No Brasil, o uso comercial de espécies nativas passa por uma regulação do governo. Para usá-las, a empresa ou instituição de pesquisa deve fazer um pedido de licenciamento
O Brasil abriga cerca de 13% da variedade de seres vivos do planeta, entre espécies de animais e plantas. É o país com a maior biodiversidade do mundo. Mas como a maioria dos países em desenvolvimento, está num dilema: usar todos os recursos naturais para chegar ao nível econômico dos desenvolvidos, e acabar com toda a riqueza de seus ambientes naturais, ou optar por uma forma de desenvolvimento sustentável. Isto significa levar em conta a biodiversidade como a maior riqueza de uma nação, e explorá-la de forma inteligente e respeitosa. Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), foi assinada, por mais de 160 países, a Convenção sobre Diversidade Biológica, que é estruturada em três bases principais: a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos benefícios dos recursos genéticos. O acordo é um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados ao ambiente. A bióloga Marcia Chame, coordenadora do Programa de Biodiversidade e Saúde, da Fiocruz, defende a criação de um planejamento de desenvolvimento que seja harmonioso e leve em conta o conhecimento tradicional de quilombolas, índios e ribeirinhos.
A biodiversidade é a base da sustentabilidade. Ela purifica a água e mantém o solo fértil para o plantio. “Por mais que possamos desenvolver e operar máquinas incríveis, o nosso corpo, a nossa biologia ainda é de Homo sapiens: que precisa de água para beber, alimentos orgânicos para se alimentar, ar puro para respirar. Por mais tecnológico que a gente seja, ainda não comemos chip velho de computador”, diz Marcia Chame.
A grandiosidade da biodiversidade brasileira não é proporcional ao investimento em pesquisa ambiental. Muitas vezes ecossistemas são destruídos antes mesmo de se conhecer as plantas medicinais, biocidas, aromas, pigmentos ou venenos que poderiam ser aproveitados na medicina ou na agricultura. Marcia cita o exemplo da caatinga, que é destruída para dar lugar a plantações de mamona ou soja, antes de os cientistas conhecerem as plantas e animais nativos. “No Brasil a gente tem tanta biodiversidade que talvez o nosso problema seja abundância”, avalia a pesquisadora.
‘Conhecimento tradicional economiza anos de pesquisa’
“Conservar a natureza não impede o desenvolvimento. Só não dá para continuar insistindo num modelo de 500 anos atrás, de monocultura de plantas que não são nativas, como cana de açúcar ou soja. Desta forma, perde-se um potencial gigantesco do país. Quem vai fazer deste país diferente somos nós, mais ninguém”, afirma Marcia. O investimento governamental em pesquisa, a valorização das plantas nacionais, o uso de sementes crioulas (selecionadas aos ambientes nacionais) e a conservação dos ecossistemas naturais são questões estratégicas para a soberania econômica e ambiental do país.
Os cientistas, brasileiros e estrangeiros, costumam recorrer ao conhecimento tradicional: ao quilombola, ao índio, ao ribeirinho, que detém conhecimento milenar passado entre gerações sobre a biodiversidade, para buscar novas substâncias para fazer remédios, biocidas, aromas e muitas coisas. “Este conhecimento economiza anos em pesquisa científica, economiza milhões de dólares”, destaca Marcia.
Então de acordo com os princípios da Convenção da Diversidade Biológica os lucros obtidos com a venda dos produtos que tiveram como base a biodiversidade e o conhecimento tradicional a ele associado merece ser dividido entre aqueles que forneceram a informação valiosa sobre suas características, os pesquisadores/empresa que desenvolveu o novo produto e o país que detém a espécie que originou o produto. Para garantir que essa repartição seja feita, o Brasil tem uma legislação específica que obriga a todos que queriam fazer uso da biodiversidade com fins comerciais. No Brasil, o uso comercial de espécies nativas passa por uma regulação do governo. Para usá-las, a empresa ou instituição de pesquisa deve fazer um pedido de licenciamento.
A Convenção sobre Diversidade Biológica previu a criação de um Fundo Global para ajudar os países em desenvolvimento a conhecer e preservar a própria biodiversidade. De lá para cá, muitos animais e plantas em risco de extinção foram identificados e houve ações para preservá-los, como a criação de parques nacionais, com o objetivo de preservar os biomas brasileiros e demarcar reservas indígenas. Mas ainda há muito a fazer para que a biodiversidade não suma do mapa.
Matéria de Rovena Rosa, da Agência Fiocruz de Notícias, publicada pelo EcoDebate, 23/07/2013
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