmente condenável o fato de o governo federal, em articulação com governos estaduais, colocar as suas forças públicas de segurança e proteção – polícias Federal e Militar – a serviço daqueles que violam os direitos humanos dos povos indígenas. Exemplo disso foi o que aconteceu em Mato Grosso do Sul, onde fazendeiros se armaram e atacaram os Guarani-Kaiowá da terra indígena de Kurusu Ambá, episódio que a Polícia de Fronteira de Mato Grosso do Sul acompanhou e que a Polícia Federal alegou não ter contingente para se deslocar ao local do conflito.
No âmbito do Poder Legislativo têm sido insistentemente criados projetos de leis e de Emendas à Constituição Federal que visam não o aprimoramento das normas jurídicas, mas a descaracterização dos direitos já assegurados constitucionalmente aos povos indígenas. Tais iniciativas estimulam, na sociedade, um clima de intolerância contra os povos indígenas e geram insegurança jurídica por depreciar direitos resguardados no texto constitucional, tratando-os como se fossem clandestinos.
No entender do Cimi, a intolerância, a ganância e o preconceito, combinados com a omissão e negligência do governo federal, continuam motivando e acentuando as agressões contra os povos indígenas, condenando-os a uma violência cotidiana. Nega-se, neste contexto, a vida. Negam-se os direitos e estimula-se uma falaciosa ideia de que os Povos Indígenas não têm lugar nos espaços geográficos, políticos, econômicos, culturais e sociais do país.
O Cimi – regionais Sul e Mato Grosso do Sul – expressa, uma vez mais, seu compromisso com a defesa dos direitos dos Povos Indígenas, com seus projetos de vida e se coloca a serviço das lutas atuais por eles travadas, em especial contra a PEC 215/2000 contra o Projeto de Lei 1216/2015, contra o Projeto de Lei Complementar 227/2012, bem como, contra as ações que tramitam nos tribunais e que pretendem impedir o acesso dos povos às suas terras.
Por fim, o Cimi manifesta sua crença na força e resistência de todos aqueles que lutam pela vida, pela justiça e pela construção do Bem Viver.
Nota do CIMI – Conselho Indigenista Missionário, publicada no Portal EcoDebate, 08/07/2015
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