terça-feira, 13 de agosto de 2013

Formigueiros na Ilha do Cardoso têm até 12 rainhas por colônia

Espécie Odontomachus hastatus estabelece hierarquia entre as rainhas, adaptando-se às condições ecológicas locais (Unicamp)

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – O imaginário popular de que um formigueiro é composto por uma única rainha, que reina pacificamente sobre um exército de operárias, está longe da realidade das colônias da espécie Odontomachus hastatus.

Estudos realizados por pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demonstram que colônias dessa espécie de formiga podem ter mais de uma rainha, que, com a escassez de lugares adequados para fundar colônias, fazem alianças para garantir sua sobrevivência e formar o maior exército possível de operárias. Após consolidar a colônia, porém, elas estabelecem uma hierarquia, por meio de lutas ritualizadas, na qual uma se sagra a rainha-alfa e assume a tarefa de pôr a maior quantidade de ovos.

As rainhas perdedoras se tornam subalternas e, apesar de também serem fecundadas, são obrigadas a pôr menos ovos do que a rainha-alfa e a desempenhar a função de operárias.

“Quando pensamos em uma colônia de insetos sociais, como as formigas, que vivem em ninhos, é comum achar que se trata de uma organização harmônica, na qual há uma divisão bem definida de trabalho em que uma única rainha tem função reprodutiva. É contra nossa intuição imaginar que, em um formigueiro, existam alianças seguidas de conflitos nos quais uma formiga rainha bate na outra de forma ritualizada e a inibe de se reproduzir para se tornar a rainha-alfa, como pudemos observar durante a série de estudos”, disse Paulo Sérgio Oliveira, professor do IB e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.

Oliveira e seu grupo estudaram nos últimos anos diversos ninhos de formigas da espécie Odontomachus hastatus no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, litoral sul de São Paulo.

Uma das constatações feitas em coletas em campo para um estudo de mestrado, realizado com Bolsa da FAPESP, foi que a maior parte das colônias de formigas dessa espécie, existentes e analisadas no Parque Estadual da Ilha do Cardoso, tinha entre duas e 12 rainhas capazes de pôr ovos. A descoberta foi publicada no final de 2011 em um artigo na revista Insectes Sociaux.

Ao analisar estudos realizados em 2007 por pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Toulouse, na França, na Reserva Natural de Nourages, na Guiana Francesa, com a mesma espécie de formiga, os pesquisadores brasileiros observaram que os colegas franceses não encontraram nenhuma colônia do inseto com mais de uma rainha no país sul-americano.

A fim de tentar entender por que o comportamento e a formação de colônias de formigas de uma mesma espécie varia de um lugar para o outro, entre 2011 e 2012 os pesquisadores dos dois países realizaram uma pesquisa comparativa no âmbito de um acordo entre a FAPESP e o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, em francês) da França.

O estudo, que também é parte de um Auxílio à Pesquisa Regular da FAPESP, revelou que formigas da espécie Odontomachus hastatus adotam comportamentos e estratégias sociais adaptadas a diferentes circunstâncias ecológicas para assegurar sua sobrevivência.

“É raro observar um inseto social utilizando estratégias de comportamento variadas em dois lugares com circunstâncias ecológicas e geograficamente diferentes, como foi possível verificar por meio do projeto”, disse Oliveira.

Estratégias sociais

Uma das hipóteses levantadas pelos pesquisadores para explicar a diferença está na disponibilidade de lugares para os insetos fazerem ninhos. A mata de restinga do Parque Estadual da Ilha do Cardoso cresce sobre a areia e frequentemente alaga, pois o local registra mais chuvas durante o ano do que a Amazônia – com isso, as rainhas fecundadas fazem seus ninhos em raízes de bromélias fixadas no tronco das árvores. As bromélias mais utilizadas como ninhos são as que possuem um tufo de raízes com diâmetro superior a 30 centímetros, mais raras de serem encontradas na mata da Ilha do Cardoso.

A floresta equatorial amazônica da Reserva Natural de Nourages, no entanto, oferece muito mais locais para as formigas construírem suas colônias – como em palmeiras e outras árvores, troncos secos e até mesmo no solo da região.

Como o número de bromélias de tamanho adequado no Parque Estadual da Ilha do Cardoso é limitado, as formigas rainhas desenvolvem estratégias sociais – como as alianças para ninhos conjuntos – a fim de assegurar a sobrevivência de sua colônia.

Os pesquisadores estimam que as formigas da espécie Odontomachus hastatus podem adotar duas estratégias para formar suas colônias na Ilha do Cardoso.

Na primeira, rainhas fecundadas durante o voo nupcial no verão – quando formigas rainhas e machos virgens são liberados de seus ninhos para copularem – se juntam e ocupam simultaneamente uma mesma bromélia para começar a pôr ovos, passando a viver juntas em uma mesma colônia e cooperando na produção de operárias.

Na segunda estratégia, as rainhas-filhas, após serem fecundadas durante o voo nupcial, retornam para as colônias em que nasceram, onde são readotadas e passam a viver sob o mesmo teto, com uma nova configuração familiar.

Ambos os casos de aliança dão origem a um arranjo familiar chamado poliginia – quando uma colônia de formigas possui mais de uma rainha fecundada e pondo ovos.

“Como encontrar uma bromélia desocupada de tamanho apropriado para formar ninhos é algo difícil na Ilha do Cardoso, deve haver uma pressão para as formigas fundarem colônias juntas ou, no caso das rainhas-filhas, voltarem para casa após serem fecundadas”, avaliou Oliveira. “Mas ainda não sabemos se as formigas Odontomachus hastatus adotam apenas uma ou as duas hipóteses de estratégias para formar suas colônias em bromélias na Ilha do Cardoso.”

Foram marcadas cerca de 170 colônias na Ilha do Cardoso e na Guiana Francesa. Por meio de análises genéticas de rainhas fecundadas de cerca de 40 colônias marcadas, realizadas atualmente na França, os pesquisadores pretendem verificar a existência de parentesco entre elas.

“Se o resultado dos testes for positivo, isso pode indicar que rainhas-filhas fecundadas são readotadas pelas rainhas-mãe. Caso negativo, a hipótese mais provável é que várias rainhas se juntem para fundar uma colônia sem que, necessariamente, sejam aparentadas, mas apenas para fazer uma aliança temporária”, disse Oliveira.

Vantagens da associação

Segundo o professor do IB-Unicamp, uma das vantagens de as formigas rainhas da espécie Odontomachus hastatus se associarem para fundar colônias é conseguir formar mais rapidamente grandes exércitos de operárias para protegê-las e garantir a sobrevivência do formigueiro, uma vez que há mais rainhas pondo ovos.

Já no caso das rainhas-filhas, é muito menos arriscado voltar para casa após serem fecundadas do que tentar fundar uma nova colônia. Além disso, nas duas situações, no caso da morte da rainha-alfa, as rainhas subalternas, que estão na linha de sucessão do reino, podem ocupar o trono.

“A permanência em um ninho onde já há várias outras rainhas dá a uma rainha fecundada tanto a chance de, eventualmente, por ovos, como, no futuro, alcançar o topo da hierarquia e se tornar a rainha-alfa”, explicou Oliveira.

Para conquistar o posto de rainha-alfa, no entanto, as candidatas têm de se impor na base da força. Por meio de lutas ritualizadas, nas quais utilizam as antenas e as mandíbulas para duelar, as rainhas fecundadas estabelecem uma hierarquia na qual a vencedora assume o topo e vira a principal responsável pela colocação de ovos na colônia. Por sua vez, as rainhas que apanharam mais, e perderam as lutas, têm o desenvolvimento ovariano inibido, colocam menos ovos e acabam trabalhando como operárias.

“É uma situação parecida com o que ocorre em um bando de gorilas, no qual um deles assume o papel de macho-alfa também por meio de lutas ritualizadas e impede os membros abaixo da hierarquia de fecundar as fêmeas”, comparou Oliveira.

De acordo com o pesquisador, as colônias de formigas Odontomachus hastatus chegam a ter até 12 rainhas e cerca de 600 operárias, que medem 1,5 centímetro. Quanto maior o tufo de raízes de bromélias, maior o tamanho das colônias.

Além das formigas Odontomachus hastatus, no entanto, várias outras espécies do inseto podem ter colônias com mais de uma rainha. Algumas delas também fundam colônias juntas, mas, em vez de estabelecer uma hierarquia após desenvolver o formigueiro, uma atinge o posto de rainha-alfa e elimina as concorrentes, afirma o pesquisador.

“Tendemos a olhar a natureza e simplificar a organização de insetos sociais, como as formigas, que podem ter muitas formas de comportamento e estratégias sociais de adaptação e sobrevivência. Ao estudar esses padrões de comportamento, começamos a entender como é a organização social de insetos que, obrigatoriamente, vivem juntos e sobre os quais ainda há várias características que ainda não sabemos”, disse Oliveira. 

Data: 13/08/2013
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