Campinas, 09 de junho de 2013 a 15 de junho de 2013 – ANO 2013 – Nº 564
A humanidade ainda não encontrou uma forma de produzir e consumir sem gerar resíduos. Assim, uma das maneiras de minimizar os impactos que os rejeitos, principalmente os de origem industrial, causam ao ambiente é desenvolver técnicas e processos para imobilizá-los ou estabilizá-los. Desde 1998, a equipe da professora Meuris Gurgel Carlos da Silva, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, tem se dedicado a essa tarefa. Nos estudos desenvolvidos nesse período, os pesquisadores têm utilizado materiais pouco convencionais, como algas e argila, para promover a remoção de contaminantes de efluentes. Na pesquisa mais recente, válida para a sua tese de doutoramento, a engenheira química Renata dos Santos Souza utilizou a lama vermelha, residual gerado pela produção de alumínio, para remover derivados de petróleo (benzeno, tolueno e xileno) de meios líquidos. Os resultados foram muito promissores.
A ideia de utilizar a lama vermelha para essa finalidade foi de Renata, que é natural do Estado do Pará, onde a produção de alumínio é uma atividade importante. “Nós não tínhamos um indicativo de que o material serviria para esse propósito, mas sabíamos que ele já havia sido testado para remover corantes, o que nos fornecia uma pista. A opção pelo benzeno, tolueno e xileno, que nós chamamos de BTX, é porque eles são os compostos mais tóxicos presentes nos derivados de petróleo e potencialmente cancerígenos”, explica a autora do trabalho. Ainda segundo a engenheira química, duas preocupações orientaram a pesquisa.
Ela explica que na região Norte é comum a presença de postos de abastecimentos flutuantes. Estes, a exemplo dos postos convencionais, também apresentam problemas de manutenção em seus tanques, que não raro resultam em vazamento de combustíveis para os recursos hídricos. Além disso, a lama vermelha, que é composta principalmente por ferro, sódio, alumínio, titânio e silício, é um resíduo poluente que pode contaminar o solo e, consequentemente, o lençol freático. Hoje em dia, ela é aproveitada basicamente para a produção de cerâmica. “O que o estudo pretendeu foi justamente dar uma destinação mais nobre para esse material, que é abundante e barato, bem como propor uma solução inovadora para fazer frente à contaminação dos recursos hídricos por compostos orgânicos”, detalha Renata.
Em sua investigação, a pesquisadora teve que cumprir diversas etapas. Primeiramente, ela promoveu a caracterização da lama vermelha. Dito de modo simplificado, Renata verificou o material internamente, para entender de forma pormenorizada as suas propriedades. “Esse trabalho foi feito tanto com a lama bruta quanto com a lama modificada por processos térmico e químico. A que foi submetida à ativação química não apresentou bons resultados, e nós a abandonamos. As demais, porém, demonstraram elevada capacidade de adsorção [retenção] dos compostos orgânicos”, relata a professora Meuris.
Em seguida, a autora da tese dopou tanto a lama vermelha bruta quanto a calcinada com os compostos considerados, de forma isolada. Ao analisar os materiais, Renata constatou que eles foram capazes de adsorver, em valores máximos, 99% do xileno, 85% do tolueno e 60% do benzeno, que apresenta uma molécula menor, e por isso mais difícil de ser retida. Depois, a pesquisadora fez o mesmo com misturas binárias dos compostos orgânicos. Os resultados foram somente 10% inferiores ao alcançado nos modelos anteriores. “De modo geral, o que pudemos constatar foi que a lama ativada termicamente apresenta um desempenho ligeiramente superior, mas não o suficiente para eliminar a possibilidade do uso da lama bruta, que também se comportou muito bem”, esclarece a docente.
Apesar de o estudo ter indicado que a lama vermelha tem potencial para ser empregada em métodos de remoção de compostos orgânicos de efluentes, a professora Meuris adverte que a técnica ainda não alcançou o ponto de aplicação. A partir de agora, ela e sua equipe realizarão outras investigações, de modo a aperfeiçoar a técnica. “O próximo passo é ampliar a escala. Ou seja, temos que sair da bancada e migrar para o estágio piloto. Ocorre que ampliar a escala não significa somente aumentar tamanho. Temos também que compreender melhor alguns parâmetros, principalmente a forma como ocorre a adsorção”, pormenoriza a orientadora do trabalho.
Após essa etapa, será preciso, ainda, averiguar como será o comportamento do material quando aplicado em condições reais, ou seja, no processo de descontaminação de um rio ou mesmo de uma faixa de mar. “Nesse caso, existem as correntes e o arrasto de materiais sólidos, que podem influenciar no desempenho da lama vermelha. São cenários que precisarão ser analisados. De todo modo, nós acreditamos que futuramente esse material poderá ser usado em barreiras reativas. Isso poderá ser feito tanto de forma preventiva, isto é, em locais onde haja risco de contaminação, quanto de forma emergencial, no caso de uma contaminação séria, como a verificada quando ocorre vazamento de óleo”, entende a professora Meuris.
AMPLA ABORDAGEM
As pesquisas conduzidas pela equipe da FEQ não se restringem ao desenvolvimento de produtos e processos voltados à descontaminação de efluentes. A abordagem vai além. De acordo com a professora Meuris, os estudos também têm a preocupação de dar solução adequada ao material empregado na adsorção, que fica contaminado. “Uma das alternativas é fazer a dessorção [retirada seletiva] desses contaminantes. Assim, dependendo do material, como é o caso da lama vermelha, ele pode ser aproveitado em um novo processo. Evidentemente, em algum momento ocorrerá a saturação e esse material não poderá mais ser reutilizado. Ainda assim, isso pode representar uma vantagem, pois os poluentes ficam confinados num sólido, o que permite um controle muito maior do que em um efluente”, pondera a docente.
Grosso modo, acrescenta a professora Meuris, o Brasil praticamente não faz o tratamento de resíduos. O que o país tem feito é a contenção. Ou seja, as soluções empregadas são na linha da imobilização e da estabilização, de modo a impedir que os materiais contaminantes reajam com o ambiente. “A lógica é a seguinte: se eu tenho uma tonelada de material contaminado com benzeno e eu consigo retirar esse composto orgânico, o que obtenho são, por hipótese, dez quilos de material contaminado. Com isso, eu preservo os outros 990 quilos. Em outras palavras, fica bem mais fácil pensar num tratamento efetivo quando eu consigo separar os contaminantes mais recalcitrantes”, diz.
Nesse sentido, prossegue a docente da FEQ, as pesquisas desenvolvidas pela sua equipe sempre procuram associar o aspecto científico à aplicação. Como dito no início desta reportagem, tal esforço compreende o uso de uma boa dose de criatividade, que se traduz, entre outros aspectos, na experimentação de materiais pouco comuns. Um dos focos atuais do grupo é a utilização da sericina [espécie de proteína gelatinosa] retirada do casulo do bicho-da-seda como adsorvente de metais nobres e tóxicos. “Por enquanto, a pesquisa ainda está em fase inicial. Todavia, é possível que cheguemos a bons resultados. No futuro, poderemos investigar este material para a incorporação de fármacos, visto que ele é considerado um biomaterial”.
Paralelamente, o grupo coordenado pela professora Meuris também investiga a capacidade de uma alga marinha de remover o cromo, metal utilizado no processo de galvanoplastia, de efluentes. “Os primeiros resultados são positivos, mas ainda temos alguns pontos a serem analisados. Caso possamos utilizar a alga para esse fim, isso resolveria outro problema. É que as prefeituras não sabem o que fazer com as algas que são lançadas às praias, morrem e causam mau cheiro”.
Publicação
Tese: “Avaliação da lama vermelha na remoção de derivados de petróleo – benzeno, tolueno e xileno (btx)”
Autora: Renata dos Santos Souza
Orientadora: Meuris Gurgel Carlos da Silva
Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ)
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