Por Clovis Oliveira, pesquisador do Instituto de Botânica de SP e ambientalista
Toda crise sempre é uma possibilidade de crescimento, e isso não é diferente em relação ao sistema de produção de alimentos. Os alimentos provenientes do sistema hegemônico da sociedade são pouco diversos em relação a biodiversidade vegetal, e também de baixa qualidade, devido principalmente ao excesso de aditivos e conservantes químicos utilizados pela indústria. Menos de dez corporações controlam mais de 80% do mercado mundial de alimentos industrializados. Além disso, atualmente o Brasil é campeão mundial no consumo de agrotóxicos, e este vertiginoso aumento é consequência, e diretamente proporcional, ao avanço dos organismos geneticamente modificados (OGMs), os chamados transgênicos. Em nosso país, são transgênicos a soja, o milho e o algodão (sendo liberados recentemente o feijão e os cítricos). Paradoxalmente, de forma dolosa ou culposa, os transgênicos foram propagados como a tecnologia que reduziria o uso dos pesticidas agrícolas.
Ao intensivo uso dos agrotóxicos, soma-se o manejo de solos nús, ou seja, as monoculturas representadas por cultivos únicos em grande escala, praticado pela imensa maioria no modelo tecnológico atual, e que derivam da “revolução verde”. Este “mal” manejo tem promovido a degradação dos recursos naturais, a exemplo da erosão dos solos e do assoreamento e contaminação dos córregos e rios com venenos agrícolas e adubos químicos, entre outros corpos d’água. Acrescenta-se ainda o aumento e intensificação da mecanização agrícola e a baixa remuneração dos trabalhadores rurais, fatos que criam condições para um forte êxodo rural, contribuindo com o inchaço dos grandes centros urbanos, principalmente nas periferias, muitas vezes em condições precárias, o que reforça a violência humana.
Nossas estruturas fundiária e política apresentam características que agravam este cenário e promovem concentração de terra e a renda, aumentando as desigualdades sociais. A agricultura, como tem sido pensada, tem também contribuído com a emissão de gases de efeitos estufa, devido à excessiva demanda por petróleo e adubos químicos nitrogenados. E se já não bastassem estas consequências indesejadas e danosas, o sistema não deu conta ou não se ocupou de sanar a fome no mundo. Hoje, estima-se que quase um bilhão de pessoas vivam situações de fome e insegurança alimentar. Recente relatório da FAO aponta que existem 165 milhões de crianças subnutridas e 2 bilhões de seres humanos com deficiências nutricionais.
Precisamos urgentemente pensar numa nova agenda que se baseie no enorme potencial da agroecologia para reconstruir os sistemas alimentares locais. Existe uma imprescindível necessidade de resgate de nossa ancestralidade e de reconexão do ser humano com a terra e com nosso planeta. Esta é uma característica que os agricultores, aqueles verdadeiros lavradores da terra, apresentam de maneira nata, pois realizam seu ofício inspirados no amor natural à terra. Cuidam não somente da terra e do solo, mas também do rio e da floresta, dos animais e do próprio ser humano.
A agricultura familiar, as associações e cooperativas de pequenos agricultores, a juventude dos campos e os novos rurais são espaços e redes ideais para construção de um novo paradigma em relação à produção de nosso alimento.
À juventude cabe a ousadia e coragem para a mudança. Nadar contra correnteza. A utopia nos apresenta os caminhos, nos quais os princípios da vida, da diversidade, da complexidade e da transformação estão presentes. E o direito à alimentação pode ser o catalizador dessa mudança, com a redução da pobreza e da miséria. Para isso, as políticas agrárias precisam ser mecanismos de proteção social, de fortalecimento comunitário, em processos verdadeiramente geradores de autonomia.
A agroecologia apresenta as ferramentas para esta nova relação com a terra. A produção sustentável, que preserva a base produtiva, os solos e as águas, além de potencializar a conservação da biodiversidade. A agroecologia tem custos de produção mais baixos por maximizar a utilização de recursos e insumos locais, como a produção de adubação verde, compostos e biofertilizantes. Apresenta também melhores oportunidades para a economia local e para uma alimentação saudável, livres de contaminantes e agrotóxicos.
Já os mercados locais oferecem o cenário perfeito para novas relações entre consumidores e produtores, com uma dinâmica ganha-ganha. Os consumidores ganham alimentos saudáveis e produtores ganham maior reconhecimento, inclusive financeiro, com remuneração que permita viver com dignidade e alegria. Amizade e confiança para todos. Aqui os agricultores e as agricultoras tornam-se também professores e educadores.
Neste ano, em que é celebrado o Ano Internacional da Agricultura Familiar, precisamos avançar rumo ao reposicionamento da agricultura familiar e da juventude rural no centro dos processos de envolvimento sustentável no campo. E dois passos são de extrema importância para iniciar este processo: políticas de acesso à terra e políticas de acesso às sementes, sobretudo da agrobiodiversidade, as chamadas sementes crioulas tradicionais. Pequenos agricultores, juventude rural, terra fértil e boas sementes, estas são as melhores oportunidades para um futuro melhor.
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