Por Paula Lima e José Frank, Assessores técnicos, Comissão Pró-Índio do Acre
Há anos o povo indígena Nukini vem refletindo sobre as ações de gestão territorial e ambiental em sua terra e desenvolvendo atividades e normas acordadas sobre o uso e manejo dos recursos naturais, vigilância e monitoramento, entre outras estratégias estabelecidas, para a proteção de sua terra e entorno.
Agente agroflorestal Pedro Evaristo e alunas da TI Nukini durante atividade de assessoria realizada pela CPI-AC (Foto: José Frank).
[EcoDebate] Com intuito de apoiar e fortalecer estas ações na Terra Indígena, entre os dias 13 a 31 de outubro de 2014 a Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC) realizou assessoria técnica aos agentes agroflorestais indígenas (AAFIs), das duas principais aldeias da TI – Meia Dúzia e República. Para esta atividade foi realizado um planejamento participativo com a comunidade, em que foram propostas a continuidade da formação técnica, em serviço do AAFI e o acompanhamento pelos assessores do trabalho socioambiental organizado com a comunidade.
Cerca de 30 a 40 participantes realizaram as atividades diariamente, incluindo jovens, velhos e demais lideranças. O trabalho foi realizado em cooperação com a escola, onde os professores foram essenciais para a articulação das atividades. Dentre elas, destacam-se a construção de viveiros e sementeiras para a produção de mudas de espécies frutíferas e florestais, plantios de mudas de castanheiras, jatobá, açaí touceira e demais espécies nas áreas das aldeias, levantamentos de espécies frutíferas nos quintais agroflorestais, diagnósticos da agrobiodiversidade dos roçados e da criação animal, dentre outras atividades de produção agroecológica.
A atividade de levantamento de quintais e roçados durante a assessoria, permitiu evidenciar a preocupação do Povo Nukini em produzir alimentos saudáveis, com todas as famílias cultivando o seu próprio roçado diversificado e colhendo uma farta produção de alimentos para autoconsumo. É uma terra tão boa de render frutos que o excedente ainda fornece renda para as famílias, que comercializam sua produção no município, como a melancia, abacate, macaxeira, milho, farinha e feijão. O desafio atual em relação a segurança alimentar dos Nukini ainda é implementar a regionalização da merenda escolar, e merece mais atenção dos órgãos competentes.
“A partir dessa pesquisa dos quintais e roçados agroflorestais, começamos a entender melhor a realidade de cada morador, a forma como vivem nas suas casas, plantando, várias espécies de frutas, medicinais, verduras. A gente só conhece a realidade da comunidade através de uma mobilização como foi essa pesquisa, onde eu junto com os meus alunos que me acompanharam e a dona do quintal, podemos conhecer a quantidade de fruta que essa família colhe como alimento e ainda vem aquele de fora que vai utilizar também” (Professora Leila, Aldeia República -TINukini).
Nas assessorias, houve o apoio dos AAFIs Lucas Azevedo e José Marcondes da TI Puyanawa e do AAFI Milton Carneiro da TI Nawa. A participação dos AAFIs em intercâmbio representa uma das modalidades desenvolvidas pela CPI-AC na formação do agente agroflorestal, onde há intensa troca de experiências entre os AAFIs de diferentes povos indígenas. Vale ressaltar que muitas discussões e reflexões das práticas durante as assessorias foram desenvolvidas pelos próprios AAFIs, em intercâmbio, contribuindo com o processo de formação dos mesmos e fortalecendo o protagonismo indígena.
“Esse intercâmbio foi muito proveitoso para mim porque aprendi muitas coisas novas que não tem na minha TI Puyanawa, como o roçado sustentável onde os Nukini plantam variedades de espécies de produção de alimentos” (AAFI José Marcondes- TI Puyanawa).
Além dessas práticas também foram abordadas questões no âmbito da Saúde e Educação Ambiental, sensibilizando os participantes para um mutirão de coleta e organização do lixo, bem como quais seriam as estratégias e planejamentos dos moradores para evitar os impactos e efeitos negativos do lixo em Terras Indígenas.
“Só quem sabe a dor que o lixo causa é quem pode propor mudar. Cuide do seu lixo e evite conflitos que há de vir porque eu já comecei a cuidar!” (Trecho de texto de Pablo, aluno indígena da Aldeia República- TI Nukini).
As reflexões, discussões e comentários sobre o Plano de Gestão Territorial e Ambiental da TI Nukini, realizadas pelos participantes da oficina, deram seguimento após as atualizações dos mapas temáticos. Estes mapas são produzidos de acordo com os interesses da própria comunidade, no âmbito das reflexões sobre a situação de abundância dos recursos naturais, da caça e pesca, uso da terra e ameaças externas que exercem significativa pressão sobre o território. Assim, os Nukini revisaram e atualizaram seus mapas de pesca, de caça, uso dos recursos naturais, vegetação, histórico, ocupação e invasão.
Revisar e atualizar estes mapas leva a comunidade a refletir sobre as situações da terra, como os impactos das invasões de madeireiros, pescadores e caçadores e também áreas de pastagem para o gado. Além destas ameaças, há questões pertinentes aos grandes projetos de estrutura viária, prospecção de petróleo e narcotráfico, que se apresentam no contexto das dinâmicas transfronteiriças na região Acre (Brasil) – Ucayali (Peru), como ameaças que afetam direta e indiretamente a terra indígena e seu entorno.
Com aproximadamente 27.263 hectares, a Terra Indígena Nukini localiza-se próxima à fronteira Acre-Ucayali, faz limites com o Parque Nacional da Serra do Divisor à Oeste, com o Projeto de Desenvolvimento Sustentável São Salvador a norte e ao sul com a TI Nawa (Correia, 2004). Nas discussões do Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena (PGTA), os participantes apontaram questões que fortalecem a gestão territorial e ambiental, as quais envolvem de forma mais efetiva as lideranças Nukini nessa temática transfronteiriça, no âmbito das reuniões e eventos das instâncias governamental e não-governamental, que tratam do assunto, como o Grupo de Trabalho Transfronteiriço (GTT) e o Núcleo Estadual de Desenvolvimento e Integração da Faixa de Fronteira (NEDIFAC). Além destas estratégias, ocorreram reflexões sobre ações que possam influenciar e sensibilizar os vizinhos do entorno de sua terra, na busca de possíveis “mitigações” sobre os impactos e efeitos produzidos por essas dinâmicas na região fronteiriça do Vale do Juruá.
Ameaças sobre a TI Nukini, como as invasões de caçadores, são comuns e acontecem com frequência. Na busca de solucionar esses e outros problemas, a liderança Paulo Nukini ainda falou sobre alguns encaminhamentos, objetivando articulações para estabelecer diálogos entre ICMBio, INCRA, IBAMA, FUNAI e os Nukini, para discutirem a situação de invasão de pessoas do Projeto de Desenvolvimento Sustentável São Salvador. Segundo a liderança “eles não tem nenhuma reserva de garantia (caça), por isso invadem a Terra Indígena”.
“Meu nome é Paulo Nukini, sou do povo Nukini. Eu como liderança estou gostando realmente da reunião, do encontro que estamos fazendo, das negociações, das propostas dentro da comunidade, de botar dentro do plano de gestão e melhorar cada dia. Estas propostas são para conseguirmos uma terra mais fortalecida e mais produtiva dentro dos nossos direitos indígenas. E com a vinda do pessoal da CPI-AC hoje eu acredito que a comunidade está mais empenhada, se desenvolvendo dentro das propostas e estamos tendo um bom resultado disso” (Cacique Paulo Nukini- TI Nukini).
O trabalho desenvolvido pela CPI-AC integra o projeto “Gestão Indígena no Acre” que é patrocinado pela iniciativa Petrobras Socioambiental.
Presidente da Cultura Cleir e Vice-Liderança Paulo durante atualização do Plano de Gestão na Aldeia República (Foto: José Frank).
Lideranças durante a atualização do Mapa de Ocupação da TI Nukini (Foto: José Frank).
Professores e alunos das escolas indígenas da Aldeia Meia Dúzia durante atividade de diagnóstico dos quintais agroflorestais (Foto: José Frank).
Vista de um final de tarde chuvoso, na Aldeia República – TI Nukini (Foto: Lucas Azevedo).
Publicado no Portal EcoDebate, 25/11/2014
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