terça-feira, 2 de julho de 2013

Utilização de erva-de-bugre na produção agropecuária

O Brasil abriga 55 mil espécies de plantas, aproximadamente um quarto de todas as espécies conhecidas. Destas, 10 mil podem ser medicinais, aromáticas e úteis, de acordo com o estudo denominado Contribuição Efetiva ou Potencial do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT) para Aproveitamento Econômico Sustentável da Biodiversidade. Trata-se de uma grande riqueza que o Brasil possui, sendo que muitas destas plantas fazem parte da cultura de comunidades rurais, onde o conhecimento sobre as plantas medicinais vem sendo transmitido ao longo das gerações. A Região Costeira do Rio Grande do Sul compõe um ecossistema diferenciado, com grande agrobiodiversidade, abrigando plantas de grande potencial para utilização na fitoterapia, cujo conhecimento científico relacionado ainda é bastante incipiente.

Entre tantas plantas nativas, a Casearia sylvestris (família Flacourtiaceae), conhecida popularmente por erva-de-bugre, mostrou grande potencial na produção agropecuária. A planta ocorre em quase todo o Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul, sendo amplamente utilizada na medicina popular. Possui o tronco tortuoso, com casca de coloração acinzentada a acastanhada. Suas folhas são alternas, simples, lanceoladas a elípticas e serrilhadas. Possui grande quantidade de flores, que são amareladas. Floresce nos meses de junho a outubro e frutifica de setembro a dezembro. Segundo Lorenzi e Matos (2002), suas folhas e cascas são consideradas tônicas, depurativas, antirreumáticas e anti-inflamatórias; é usada como abortiva e para retirar a placenta no pós-parto de animais (SILVA et al., 1988); a casca é utilizada como antidiarreica e também contra picada de cobras; o decocto da raiz é usado contra dores do peito e corpo (HIRSCHMANN; ARIAS, 1990). A planta ainda possui propriedades antifúngicas.

Os princípios ativos (p.a.) são substâncias químicas, geralmente metabólitos secundários, que a planta produz durante o seu crescimento e desenvolvimento, e que possuem ações diversas sobre os organismos. Assim, as plantas produzirão vários princípios ativos, concomitantemente ou em diferentes fases, sendo que a sua localização na planta pode não realizar-se de maneira uniforme, podendo variar a concentração de acordo com a parte da planta e seu estádio fenológico. Os princípios ativos estão presentes em toda a planta, apresentando maiores concentrações em determinada(s) época(s) do ano ou determinada parte da planta. Da mesma forma, existe variabilidade química entre os distintos genótipos da planta, o que pode ser realçado de acordo com o método de extração dos princípios ativos (BEVILAQUA et al., 2001). Populações de uma determinada região apresentam maior quantidade de determinado composto, entretanto poderá haver interferência do fator local ou da fertilidade do solo.

Este artigo tem o intuito descrever o processo de colheita, secagem e conservação de cascas e folhas visando à obtenção de extrato alcoólico da planta, bem como avaliar seu efeito sobre bactérias fitopatogênicas. 

Metodologia

Coleta: foram coletadas cascas e folhas separadamente de aproximadamente cinco plantas em cada local, para se obter um material representativo, em três locais distintos: Capão do Leão, Arroio Grande e Pelotas, todos no Rio Grande do Sul. Para tanto, a coleta das folhas deu-se através da escolha daquelas verdes e no estádio de maturidade. A coleta da casca se deu no outono com o auxílio de uma faca, tendo-se o cuidado de raspar previamente a parte externa, a fim de obter um produto razoavelmente limpo. Para não prejudicar a planta, foi retirada pequena quantidade de casca ao redor do tronco.

Secagem e armazenamento: o material coletado foi colocado em bandejas plásticas sob estufa por uma semana, protegido do sol e da umidade. Ao atingir o ponto ótimo de secagem, o material foi armazenado em saco de papel pardo, no interior de saco plástico devidamente fechado, em ambiente protegido de luz e umidade.

Obtenção de extratos: do material seco e embalado, cascas e folhas, retirou-se uma quantidade de 100 g de cada amostra individual. A amostra foi moída e colocada em recipiente de vidro âmbar onde foi acrescentado 1 L de álcool cereal ou farmacêutico, diluído até a concentração de 70%, na proporção de 1:10 peso por volume, do material seco. Após a identificação dos frascos, os mesmos foram colocados em armário escuro em local seco e arejado e procedeu-se à agitação diária durante duas semanas até o momento da filtragem. A filtragem foi feita com o auxílio de um filtro a vácuo. O extrato hidroalcoólico (EHA) obtido foi transferido para um novo frasco escuro, tampado e armazenado em armário, em local escuro, arejado e fresco. O produto obtido é chamado de tintura-mãe.

Análise: a eficácia do EHA foi feita através do teste in vitro de controle de bactérias patogênicas: Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Salmonella sp., nas seguintes diluições: 50%, 25%, 12,5%, 6,25% e a testemunha água, visando avaliar a variabilidade química existente e seleção dos mais eficientes. Através das análises procurou-se ainda verificar o efeito da procedência do material e o tipo de material utilizado (casca ou folha). 

Resultados e discussão

Foi observada grande variabilidade genética entre os três locais de coleta da planta, tanto para características morfológicas quanto fenológicas, inclusive entre plantas em cada local de coleta. A variabilidade pode ser observada pelo porte da planta, coloração da folha, época de floração e frutificação, entre outras características. O fato demonstra existirem populações da planta possivelmente com atividade fitoterápica diferenciada.

Durante o processo de coleta, houve a troca de experiências com agricultores e técnicos nos locais para a perfeita identificação da espécie. Nesta operação foram observados os princípios básicos como identificação do local por georrefenciamento e observação dos horários adequados de coleta. A metodologia de secagem também mostrou-se eficiente, pois, na casa de vegetação, evitou-se a incidência direta do sol e o contato com a umidade, e permitiu-se a adequada circulação de ar através de janelas, obtendo-se um material aparentemente de boa qualidade. Quanto ao armazenamento, percebeu-se que também foi satisfatório, pois a qualidade do material se manteve inalterada por aproximadamente um ano após o acondicionamento, evidenciado pela ausência de mofo e conservação da cor característica.

O método de preparo do EHA que foi utilizado neste trabalho monstrou-se bastante prático, tornando-se uma alternativa acessível a agricultores e outros interessados. A utilização da tintura pode resultar em economia de material a ser utilizado, pois com pequena quantidade da planta pode ser preparada grande quantidade de material, contribuindo na conservação de germoplasma, principalmente nos casos de plantas não cultivadas.

Os resultados preliminares mostraram que o extrato hidroalcoólico (EHA) controlou com eficiência as bactérias patogênicas. Para Staphylococcus aureus o EHA de folhas, na diluição de 12,5%, mostrou 100% de controle, enquanto o extrato da casca mostrou a mesma eficiência na diluição de 25%. Para Escherichia coli o EHA da casca apresentou 100% de controle na diluição de 50%, já a casca não mostrou efeito até a diluição de 50%. Para Salmonella sp., o resultado foi semelhante, com o EHA da casca apresentando forte eficiência, fato que não se repetiu com a tintura elaborada a partir das folhas. 

Conclusão

Existe grande variabilidade genética e química dos acessos de erva-de-bugre, sendo que folhas e cascas possuem propriedades diferenciadas;

A substituição de preparados à base de infusão por extratos hidroalcoólicos (EHA) pode representar a redução da quantidade de matéria-seca utilizada, sendo prática e de fácil manejo.

O extrato da planta controla com eficiência as principais bactérias patogênicas, entretanto a origem do material tem forte interferência. 

Referências

BEVILAQUA, G.A.P. et al. Distribuição geográfica e composição química de genótipos de chapéu-de-couro (Echinodorus spp.) no Rio Grande do Sul. Ciência Rural, Santa Maria, v. 31, n. 2, p. 213-218, 2001.

HIRSCHMANN, G.S.; ARIAS, A.R. A survey of medicinal plants of Minas Gerais, Brazil. Journal Ethnopharmacology, Limerick, v. 29, p. 159-172, 1990.

LONGHI, R.A. Livro das árvores: árvores e arvoretas do sul. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 1995, 176p.

LORENZI, H.; MATOS, A.J.F. Plantas medicinais no Brasil: nativas e exóticas. São Paulo: Plantarum, 2002, 500 p.

SILVA, F.A. et al. Estudos farmacológicos preliminares dos extratos da Casearia sylvestris Swartz. Acta Amazônica, Manaus, v. 18, n. 1\2, 1988. (Suplemento).

Gilberto A. Peripolli Bevilaqua
Pesquisador da Embrapa Clima Temperado

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