Está cada vez mais difícil a atividade extrativista do jaborandi no Maranhão, uma planta largamente usada na medicina cuja coleta serve como fonte de renda complementar de camponeses e indígenas.
AGÊNCIA PRODETEC – São Luís – Dez.2012
(Agência Prodetec) – Está cada vez mais difícil a atividade extrativista do jaborandi no Maranhão, uma planta largamente usada na medicina cuja coleta serve como fonte de renda complementar de camponeses e indígenas. A dificuldade está associada à devastação do meio ambiente no interior do Estado e à forma de organização da produção feita pela indústria farmacêutica.
No primeiro caso, a ação governamental contribiu muito para tanto ao direcionar apoio maciço a atividades predatórias do habitat do jaborandi (pecuária de corte, extraçao de madeira e produção de carvão). No segundo, o monopólio da multinacional Merck, que atua tanto na produção quanto na comercialização e industrialização do produto, também trouxe prejuízos para o extrativista.
A situação se agravou também pela inexistência de uma política pública para os camponeses envolvidos na atividade, diz um estudo realizado pelo economista Benjamim Alvino de Mesquita, da Universidade Federal do Maranhão.
O jaborandi é usado há muito tempo por índios e caboclos. Planta originária da América do Sul, no Maranhão ela se reproduz com facilidade em quase todas regiões do estado. De todas as espécies e variedades, a "Pilocarpus pennatifolius" ou "jaborandi do norte" é a de comercialização predominante. De suas folhas estreitas e alongadas são extraídas importantes drogas farmacêuticas dentre as quais a mais cobiçada é a pilocarpina, um líquido oleoso do qual se pode obter cristais salinos, principal componente para o tratamento do glaucoma. Embora sua utilização hoje seja concentrada nos colírios oftamológicos, sabe-se que a industria de cosméticos a cada dia mais se interessa também pela planta.
Mais lembrança do que lucro em 60 anos de exploração
O interesse econômico pelo jaborandi no Maranhão começou nos anos cinquenta, principalmente no Norte e Leste do Estado, a partir da demanda de compradores oriundos de Parnaíba (PI) e o interesse dos pequenos produtores extrativistas. Nos anos oitenta outras áreas e agentes sociais como os guajajaras, indígenas dos vales do Mearim e Pindaré, no centro-oeste do Estado, passaram também a ser fornecedores do produto. Mais tarde, na década de 90, a atividade se transformou radicalmente como a entrada da Merck como produtora em larga escala da folha, em cultivos comerciais.
Durante muito tempo as regiões do Alto Munim e Baixo Pamaíba foram os principais polos de produção do jaborandi do Maranhão, beneficiando-se da proximidade de Parnaíba, onde ficavam as principais empresas exportadoras, e da existência de muita mata virgem, explica Benjamim Alvino, que é professor do curso de Economia, da UFMA.
Enretanto, em poucos anos essas condições foram alteradas. A concorrência entre as empresas quase desapareceu e a oferta do produto caiu por causa de dois fatores prncipais: a devastação das matas e o corte das plantas mães por um produtor desinformado quanto à sua coleta adequada.
Hoje, o camponês dessa parte do território maranhense tem mais lembrança que lucro com a atividade que lhe rendia alguns trocados até o início de 80 quando se deslocou para os vales do Mearim e Pindaré e o leste do Pará.
Papel do camponês
Entre 1950/90 toda a oferta do jaborandi nativo provinha única e exclusivamente de áreas de agricultura camponesa. Os pequenos produtores familiares executavam a extração associada a outras atividades, como produção de alimentos básicos e cóleta do babaçu, a sua principal fonte de renda.
O cultivo da planta em escala comercial pela Merck somente ocorreria no início dos anos noventa, embora os experimentos para domínio da tecnologia de produção em grande escala remontem às décadas de setenta, na Ilha de São Luis, e oitenta, no município de Santa Luzia.
A entrada do capital industrial no campo, somada à destruição do habitat natural do jaborandi, aumentou a precariedade dos trabalhadores extrativistas e as dificuldades dos comerciantes do produto até então hegemônicos na região. E acabou determinando uma transformação radical no setor extrativista, na medida em que somente parte da matéria-prima – agora produzida também em moldes capitalistas e em grande escala -- continua a cargo de camponeses, principalmente porque a qualidade do jaborandi coletado por eles é superior ao produzido pela empresa.
Extrativismo e agricultura familiar
De acordo com o pesquisador maranhense, o extrativismo vegetal está umbilicalmente vinculado à história do Maranhão e à sua economia. Durante longo tempo de sua ocupação por indígenas, colonos e jesuitas a atividade garantiu excedentes monetários a partir da exportação formal ou do contrabando de produtos como canela, salsa parrilha, cacau e frutos silvestres, muito demandados pelo mercado consumidor europeu.
Tendo como intermediário e organizador as missões jesuítas espalhadas pelo Estado, os produtos eram coletados pelos índios evangelizados, concentrados em entrepostos, embalados e enviados à Europa, sem qualquer controle alfandegário por parte da coroa portuguesa. Isso teria sido o estopim da decisão do Marques de Pombal de expulsar os jesuítas do Maranhão, acusando-os de escravizar os índios.
Mesmo com o advento da agricultura comercial (algodão, arroz, açúcar), a pequena agricultura (agregados, autônomos, escravos e ex-escravos, entre outros), teve papel relevante no abastecimento interno da colônia, complementando a renda com o extrativismo, a caça e pesca.
No final do século XIX com a decadência do algodão e da cana-de-açúcar, esse papel da pequena produção familiar na economia estadual tomou impulso com o arroz e o extrativismo do babaçu e jaborandi, cuja exportação, iniciada ao alvorecer do século XX, ganhou expressão após II Guerra e atingiu o auge nos anos setenta. Nesse fase, os grandes atores do processo são os migrantes nordestinos, especialmente piauienses e cearenses.
Grupos sociais e desarticulação do extrativismo
Pelos dados do IBGE (1995), o extrativismo no Maranhão ocupava 134 mil pessoas contra 173 mil, em 1980.
No caso esepcífico do jaborandi, o IBGE não faz essa contagem sabendo-se, entrentanto, que a atividade envolve os produtores familiares com menos de 50 hectares, posseiros, arrendatários e parceiros, em particular as mulheres. O trabalho tem expressividade em poucas microrregiões e municípios do estado, principalmente os localizados no nordeste e centro do Estado, mas o produto também ocorre na parte ocidental do Maranhão. Os principais municípios produtores são Morros, Santa Quitéría, Mata Roma, Santa Luzia, Grajau, Barra do Corda, São Benedito do Rio Preto, Nina Rodrigues, Anapurus.
A atividade concentra-se no período agosto/dezembro, cabendo à mulher a função de pricipal coletadora, assim como ocorre em relação ao babaçu entre julho e fevereiro.
Fatores responsáveis pela desarticulação da atividade
O professor Benjamim e outros pesquisadores da UFMA elencam alguns dos fatores que desaguaram na desarticuação do extrativismo no Estado:
O apoio governamental direcionado para atrair o grande capital descompromissado com a comunidade local e amplamente desfavorável ao meio ambiente, na medida que não se preocupa com a resultante de sua ação no plano de conservação dos ecossistemas onde se instalam;
A omissão no acompanhamento das ações de tais empreendimentos frente ao perfil econômico/social dos grupos sociais que subsistem naquela área.
A quase ausência de uma política pública para estes segmentos sociais, que sobrevivem da agricultura familiar e do extrativismo, é a razão do estado em que hoje se encontram tais trabalhadores.
Elencam também possíveis saídas para a manutenção da atividade na sua forma original, diretamente relacionada a diversos fatores.
a) Apoio sistemático aos grupos sociais em para que possam permanecer na aíividade e explorá-la corretamente.
b) Adoção de um política de preservação do habitat onde a planta se multiplica, evitando a extinção do mesmo. Ou seja, floresta primária em abundância e conservação do cerrado.
c) Políticas públicas que reflitam exatamente o oposto das adotadas pelos governos federal e estadual que previlegiaram o grande capital com crédito rural e incentivos fiscais em atividades (pecuária, madeira) que avançaram sobre áreas de produção de alimentos e extrativismo, destruindo imensas áreas de matas virgens de uso por parte de diferentes segmentos sociais que sobreviviam da roça e do extrativismo.
No rastro do Programa Grande Carajás nos estados do Pará e Maranhão, as usinas de ferro-gusa deram uma grande contribuição nesse sentido. Inicialmente, consumiam resíduo de madeira de serrarias e de projetos pecuários. Depois, começaram a avançar sobre matas nativas em diferentes locais, sem qualquer controle de parte dos órgãos físcalizadores, o que resultou prejuízos significativos.
Nas microrregiões do Baixo Parnaiba e Chapadinha, por exemplo, áreas tradicionais do jaborandi, as empresas guseiras promoveram uma política de terra arrasada com repercussões variadas: a) ecossistemas inteiros (como o do cerrado) e a infraestrutura de estradas foram e continuam sendo rapidamente liquidados; b) mal desempenho da agricultura familiar e do extratívismo, já que boa parte dos homens (inclusive crianças) são atraídos para a produção de carvão; c) violação de direitos trabalhistas por parte de empreiteiros inescrupulosos que contratam os peões para a produção de carvão.
Para saber mais acesse o estudo sobre jaborandi na secção 'Prosa e Verbo'http://www.agenciaprodetec.com.br/prosa-a-verbo/305-a-extracao-do-jaborandi-por-camponeses-e-as-plantacoes-organizadas-pela-industria-farmaceutica.html.
Link:
Nenhum comentário:
Postar um comentário