Bioma do semiárido nordestino é o mais sensível à interferência humana e às mudanças climáticas, alertam pesquisadores em conferência do BIOTA Educação (Eraldo Peres/MMA)
A Caatinga é considerada por especialistas o bioma brasileiro mais sensível à interferência humana e às mudanças climáticas globais. Apesar disso, apenas 7,5% de seu território está protegido em Unidades de Conservação (UCs) e apenas 1,4% dessas reservas são áreas de proteção integral.
O alerta foi feito pelo biólogo Bráulio Almeida Santos, do Centro de Ciências Exatas e da Natureza da Universidade Federal da Paraíba (CCEN/UFPB), durante o quinto encontro do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA Educação, organizado pelo Programa BIOTA-FAPESP no dia 20 de junho.
“A região Nordeste tem 364 reservas registradas no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC). Apenas 113 (ou 31%) têm como objetivo proteger a Caatinga, embora esse bioma seja predominante em todo o semiárido brasileiro. É uma contradição que precisa ser revertida”, afirmou Santos.
Ainda segundo o levantamento feito pelo biólogo, quase metade das 113 UCs são particulares e apenas 9% têm plano de manejo. Na avaliação de Santos, a situação reflete a ideia errônea, porém disseminada durante muito tempo, de que a Caatinga seja um bioma pobre, homogêneo e no qual não há “quase nada a ser preservado”.
“A Caatinga sempre foi o patinho feio dos biomas brasileiros. Em primeiro lugar, vem a preocupação com a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado. A imagem da Caatinga é a do solo rachado e a do gado morrendo de sede, mas é a região semiárida com a maior biodiversidade do mundo”, afirmou Santos.
As espécies da Caatinga, no entanto, ainda são pouco conhecidas. Cerca de 41% do bioma nunca foi amostrado. Até o momento, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, foram descritas na região 932 espécies de plantas, 241 de peixes, 79 de anfíbios, 177 de répteis, 591 de aves, 178 de mamíferos e 221 de abelhas. No caso da flora, mais de 30% das espécies descritas são endêmicas, ou seja, não ocorrem em nenhuma outra região do mundo.
O índice de endemismo chega a 57% no caso dos peixes, 37% no caso de lagartos, 12% dos anfíbios e 7% das aves, segundo dados apresentados por Adrian Antonio Garda, do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CB/UFRN), durante o evento.
“O número de espécies descritas pode parecer pequeno quando você compara com os outros biomas brasileiros. Mas estamos comparando com biomas do país de maior biodiversidade do mundo e em condições climáticas completamente diferentes. Quando você compara com as regiões desérticas mais bem estudadas da América, a Caatinga apresenta bem mais do que o dobro do número de espécies e com altos níveis de endemismo. Isso apesar de mais de 40% do bioma nunca ter sido inventariado”, disse Garda.
Na avaliação de Santos, falta massa crítica dentro das universidades e de institutos de pesquisa locais para ampliar esse conhecimento e difundi-lo entre e os formuladores de políticas públicas. “É preciso levar as informações ao gestor. A falta de vontade política e de lideranças comprometidas com o uso racional da Caatinga é um dos obstáculos para conservação desse bioma”, avaliou.
Também é preciso derrubar o mito de que a Caatinga esteja pouco alterada, defendeu Santos. Estima-se que tenha sobrado apenas 54% do bioma. Os estados que mais desmataram foram Bahia, Ceará, Piauí e Pernambuco.
“Mas, ao contrário do que acontece no caso da Mata Atlântica, não sabemos com precisão o que já se perdeu do bioma e como estão distribuídos os fragmentos restantes. Do ponto de vista da conservação, é fundamental saber se são muitos fragmentos pequenos ou poucos fragmentos grandes para pensar em como reconectar as paisagens”, disse.
Reverter a perda de hábitat na Caatinga, no entanto, não é tarefa simples, explicou Santos. A escassez de água na região dificulta a fotossíntese e faz com que o bioma apresente uma resiliência muito pequena à interferência humana.
Ameaças
O principal fator de degradação da Caatinga hoje é, segundo Santos, o desmatamento praticado para obtenção de lenha e de carvão vegetal. Cerca de um terço da lenha cortada é para uso residencial. A maior parte do carvão vai para siderúrgicas e para os polos de gesso e cerâmica do Nordeste.
O biólogo também citou como ameaças o uso indiscriminado de fogo em práticas agropecuárias, a introdução de frutas exóticas à região e as criações extensivas de caprinos, ovinos e bovinos.
“Não estou defendendo que se deixe de criar bode ou se pare de usar lenha. Isso é parte da economia e da cultura local. Mas é preciso ordenar o uso dos recursos, fazê-lo de forma racional. Caso contrário, a consequência será a desertificação”, defendeu Santos.
Outra importante ameaça, por mais contraditório que pareça, é o uso excessivo de água para irrigação agrícola. “Na Caatinga, naturalmente, chove pouco e o solo é compacto e duro. Em vez de a água ser rapidamente absorvida e conduzida para o lençol freático, ela se acumula e traz os sais e os nutrientes existentes no solo para a superfície. Quando a água evapora, ocorre a salinização do solo, o que compromete a vegetação e a agricultura”, explicou Santos.
De acordo com o pesquisador, já existem na região núcleos de desertificação – áreas com alto grau de degradação ambiental onde o solo está exposto e exibe alto grau de erosão, há pouca diversidade biológica e pouca cobertura vegetal.
“O polígono de maior risco de desertificação no Brasil está no Nordeste. Por já ser naturalmente uma região semiárida, a Caatinga é o bioma mais ameaçado pelas mudanças climáticas. À medida que o planeta esquenta, o déficit hídrico, que já é grande, tende a crescer”, alertou.
Ainda durante o quinto encontro do Ciclo de Conferências 2013 do BIOTA Educação, Luciano Paganucci, do departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Feira de Santana (DCBio/UEFS), apresentou um panorama sobre a flora da Caatinga, falando sobre sua origem, evolução e as respostas adaptativas desenvolvidas para lidar com a falta d’água.
Organizado pelo Programa BIOTA-FAPESP, o Ciclo de Conferências 2013 tem o objetivo de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de ciência. O próximo encontro será em 22 de agosto, quando estará em pauta o “Bioma Amazônia”.
Em 24 de outubro, o tema será “Ambientes Marinhos e Costeiros”. Finalizando o ciclo, em 21 de novembro, o tema será “Biodiversidade em Ambientes Antrópicos – Urbanos e Rurais”.
Matéria de Karina Toledo, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 25/06/2013
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