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abril 05, 2013
Wilson Roberto Vieira Ferreira
Ele criou um conceito que mudaria radicalmente a sociabilidade e a percepção humana contemporânea. Inspirado em planejamento socialista e nas memórias dos espaços de convivência europeus com seus cafés e comércio de rua, um imigrante vienense foragido do nazismo cria nos EUA os primeiros Shopping Malls na década de 1940. Ele acreditava que seria a solução para a democracia americana em meio à alienação e solidão criadas pela expansão econômica pós-guerra. O arquiteto Victor Gruen mais tarde renegaria publicamente sua invenção ao vê-la convertida em “máquinas subliminares de venda”. Mas o seu nome acabou sendo associado ao principal efeito psicológico que o design arquitetônico dos centros comerciais criaria na mente dos consumidores: o chamado “Efeito Gruen Transfer”. Esse é o tema do documentário alemão “Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall” (2012).
Ele definitivamente associou o automóvel ao consumo e alterou drasticamente o horizonte urbano das grandes cidades do mundo. Inventou o conceito de Shopping Mall (centros comerciais) cuja arquitetura acabou involuntariamente produzindo um efeito que os pesquisadores em comunicação subliminar chamam de “Gruen Transfer”: no momento em que os consumidores entram em um shopping são envolvidos por um layout arquitetônico intencionalmente confuso, fazendo-os esquecerem das suas intenções iniciais e tornando-os vulneráveis ao bombardeio sensoriais de sons, aromas e luzes – veja RUSHKOFF, Douglas. Coerction, N. York: 2000 e HOWARD, Martin. We Know What You Want. N. YorK: Desinformation, 2005.
O termo “Gruen Transfer” refere-se ao arquiteto austríaco Victor Gruen que, sem perceber, criou conceitos que mudariam radicalmente o desenvolvimento urbano do planeta. Um imigrante europeu que de forma dramática fugiu de uma Viena controlada pelos nazistas em 1938 e que, nos EUA em plena expansão da sociedade de consumo pós-guerra e paradoxalmente inspirado no planejamento socialista e de suas memórias sobre os espaços comunais dos cafés e lojas de ruas europeias, criou os primeiros shopping centers na década de 1940.
Décadas depois, retornando a Europa, renegou publicamente tudo o que havia criado ao tomar conta das nefastas consequências dos Shopping Malls no espaço público atual. Ele acusou as empresas de terem “sequestrado” seu conceito e tornado os shopping malls em “máquinas subliminares de venda”. Então, Gruen passou a se interessar por ecologia, concentrou sua atenção na ideia de “cidades auto-sustentadas” e tornou-se um ativista do movimento anti-nuclear.
O documentário “Gruen Effect”
O documentário alemão “The Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall” (veja o documentário abaixo) dirigido por Katharina Weingartner e Anette Baldaulf narra essa história concentrando-se em três polêmicas questões que envolvem a criação desses verdadeiros templos de consumo para um espaço público motorizado: primeiro, os shopping malls estimularam o crescimento dos subúrbios e condomínios voltados exclusivamente para uma nova classe média motorizada, enquanto as regiões centrais e os espaços públicos de convivência se deterioravam econômica e socialmente; segundo, os problemas de um espaço público ser absorvido pelos investimentos privados nos Shopping Malls; e, no final, o efeito “Gruen Transfer”, o sintoma dessa deterioração dos espaços de convivência convertidos em verdadeiras armadilhas para o estímulo ao consumo impulsivo.
Gruen iniciou sua carreira como designer de lojas de varejo nos anos 1940. Incansavelmente pregou o evangelho de que o poder econômico era inerente ao bom design para os lojistas americanos da Quinta Avenida em Nova York. Sua reputação cresceu assim como suas ambições.
Nessa década os centros das cidades americanas enfrentavam gigantescos congestionamentos em meio à explosão do número de lojas e comércios. Resposta de Gruen: construir de forma abrangente centros comerciais planejados, com abundantes estacionamentos para os automóveis.
A panaceia de Gruen via no shopping mall a solução para a expansão americana e a salvação da democracia dos efeitos alienantes do crescimento econômico: livres dos carros, as pessoas desfrutariam da experiência da compra, transformando-a em uma atmosfera agradável para a socialização e atividades comunitárias. Gruen via no shopping mall o remédio para a alienação e isolamento nos subúrbios americanos.
Ironicamente, o conceito dos centros comerciais de Gruen se inspirava nas suas memórias dos espaços de convivência de Viena com seus cafés e comércio de rua. O shopping mall seria então uma versão limpa, fantasiosa e controlada das velhas cidades europeias.
No entanto, os centros comerciais acabaram criando menos uma visão comunitária do que um ambiente controlado por interesses privados que viam no intrincado design de corredores, escadas e sucessivos níveis um ambiente propício para a manipulação dos estímulos e percepções de consumo. A utopia de Gruen, na verdade, estava totalmente inconsciente da contradição existente entre a democracia e o controle social em espaços privados.
Ironicamente, a certa altura do documentário “Gruen Effect”, enquanto vemos um arquiteto sendo entrevistado no interior de um shopping norte-americano, um segurança se aproxima e alerta sobre a proibição da presença de câmeras fotográficas ou de vídeo naquele local por ser ali “um espaço privado”.
O efeito “Gruen Transfer”
O documentário aborda muito rapidamente o chamado “efeito Gruen Transfer”, preferindo concentrar-se mais nas questões urbanísticas e sociais dos shopping malls. Como afirmam os entrevistados no documentário, esse efeito consiste em uma tática proposital de fazer o consumidor perder as noções temporais e espaciais ao entrar nas intrincadas e confusas estruturas dos centros comerciais.
Os principais sintomas desse efeito seriam o passo lento, bocas abertas
Em seus primeiros projetos, Gruen acreditava que os Shopping Malls criariam socialização e espírito comunitário (principalmente diante de vitrinas com algumas variações – lamber os beiços, morder os lábios ou roer unhas, numa indicação da compulsão oral psíquica que envolve a compra impulsiva) e olhos arregalados. A ausência de relógios nos espaços “públicos”, a ausência de luz natural (a não ser filtrada por vidros fumê ou espelhados), desenhos barrocos ou geométricos nos pisos e a profusão de aromas variados provenientes de cada loja além da música ambiente (muitas vezes especialmente compostas por empresas de “design de áudio” e de estratégias multi-sensoriais de gestão de marcas como a norte-americana Muzak LLC), criam uma espécie de estado de afasia, algo como um “Jet lag” que criariacondições propícias para baixar todas as defesas racionais do consumidor.
Dislexia da percepção
Esse estado mental lembra bastante o conceito de “picnolepsia”, um estado de “dislexia da percepção” criada em ambientes dromosféricos (do grego “drómos”, corrida) segundo o urbanista e pensador francês Paul Virilio. Para ele, o avanço das tecnologias velozes (do automóvel até as audiovisuais, eletrônicas, informáticas e telemáticas) onde a velocidade extrema (de percepção e deslocamento) criariam espaços “estáticos” em circuito fechado onde corremos em círculo, ficando num estado de torpor e suspensão que nos traria euforia e dependência. A velocidade em estado puro, desprezando-se a finalidade e sentido: não quero ficar onde estou e nem chegar a lugar algum. Apenas acelerar.
Das highways norte-americanas, onde automóveis aceleram sem limite de velocidade em circuito-fechado, aos shopping malls, temos o design dromológico perfeito: os consumidores se movimentam em circuito‑fechado pelos corredores. No seu interior o indivíduo perde os referenciais de tempo/espaço ‑ horas, se é dia ou noite, onde deixou o carro estacionado, em que piso se encontra ‑, tornando‑se presa fácil para o bombardeio ininterrupto de estímulos luminosos e sonoros. Perdido em corredores em circuito-fechado e sucessivos níveis idênticos, a única referência de localização são as próprias marcas expostas nas lojas, o que fecha o ciclo-vicioso.
Isso produziria o estado “picnoléptico”:
"Recentes trabalhos sobre a dislexia estabelecem estreita relação entre o estado de visão do sujeito e a linguagem e a leitura. Eles constatam com frequência um enfraquecimento da visão central (foveal), alvo das sensações mais agudas, em benefício de uma visão periférica mais ou menos perplexa. Dissociação da visão onde o heterogêneo sucede o homogêneo que faz com que, assim como no estado de narcose, as séries de impressões visuais não tenham significação, não pareçam que são nossas, elas simplesmente existem, como se a velocidade da luz tivesse tomado conta desta vez da totalidade da mensagem” (VIRILIO, Paul. A Máquina de Visão. R. de Janeiro: José Olympio, 1994. P. 24).
Além de produzir um estado ideal de vulnerabilidade aos impulsos de consumo, essa visão periférica produziria um empobrecimento da experiência. Pegue, por exemplo, o caso do jovem que nomeia qualquer experiência que tenha tido como "legal". Relatando a um colega o que tinha feito num shopping center, ele chama como "legal" três experiências qualitativamente diferentes: ir ao cinema, comprar uma roupa e, mais tarde, ter "ficado" com uma garota. As experiências não conseguem ser nomeadas nas suas diferenças e valores. Com uma percepção periférica, as três experiências são niveladas a um denominador comum. A questão aqui não é meramente de "pobreza de vocabulário", mas uma dislexia da percepção: imagens não conseguem expressar‑se por palavras porque a realidade percebida já está periférica, transformada numa tábula rasa.
Por isso, vale a pena conhecer a trajetória paradoxal do inventor dos shopping centers, estruturas tão atuais e capazes de moldar a nossa percepção e sociabilidade. Por que as ideias tão altruístas de Victor Gruen se perverteram em “máquinas de venda”? Como um imigrante em um país estranho como os EUA, Gruen foi ingênuo? Ou como afirma Sthephanie Dyer, “um hipócrita dentro do sonho americano”?
Ficha Técnica
Título: “Gruen Effect: Victor Gruen and the Shopping Mall (Der Erfinder der Shopping Mall - Der Gruen Effect)
Diretor: Katharina Weingartner e Anette Baldauf
Roteiro: Katharina Weingartner e Anette Baldauf
Produção: Wailand Filmproduktion e ORF
Distribuição: Pooldoks
Ano: 2012
País: Alemanha
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