Giuliander Carpes
Adelina dos Santos, 52 anos, até brinca - nunca havia
ganhado um diploma. O documento não passa de uma prova do que a ex-empregada
doméstica, desempregada há dez anos, aprendeu: fazer uma horta de frutas,
temperos e legumes orgânicos no quintal da casa em que mora no Morro Chapéu
Mangueira, no Leme, zona sul do Rio de Janeiro.
"Quando eu era nova, não gostava de planta. Nada que eu
plantasse pegava. Depois que fiquei velha passei a gostar e tudo dá
fruta", diz Adelina, que herdou um pé de manga e um de abacate na casa
onde mora, ambos plantados por sua mãe.
Depois de um curso que durou quatro meses e ofereceu
estrutura para 10 hortas comunitárias - com calhotes e até minhocário para
reciclar resíduos orgânicos e transformá-los em adubo -, outros 15 moradores
como Adelina foram capacitados não apenas para plantar, mas para saber consumir
produtos mais saudáveis. No futuro, o objetivo é que estas pequenas plantações
possam até completar o orçamento de suas famílias. A colheita, ao que tudo
indica, começa no final do ano.
"Já tenho cinco clientes que querem os produtos e tem
até uma amiga minha que quer que eu monte uma horta para ela lá na Ladeira dos
Tabajaras (outra favela da zona sul, em Copacabana). Planto cebolinha,
salsinha, beterraba, cenoura e feijão. Vou usar as folhas do pé de feijão para
adubar a horta", explica, já mostrando um pouco do conhecimento adquirido.
A concretização do projeto, organizado pelo Conselho
Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), é uma
surpresa para quem nem acreditava que era possível fazer agricultura dentro de
casa, na própria laje, numa favela superpovoada.
"Achava que agricultura era no campo. A gente não tinha
uma visão de como fazer. Agora nos foi mostrado que numa área mínima se pode
fazer", conta Luiz Alberto de Jesus, 52 anos, dono de uma laje ampla onde
estão a sua horta e a de mais quatro colegas de curso. "Quando ouvia falar
de agricultura orgânica, não tinha conhecimento. Primeiro porque é um produto
muito caro. A gente vê isso no comércio, mas não é acessível. Não temos costume
de usar. Agora produzindo a gente já sabe e vê que não tem mistério. Não sei
por que cobram tão caro."
Já tem morador do Chapéu Mangueira que passa mais tempo na
horta do que com a família, reclama a temida Dona Sônia, mulher de João
Baptista, ex-motorista e mais um aluno formado pelo curso. Quem conta a
história às gargalhadas é ele próprio, que foi proibido de plantar cebolinha
pela esposa. "Ela está traumatizada porque escorregou numa cebolinha no
supermercado e machucou o joelho. Teve que fazer uma cirurgia, colocou uma
placa e cinco pinos. Mas aos poucos a gente vai convencendo", afirma ele,
que tem a ajuda do neto Daniel na horta.
A horta de João é uma das mais avançadas da turma e reflete
bem o tipo de pensamento que os professores do curso de agricultura orgânica
queriam: formar empreendedores. Ele até já iniciou conversas com os colegas
para fazer uma feira de produtos orgânicos em pleno Chapéu Mangueira a preços
muito mais acessíveis para os moradores.
E mais: quer plantar uma horta dentro da própria casa,
derrubando o mito de que é necessário pelo menos um espaço mínimo. "Vou
mostrar para eles que é possível, que meu projeto funciona. O pessoal não
acredita, nem minha própria esposa. Mas já plantei até romã, maracujá, amora na
minha laje. Por que não posso plantar dentro de casa também?"
O curso de agricultura orgânica do CEBDS é o primeiro a ter
uma turma formada, mas há outras frentes sendo levadas a cabo no morro do
Chapéu Mangueira e Babilônia, como melhorias habitacionais sustentáveis,
infraestrutura verde, turismo comunitário, empreendedorismo local,
sustentabilidade nas escolas e gestão comunitária de resíduos sólidos. O
investimento, na casa de R$ 7 milhões, é feito por empresas privadas parceiras.
Fotos do link.
Data: 30.08.2012
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