Substituição das queimadas por colheita mecanizada reduziu em 46% o potencial de aquecimento global da produção do etanol brasileiro
RODRIGO DE OLIVEIRA ANDRADE | Edição Online 25 de março de 2013
Nível atual de mecanização do processo de produção da cana-de-açúcar possui potencial de aquecimento global 46% menor do ao registrado no início da década de 1980.
A mecanização da colheita da cana-de-açúcar tem contribuído para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa e de material particulado na atmosfera durante o processo de produção de etanol no Brasil. Em estudo publicado na edição on-line da revista Applied Energy, um grupo de pesquisadores do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Instituto de Recursos Naturais da Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, verificou que, com o nível atual de mecanização, em torno de 58% da colheita, o processo de produção da cana-de-açúcar possui potencial de aquecimento global 46% menor do ao registrado no início da década de 1980. Já a emissão de material particulado foi sete vezes menor que a verificada no período pré-mecanização – anterior à década de 1990.
Os pesquisadores avaliaram os benefícios da eliminação progressiva das queimadas durante a colheita da planta na região centro-sul do país. Para isso, calcularam as emissões dos principais gases de efeito estufa – dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) –, bem como os índices de emissão de material particulado ao longo da cadeia produtiva do etanol de cana-de-açúcar. Em seguida, estimaram o impacto destas emissões no aquecimento global e na saúde humana em três períodos distintos: antes da mecanização da colheita da cana-de-açúcar, atualmente e nos próximos 20 anos.
De acordo com o agrônomo Marcelo Valadares Galdos, do CTBE e autor principal do estudo, a expectativa é que no futuro, com a total mecanização da colheita e a integração da primeira e segunda geração de etanol, a emissão de gases de efeito estufa seja 70% menor que a registrada quando a colheita era feita a partir da queima de resíduos. Da mesma forma, espera-se que a emissão de material particulado represente menos do que 1% do que era emitido quando a queima do canavial era predominante. Segundo o agrônomo, a emissão de material particulado na atmosfera, em grande parte devido à queima de resíduos agrícolas, além de contribuir para o agravamento do aquecimento global, também pode desencadear complicações à saúde humana, sobretudo de crianças e idosos, como hipertensão e problemas respiratórios.
“O material particulado, também conhecido como ‘black carbon’, caracteriza-se como principal componente químico da fuligem. Na atmosfera, este material tem efeito de aquecimento e de resfriamento, mas o balanço final é de aquecimento”, explica. Por ser emitido a partir da queima de biomassa e de combustíveis fósseis, ele é considerado um dos principais causadores do aquecimento global, depois do CO2. “Por isso é fundamental incluir as emissões desse componente quando se calcula indicadores ambientais de aquecimento global e seus impactos na saúde humana, o que não vinha sendo feito até então”, afirmou Galdos.
Desde junho de 2007, o Protocolo Agroambiental, firmado entre o setor canavieiro e as Secretarias de Estado da Agricultura e Abastecimento (SAA) e do Meio Ambiente (SMA), tem contribuído com a mitigação dos efeitos da produção da cana-de-açúcar no estado de São Paulo sobre o meio ambiente e a saúde humana.
O Protocolo, cujos objetivos eram o fim da queima, a conservação do solo, a preservação das matas ciliares e nascentes, a diminuição do uso da água na indústria entre outras ações, foi reforçado pela Lei Estadual 10.547/00, alterada pela Lei 11.241/02, a qual previa que a queima em 2011 fosse eliminada em 50% da área para corte. Para o protocolo essa exigência já era de 70%.
Segundo Galdos, com a integração do etanol de primeira e segunda geração no Brasil, nos próximos 20 anos, a expectativa é que as emissões de gases do efeito estufa e de material particulado diminuam ainda mais. “Enquanto a primeira geração de etanol utiliza diretamente a sacarose (açúcar), a segunda geração possibilita a produção também a partir de partes da cana que geralmente viram resíduos, como o bagaço e a palha da planta. Isso possibilita aumento de produtividade, o que acaba reduzindo as emissões por área plantada ou por unidade de produto produzido”.
Segundo o agrônomo, devido à melhorias tecnológicas e de manejo, a produtividade da cana-de-açúcar subiu de 78 para 85 toneladas por hectare desde a década de 1980. De acordo com o estudo, a expectativa é que com melhoramento genético e com melhores técnicas agronômicas de produção da cana-de-açúcar, nos próximos 20 anos, esse número suba para 150 toneladas.
A mecanização da colheita possibilita ainda contribuir para a qualidade do solo e para o controle de erosão. “Por não haver queimadas, parte dos nutrientes da palha se transferem para o solo”, explica. “Ao deixarmos a palha sobre o solo após a colheita, estamos favorecendo também o processo de fixação de carbono no solo, melhorando suas características químicas, físicas e biológicas. Isto se traduz em benefícios ambientais e agronômicos, contribuindo para a sustentabilidade da produção de cana-de-açúcar”, conclui.
Artigo científico
GALDOS, M. et al. Trends in global warming and human health impacts related to Brazilian sugarcane ethanol production considering black carbon emissions. Applied Energy. v.104, p. 576-82, 2013
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