quinta-feira, 2 de maio de 2013

Biodiversidade de aves, mamíferos e mosquitos não-vetores pode impedir transmissão da malária

Fatores ecológicos podem impedir a transmissão do plasmódio, micro-organismo causador da malária. Pesquisa realizada pela Faculdade de Saúde Pública (FSP) na Ilha do Cardoso, área preservada de mata atlântica no litoral sul do Estado de São Paulo, mostra que a biodiversidade de aves e de mamíferos, bem como a diversidade de mosquitos não-vetores do parasita, contribuem para interromper a cadeia de transmissão do plasmódio. O estudo sugere um maior critério no uso e na ocupação do solo, de modo a manter a biodiversidade, especialmente na amazônia, região que apresenta o maior número de casos da doença.
Biodiversidade da Ilha do Cardoso impede transmissão de causador da malária

De acordo com o biólogo Gabriel Zorello Laporta, um dos autores da pesquisa, o modelo clássico da dinâmica de transmissão da malária não incorpora os efeitos das interações ecológicas sobre o vetor e os hospedeiros, que podem influenciar ou não a transmissão do patógeno para os seres humanos. “Na dinâmica clássica, os fatores chaves são o vetor (mosquito), que incorpora o parasita (plasmódio) ao picar um hospedeiro infectado e que pode levá-lo a um hospedeiro suscetível”, conta o biólogo. “É um sistema simples, em que nenhum fator externo tem influência”, afirma, ressaltando que, “no entanto, o vetor e os hospedeiros não estão inertes e, dentro do ambiente, realizam interações que podem criar uma instabilidade na dinâmica e, dessa forma bloquearem a transmissão”.

Os pesquisadores desenvolveram um modelo conceitual teórico que foi testado na Ilha do Cardoso, que é uma unidade de conservação da mata atlântica situada no litoral sul do Estado de São Paulo. “Nessa região não há presença do plasmódio, apesar das áreas de mata atlântica nas proximidades serem endêmicas para a malária”, descreve o cientista. “A chance de invasão é grande, mas nunca aconteceu”, aponta. “Dois fatores ecológicos poderiam bloquear a dinâmica de transmissão: os níveis altos de biodiversidade de aves e mamíferos, e também a diversidade de mosquitos não-vetores”.

As aves e mamíferos podem ser picados pelo mosquito que transmite o plasmódio, o qual não se desenvolve. “Isso corta a cadeia de transmissão, o que faz com que sejam conhecidos como hospedeiros não competentes ou ‘dead end’ [sem saída]”, afirma Laporta. “Se a alta abundância dessas espécies bloqueia a transmissão, no sentido inverso, uma presença baixa ou média de espécies pode ter o efeito inverso, o que poderia ser possível devido a caça, que é permitida, apesar da área ser preservada, criando um fenômeno conhecido como ‘floresta vazia’ ”.

Competição difusa

Os mosquitos transmissores competem com os não-transmissores por hospedeiros. “É uma competição difusa, pois tanto as aves quanto os mamíferos e os seres humanos não têm tolerância às picadas e desenvolvem um comportamento defensivo, fazendo com que nenhum mosquito consiga picar os hospedeiros”, ressalta o biólogo. “Dessa forma, a presença de mosquitos não-vetores tem efeito significativo e negativo na dinâmica de transmissão”.

Segundo Laporta, os dois fatores externos são serviços ecossistêmicos promovidos pela biodiversidade. “Em locais onde a diversidade de espécies é grande, como no caso da Ilha do Cardoso, acontece uma redundância funcional, ou seja, se algumas espécies de hospedeiros não-competentes ou mosquitos não-vetores são eliminados, ainda assim a região estará livre do plasmódio”, observa.

O biólogo alerta para o risco de a ocupação humana não levar em conta os serviços ecossistêmicos durante o manejo ambiental e eliminar os mecanismos que impedem a transmissão do plasmódio. “Com base nos resultados da pesquisa, para evitar os efeitos dos impactos antropogênicos é preciso criar políticas públicas de uso e ocupação do solo que mantenham a biodiversidade, aproveitando-a para manter as regiões ocupadas livres da transmissão da malária, especialmente na amazônia”, diz. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2012 foram registrados 276 mil casos de malária no Brasil, sendo 99,5% na região amazônica.

A pesquisa foi realizada por Laporta em parceria com a bióloga Maria Anice Mureb Sallum, no Departamento de Epidemiologia da FSP, com participação do ecólogo Paulo Inácio Knegt Lopes de Prado, do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, e dos físicos Roberto André Kraenkel e Renato Mendes Coutinho, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O trabalho serviu de base para o artigo “Biodiversity can help prevent malária outbreaks in tropical forests”, publicado em 21 de março na revista científica eletrônica PLOS Neglected Tropical Diseases.

Imagem cedida pelo pesquisador

Matéria de Júlio Bernardes, da Agência USP de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 02/05/2013

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