Editor da Nature e dirigente da Royal Society discutem na FAPESP desafios e limites da abertura de dados científicos
Bruno de Pierro | Edição 205 - Março de 2013
Philip Campbell, editor-chefe da revista Nature
© LÉO RAMOS
“A abertura de dados por si só não tem valor, pois uma ciência aberta é mais do que a simples disponibilização de dados científicos.” A avaliação é do físico inglês Philip Campbell, editor-chefe da revista Nature, uma das mais prestigiosas publicações científicas do mundo. De passagem por São Paulo, Campbell participou do encontro Science as an Open Enterprise: Open Data for Open Science, realizado no dia 25 de fevereiro na FAPESP, onde, diante de um auditório lotado, falou sobre os desafios e transformações do acesso aberto a dados científicos. Durante o evento o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, tratou das perspectivas da abertura científica no Brasil. O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, José Arana Varela, e o secretário de Relações Exteriores da Royal Society, Martyn Poliakoff, participaram como mediadores.
As discussões giraram em torno de um relatório divulgado em junho de 2012 pela Royal Society. Nele, a mais antiga sociedade científica do mundo destaca a necessidade de lidar com a abertura de dados científicos, que estão disponíveis numa quantidade cada vez maior, mas cujo conteúdo nem sempre é inteligível ou de interesse dos pesquisadores. “Rápidas mudanças tecnológicas criaram novas formas de aquisição, armazenamento, manipulação e transmissão de conjuntos de dados que estimulam novos modos de comunicação e colaboração”, disse Poliakoff. O estudo foi motivado por uma polêmica em 2009, no Reino Unido, envolvendo e-mails enviados por climatologistas, que foram hackeados e publicados. As mensagens sugeriam que um cientista tentara esconder dados desfavoráveis à evidência de que o planeta está aquecendo. Uma investigação descartou a hipótese de falsificação, mas o caso provocou debates sobre a necessidade de uma ciência mais aberta.
Campbell explicou que os dados científicos não devem ser apenas acessíveis, mas precisam ser tratados para que se tornem compreensíveis e reutilizáveis. Entre as razões que fazem da abertura de dados um tema inadiável, o físico destacou o potencial para aumentar a confiança na ciência, por meio da replicação e da reprodutibilidade dos dados de pesquisa. Isso, segundo ele, pode aumentar as chances de combate a fraudes no mundo acadêmico e ampliar a participação pública na ciência.
Um exemplo de colaboração pública é apresentado no relatório da Royal Society. Em 2011, um surto de infecção intestinal causado pela Escherichia coli surgiu na Alemanha e se espalhou pela Europa, afetando cerca de 400 mil pessoas. Os médicos de Hamburgo não conseguiam encontrar uma solução, pois, à primeira vista, a bactéria era semelhante à de outras cepas. O problema só foi resolvido depois que os dados sobre o genoma da cepa de E. coli foram abertos e publicados num site, ao alcance de qualquer pesquisador. Pouco tempo depois, aproximadamente 200 relatórios científicos foram publicados, indicando o que poderia ser feito para barrar a epidemia.
De acordo com o representante da Royal Society, Martyn Poliakoff, “a informação hoje em dia determina como os cientistas precisam se adaptar às mudanças tecnológicas, sociais e políticas, com profundas implicações na maneira como a ciência é conduzida e comunicada”. O químico também falou sobre uma iniciativa da qual faz parte, o PeriodicVideos (www.periodicvideos.com), que disponibiliza vídeos divertidos de divulgação científica. O projeto começou em 2008, a partir de parceria entre a Universidade de Nottingham e a BBC de Londres.
Martyn Poliakoff, secretário de Relações Exteriores da Royal Society
© LÉO RAMOS
Três modelos
Além da publicação dos dados gerados pelas pesquisas, outro assunto discutido durante o encontro foi a ampliação das ferramentas utilizadas para disponibilizar, integralmente, os papers publicados em periódicos científicos. Campbell lembrou que existem hoje três modelos para a publicação aberta de artigos: um que disponibiliza o paper livremente, dentro de um período máximo que varia de 6 ou 12 meses após a publicação; outro, em que o paper pode ser acessado a partir do momento da publicação; e, por fim, uma versão híbrida, que disponibiliza apenas uma parte de seu conteúdo livremente, se o autor do artigo pagar uma taxa pela divulgação imediata. Questionado sobre os efeitos que a abertura de dados pode causar na comunicação científica e, particularmente, no jornalismo de informação científica, Campbell disse não acreditar que a abertura vá necessariamente melhorar o processo de comunicação. Segundo ele, não importa se os artigos estão abertos ou só são disponibilizados mediante pagamento de uma taxa, pois os bons periódicos sempre terão que avaliar seus resultados e publicar os melhores. O que pode acontecer, disse, é que, em um periódico que disponibiliza o conteúdo aberto, o feedback pode ser mais rápido, por meio de correções ou comentários após a publicação. Isso pode trazer algum melhoramento para o paper. “O conteúdo livremente aberto pode ser um pouco melhor nesse sentido [em comparação com aquele que é aberto após o pagamento de uma taxa]”, afirmou.
O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, lembrou que a discussão em torno de dados abertos não é completamente nova no país e citou bancos de dados brasileiros disponíveis na internet. Mencionou as informações abertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que disponibiliza informações acadêmicas de mais de 174 mil pesquisadores. Brito Cruz também destacou a biblioteca virtual SciELO, da FAPESP, que garante acesso aberto a 270 periódicos nacionais e recebe cerca de 1 milhão de acessos diários. “É um importante mecanismo que contribui para o aumento da visibilidade da ciência brasileira no mundo”, disse. Outro avanço importante foi o acordo firmado há dois anos para a criação de um repositório de todos os artigos vinculados a pesquisas que receberam financiamento da FAPESP, que serão disponibilizados respeitando as normas da revista científica que publicou cada paper. O repositório deve ficar pronto até o final do segundo semestre deste ano.
Em relação ao Brasil, Philip Campbell disse que não está familiarizado com a nova agenda científica, mas reconhece esforços que o país tem feito para se posicionar internacionalmente. Como exemplo citou o apoio da FAPESP a projetos de pesquisa que ligam cientistas e empresas. “Creio que esse é um valioso tipo de financiamento, além da ampliação da relação entre a universidade e a indústria.”
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