[EcoDebate] A Organização das Nações Unidas (ONU), através da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN – The Sustainable Development Solutions Network), apresentou um rascunho de documento, elaborado por especialistas, que define uma primeira proposta para os dez Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem orientar a agenda ambiental a partir de 2015. Os ODS são resultado da conferência Rio + 20, de 2012. Estes objetivos devem entrar em vigor a partir de 2015 quando termina o prazo para serem atingidos os ODMs (Objetivos do Desenvolvimento do Milênio), estabelecidos pela ONU, no ano de 2000.
Infelizmente, esta primeira iniciativa de versão dos ODS está muito marcada pela ideologia desenvolvimentista. A ideia do “Direito ao desenvolvimento” foi estabelecida na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) do Cairo de 1994. O Plano de Ação da CIPD fala em buscar a conciliação entre o “desenvolvimento sustentado” e o “desenvolvimento sustentável”. Porém, a maior parte das criticas atuais aponta no sentido de mostrar que crescimento econômico sustentado (ilimitado) é incompatível com a verdadeira sustentabilidade ambiental e com as “fronteiras planetárias” (Raworth, 2012).
Esta primeira versão dos ODS também não leva em consideração a questão da dinâmica demográfica e toda a discussão sobre os direitos à saúde sexual e reprodutiva. O mundo vive atualmente uma situação de “fosso demográfico” com os países ricos apresentando taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição, mas taxas de consumo acima da sustentabilidade ambiental, enquanto os países muito pobres apresentam altas taxas de fecundidade e baixo nível de consumo e de acesso aos direitos de cidadania. Estas questões populacionais não podem ficar de fora da discussão da agenda ambiental, assim como os problemas do meio ambiente não podem ficar de fora da discussão da CIPD além de 2014.
Mais do que nunca é preciso lembrar que a ONU necessita romper com a fragmentação das suas agendas e tratar os problemas do mundo de forma integrada e holística. Também precisa dar menos ênfase às questões antropocêntricas e mais destaque aos enfoques ecocêntricos. É preciso, urgentemente, fazer um esforço para integrar a agenda da “CIPD além de 2014” com a agenda da Rio + 20 (e os ODS).
Segue a versão preliminar dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e Metas – da Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável – que são para 2030, salvo indicação contrária. Segundo o documento, alvos marcados com (*) precisam ser especificados em nível nacional ou subnacional.
Preâmbulo
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) reafirmam a necessidade de alcançar o desenvolvimento sustentável, promovendo o desenvolvimento econômico, inclusão social, sustentabilidade ambiental e boa governança. Erradicar a pobreza é o maior desafio global. As metas comprometem o mundo em livrar a humanidade da pobreza e da fome como uma questão de urgência, tanto em áreas urbanas como rurais. Os objetivos também ressaltam que são desafios transversais: as políticas para frear a mudança climática, para assegurar a gestão segura da água e garantia dos recursos dos ecossistemas robustos e produtivos. O uso insustentável dos recursos e dos ecossistemas primários do mundo mina a capacidade de todos os países em alcançar o desenvolvimento sustentável e ameaça a segurança alimentar, a viabilidade e sobrevivência das nações. Os objetivos reafirmam a importância da igualdade de gênero e direitos humanos, incluindo o direito ao desenvolvimento, paz e segurança para todos. Eles colocam uma forte ênfase no investimento em saúde e educação de todas as pessoas. Essas metas são universais e se aplicam a todos os países, aos governos nacionais e locais, empresas e Sociedade civil. O desenvolvimento sustentável vai requerer que os objetivos sejam perseguidos de maneira conjunta, em vez de individualmente ou um de cada vez.
Objetivo 1: Fim da Pobreza Extrema, incluindo a Fome
Acabar com a extrema pobreza em todas as suas formas, inclusive a fome e a desnutrição infantil e apoiar estados altamente vulneráveis (ODM 1-7).
Metas podem incluir:
- Acabar com a pobreza de renda absoluta e com a fome, incluindo a segurança alimentar, a nutrição adequada e o fim da desnutrição infantil (ODM 1).
- Suporte avançado para os estados altamente vulneráveis e países menos desenvolvidos para contornar os desafios estruturais que eles enfrentam, incluindo a violência e o conflito.*
Objetivo 2: Alcançar o Desenvolvimento Dentro dos Limites Planetários
Todos os países têm o direito a um desenvolvimento que respeite limites planetários e que ajude a estabilizar a população global nos meados do século.
Metas podem incluir:
- Que todos os países atinjam pelo menos o nível seguinte nas classificações de países do Banco Mundial.
- Que os países respeitem os limites planetários nas suas políticas nacionais e incorporem a elas outros indicadores sociais e ambientais dentro de uma medida expandida do PIB*
- Rápida redução voluntária da fecundidade em países com o total de taxas de fecundidade acima dos 3 filhos por mulher.*
Objetivo 3: Garantir a aprendizagem eficaz para todas as crianças e jovens para a vida e subsistência
Participação de todas as crianças em programas adequados de desenvolvimento da primeira infância e a garantia que elas recebam educação primária e secundária para prepará-las para os desafios da vida moderna, além dos meios de subsistência decentes. Que todos os jovens e adultos tenham acesso contínuo à aprendizagem ao longo da vida para adquirir alfabetização funcional, matemática e habilidades para o seu sustento através do emprego decente ou autoemprego.
Metas podem incluir:
- Que todos os meninos e meninas tenham acesso aos programas de desenvolvimento da primeira infância (DPI).
- Assegurar que todos os meninos e meninas recebam educação primária e secundária de qualidade. Foco nos resultados definidos para cada etapa do ensino, aprendizagem e na redução da taxa de abandono em todas as séries à zero.
- Taxa de desemprego na juventude abaixo de 10 por cento.
Objetivo 4: Promover a Igualdade de Gênero, Inclusão Social e Direitos Humanos
Garantir a igualdade de gênero, direitos humanos, o Estado de Direito e o acesso universal aos serviços públicos. Reduzir a pobreza relativa e outras desigualdades que causam exclusão social. Promover o fim da violência, especialmente contra mulheres e crianças.
Metas podem incluir:
- Fim discriminação e das desigualdades na prestação dos serviços públicos, garantia do Estado de Direito e da participação na vida política e econômica sem distinção de gênero, etnia, religião, deficiência, origem nacional, status social ou outro.
- Reduzir pela metade a proporção de domicílios com renda inferior a metade do rendimento médio nacional (pobreza relativa).
- Reduzir drasticamente a violência contra as pessoas, especialmente mulheres e crianças.*
Objetivo 5: Alcançar Saúde e Bem-estar em Todas as Idades
Alcançar uma cobertura universal de saúde em todas as fases da vida, com especial incidência nos serviços primários de saúde, incluindo a saúde reprodutiva. Todos os países devem promover políticas para ajudar as pessoas a tomar decisões saudáveis e sustentáveis em relação à dieta, atividades físicas e outras dimensões individuais ou sociais de saúde.
Metas podem incluir:
- Assegurar o acesso universal aos cuidados de saúde primários, que incluem cuidados de saúde reprodutiva e planejamento familiar, além da prevenção e tratamento de doenças transmissíveis e não transmissíveis.
- Reduzir a mortalidade infantil a 20 ou menos mortes para cada 1000 nascimentos, a mortalidade materna a 40 ou menos mortes para cada 100.000 nascidos vivos e mortes de pessoas com menos de 70 anos de idade por doenças não transmissíveis (DNT) em pelo menos 30 por cento em comparação com o nível em 2015.
- Que os países relatem indicadores de bem-estar subjetivo e de capital social.*
Objetivo 6: Melhorar os sistemas de Agricultura e Aumentar Prosperidade Rural
Melhorar as práticas agrícolas e a infraestrutura rural a fim de aumentar a produtividade, reduzir os impactos ambientais, promover a prosperidade rural e garantir a resiliência às mudanças climáticas.
Metas podem incluir:
- Alcançar altos níveis de produtividade nos sistemas de produção de alimentos com baixas perdas pós-colheita e o uso sustentável da água, de nutrientes e energia.*
- Parar a conversão de florestas e zonas úmidas em áreas de agricultura, proteger os recursos do solo e garantir que os sistemas de cultivo sejam resilientes em relação aos extremos climáticos.*
- Acesso universal em áreas rurais aos serviços de infraestrutura básica (água, saneamento, energia moderna, transporte e comunicação móvel e banda larga).
Objetivo 7: Capacitação Inclusiva, Cidades Resilientes e Produtivas
Fazer com que todas as cidades sejam socialmente inclusivas, economicamente produtivas, ambientalmente sustentáveis e resilientes às mudanças climáticas e outros riscos. Desenvolver o governo participativo, responsável e eficaz das cidades para apoiar a transformação urbana rápida e igualitária.
Metas podem incluir:
- Fim da pobreza urbana extrema, expansão do emprego e da produtividade e elevação dos padrões de vida, principalmente em favelas.*
- Acesso universal a um ambiente construído de maneira segura e acessível e a serviços urbanos básicos: habitação, gestão dos recursos hídricos, saneamento e resíduos, assim como energia e transporte de baixo consumo de carbono e serviços de comunicação móvel de banda larga.
- Assegurar ar seguro e água de qualidade para todos e integrar as reduções de emissões de gases de efeito estufa. Assegurar a eficiência da terra e da utilização dos recursos, além da resistência às mudanças climática e a catástrofes seguindo normas e padrões.*
Objetivo 8: Frear a Mudança Climática Induzida pelo Homem e Garantir Energia Limpa para Todos
Reduzir as emissões de gases do efeito estufa por parte dos setores de energia, indústria, agricultura, meio ambiente construído e alteração no uso do solo para acabar com os perigos das alterações climáticas que crescem rapidamente, bem como promover o acesso à energia limpa para todos.
Metas podem incluir:
- Descarbonização do sistema energético para garantir energia limpa para todos, e melhorar a eficiência energética, com metas para 2020, 2030 e 2050.*
- Reduzir as emissões de gases do efeito estufa não relacionados à produção de energia por meio de melhorias nas práticas de agricultura, silvicultura e da indústria.*
- Adotar incentivos, incluindo o aumento da taxação sobre as emissões de gases de efeito estufa para conter as mudanças climáticas e promover a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento.*
Objetivo 9: Serviços Ambientais Seguros, Biodiversidade e Boa Gestão dos Recursos Naturais
Ecossistemas marinhos e terrestres, bem como os recursos naturais devem ser catalogados, gerenciados e monitorados para garantir a continuação da robustez dos sistemas de suporte de vida do planeta, e para apoiar o desenvolvimento econômico inclusivo.
Metas podem incluir:
- Assegurar ecossistemas robustos e produtivos (incluindo oceanos e mares, zonas costeiras, florestas, montanhas, terras secas, e áreas úmidas) por meio da adoção políticas que contornem as condutas que levam a mudanças no habitat e a perda de biodiversidade e que exijam dos indivíduos, empresas e governos o pagamento do custo social de sua poluição e uso de serviços ambientais.*
- Participar e apoiar acordos regionais e globais para catalogação, monitoramento e proteção dos biomas e ambientes comuns de importância regional e global (por
- Que todos os governos e as empresas se comprometam com a transparência na gestão das terras agrícolas, mineração e recursos de hidrocarbonetos para apoiar o desenvolvimento econômico inclusivo e para a realização de todos os ODS.*
Objetivo 10: Governança Transformadora para o Desenvolvimento Sustentável
O setor público, empresas e outras partes interessadas devem se comprometer com a transparência, responsabilização e um governo sem corrupção. As regras internacionais que regem as finanças Internacionais, comércio, comunicação corporativa, tecnologia e propriedade intelectual são feitas de acordo com a realização dos ODS. O financiamento da redução da pobreza e bens públicos globais, incluindo a mudança climática é reforçado com base em um conjunto formado por direitos e deveres globais.
Metas podem incluir:
- Que governos (nacionais e locais) e empresas se comprometam em fomentar os ODS e relatórios anuais, incluindo a avaliação independente de relatórios integrados para todas as grandes empresas a partir de, no mais tardar, 2020.*
- Finanças públicas nacionais e internacionais adequadas para acabar com a pobreza extrema, melhorar o fornecimento de bens globais públicos, a capacitação e a transferência de tecnologias, incluindo o repasse de 0,7 por cento do PNB para a AOD por parte todos os países de alta renda além de um adicional de US$ 100 bilhões por ano em financiamento oficial para o clima até 2020.
- Regras para o comércio internacional, finanças, tributação, contabilidade empresarial e para a propriedade intelectual serão reformadas para ser tornarem coerentes com a realização dos ODS.
Referências:
SDSN. Uma Agenda de Ação Para o Desenvolvimento Sustentável
Draft SDSN Report for Public Consultation
Kate Raworth. Um espaço seguro e justo para a humanidade. Podemos viver dentro de um “Donut”? Texto para Discussão, Oxfam, Fevereiro de 2012.
ALVES, JED. Fosso demográfico global: regiões com alto crescimento e com decrescimento populacional. Ecodebate, RJ, 18/01/2013. http://www.ecodebate.com.br/2013/01/18/fosso-demografico-global-regioes-com-alto-crescimento-e-com-decrescimento-populacional-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 07/06/2013
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