sexta-feira, 5 de julho de 2013

Assentamento em Minas inicia transição do café convencional ao orgânico

O assentamento Primeiro do Sul, localizado no município de Campo do Meio (MG), foi resultado de uma ocupação do MST em novembro de 1996. Um ano depois, a área foi desapropriada.

São 40 famílias assentadas, em uma área de 887 hectares.

Cada família tem em média 14 hectares de terra para cultivar.

A produção é bem diversificada, com as famílias produzindo café, feijão, milho, banana, frutas, leite, gado de corte.

Mas a principal atividade econômica é a cultura do café, por se tratar de um cultivo predominante na região. E no último período, as famílias iniciam um projeto de transição do cultivo do café convencional para o orgânico.

Segundo Roberto Carlos do Nascimento, do setor de produção do MST e membro da diretoria da cooperativa do assentamento, o café orgânico dará ao produtor independência econômica e um produto de maior qualidade.

“O produtor, na lógica de produção do café convencional, acaba trabalhando para a indústria e não tendo retorno nenhum. O cultivo de orgânicos possibilita a ele produzir a própria matéria-prima para atuar na adubação do café. Isso faz com que o capital dele gire em sua propriedade, sem depender da indústria externa”.

Confira a entrevista de Roberto Carlos para a página do MST sobre a produção de café do assentamento Primeiro do Sul:

Quantas sacas de café o assentamento Primeiro do Sul produz?

Este ano a produção está estimada em 2500 sacas de café. Temos em torno de 500 mil plantas de café plantadas, com diferentes idades, e acreditamos que daqui há dois, três anos estaremos colhendo de 3500 a 4 mil sacas de café.

Há alguma dificuldade na comercialização do café?

O café não tem dificuldade para ser comercializado. Você produziu, vende. A dificuldade que enfrentamos está no preço, porque é o mercado que determina o valor da saca, não o produtor. Mas independente do preço sempre tem um comprador.

Quem compra as sacas do assentamento?

Comercializamos nas cooperativas regionais. Ainda não temos nossa estrutura para comercializar toda nossa produção. Uma pequena parte do nosso café nós conseguimos torrar, empacotar, moer e comercializar, mas é uma porcentagem muito baixa se comparado à nossa produção geral.

Há planos para desenvolver o assentamento?

Estamos criando uma cooperativa camponesa na região. O processo de regulação dela está na junta comercial para aprovação do estatuto e ata. Dentro de dois meses teremos o CNPJ e a documentação em dia, para na prática começar a implementar as propostas.

Também participamos de um pré-projeto do Terra Forte (programa do governo que vai investir R$ 600 milhões em projetos de agroindústria para assentamentos da Reforma Agrária).Temos outro projeto na questão da industrialização do café, como montar um torrefação, que já há uma possibilidade bem real de sair em parceria com o Incra, com objetivo de podermos empacotar, moer e comercializar pelo menos 35% da nossa produção.

Por que o assentamento decidiu iniciar a produção de café orgânico?

Para ter um produto de melhor qualidade, tanto para as famílias que trabalham quanto para os consumidores, pois o orgânico reflete na questão da saúde de todos. Além disso, os insumos industrializados comprometem muito o resultado da produção do agricultor.

O produtor, na lógica de produção do café convencional, acaba trabalhando para a indústria e não tendo retorno nenhum. O cultivo de orgânicos possibilita a ele produzir a própria matéria-prima para atuar na adubação do café. Isso faz com que o capital dele gire em sua propriedade, sem depender da indústria externa.

Qual o lucro que os produtores obtêm do cultivo convencional do café?

No preço que está hoje para produzir, o produtor não tem lucro. A saca de café na região custa em torno de R$ 300,00. Nesse valor o que o produtor ganha está praticamente empatando o custo de produção dele.

E que vantagens econômicas o café orgânico oferece?

Tem uma cooperativa na nossa região que exporta o café orgânico, e vende a saca 50% mais caro que o convencional. Eles exportam a saca do café a R$450, e recebem outros benefícios por fazer parte do comércio solidário. O café orgânico exige mais mão de obra para desenvolver. Nesse sentido é importante que ele seja desenvolvido na agricultura familiar, já que há essa disponibilidade de força de trabalho.

Como essa transição está sendo feita?

Conseguimos um projeto com o CNPQ de transição de 21 famílias que vai durar dois anos. A partir desses trabalhos assistidos, vamos ter bem mais facilidade em realizar a transição com outras famílias, pois teremos o exemplo prático de como se dá a transição do convencional para o orgânico.

As famílias que participam do projeto vão ter um resultado que vai possibilitar a implantação desse cultivo em outras áreas. Acreditamos que dentro de três a quatro anos nós vamos ter pelo menos 50% das famílias produtoras já tendo uma área de seu lote com café orgânico.

Quais os desafios dessa transição?

Nosso solo no geral foi muito degradado, pois onde foram feitos os assentamentos, a terra já vinha sendo trabalhada há muitos anos com máquinas e uso de químicos. Outra dificuldade é o produtor conseguir a própria matéria prima para suprir a necessidade nutricional da planta. A família assentada ainda não tem condições de produzir insumos.

Também estamos numa região em que o café é uma monocultura, então há influência externa das cooperativas, que apresentam uma facilidade inicial ao produtor, mas que a médio e longo prazo todo o lucro acaba sendo direcionado para as cooperativas, e o produtor não recebe seu lucro.

Como funcionam estas cooperativas?

A maioria dos sócios destas cooperativas são pequenos produtores, mas quem dirige são os grandes. Não tem nenhum pequeno produtor que é parte da diretoria. Tem cooperativas lá com 2 mil sócios, sendo que 1800 são pequenos agricultores. O pequeno serve de escada para essa estrutura de cooperativa.

Por isso a importância de criarmos uma cooperativa do Movimento, diferente da convencional: ao final do ano, o que a cooperativa ganhar será distribuído para as famílias. Nas convencionais os produtores filiados nem sabem qual foi o lucro da cooperativa, muito menos fazem parte do rateio no fim do ano.

Como é a relação do assentamento com essas cooperativas?

No início, teve muito preconceito das cooperativas e foi difícil nos aproximarmos. Quando o assentamento começou a produzir, elas foram aproximando, e hoje há disputa de cooperativa dentro do assentamento pela filiação das famílias.

As famílias assentadas representam um grupo importante para as cooperativas. Nesse sentido a gente tem dificuldade de implementar a discussão do MST da importância de trabalhar com uma produção alternativa, sem degradar o meio ambiente. Tanto para pautar este tema como para melhorar a situação econômica das famílias é que estamos organizando a nossa cooperativa.

Existem outros assentamentos na região que vão se beneficiar da cooperativa do Movimento?

Estamos com dois assentamentos e um pré-assentamento na região, além de um acampamento em Campo do Meio que, se for desapropriado, pode assentar 350 famílias. Vai ser um potencial muito importante para a região quando tivermos definido o assentamento na área, já que teremos mais de 400 famílias produtoras.

EcoDebate, 05/07/2013

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