quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Curare adverte: se não fizer bem… mal pode fazer! (sobre o uso da janaúba)

“Caso de insucesso com a administração da planta Janaúba (Synadenium grantii Hook.f.), popularmente indicada para o tratamento do câncer de próstata.”

por Thiago Cagliumi Alves – em memória do Sr. Paulo Robin Nathagora Cagliumi

Há algum tempo que o Coletivo Curare vem alertando sobre os cuidados a serem tomados com a utilização das plantas medicinais, principalmente no que se refere à dosagem, já que muitas dessas possuem um limiar bastante próximo entre o efeito terapêutico e o tóxico. Por isso tanto insistimos em nossos textos sobre a importância em consultar um profissional especializado antes de iniciar o tratamento com qualquer planta medicinal ou fitoterápico.

O que irei apresentar neste texto é o relato de um caso verídico que aconteceu com o meu avô, Sr. Paulo Cagliumi, um homem de 72 anos (na ocasião) que durante toda a sua vida basicamente se tratou com preparações a base de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos. Pouco antes de falecer em maio deste ano, pediu-me que compartilhasse o fato com ele ocorrido para que de alguma forma sua má experiência pudesse alertar outras pessoas a não cometerem o mesmo erro. Deixo claro também que a causa de sua morte não decorreu da planta em questão, mas de outra patologia que veio a ser diagnosticada dois anos depois.

Certo dia, em meados de maio de 2008, como já era de praxe, o Sr. Paulo acordou bem cedo, preparou o seu café da manhã, alimentou os cachorros e foi varrer a calçada, atividade que fazia como pretexto para jogar conversa fora com outros amigos aposentados que diariamente perambulavam pelas ruas do bairro onde morava na cidade de Santo André. Foi quando um desses velhos companheiros, com a melhor das intenções, apresentou ao meu “véio” (forma carinhosa com que eu tratava o meu avô) uma “milagrosa” planta que estava curando e prevenindo o câncer de próstata em inúmeras pessoas! Tratava-se da popularmente conhecida Janaúba (Synadenium grantii Hook.f.), um arbusto lactescente que pode atingir de 3 a 5 metros, nativo do continente africano e comumente cultivado como planta ornamental e medicinal em regiões tropicais e subtropicais. Uma planta da família Euforbiaceae, cujas espécies pertencentes são conhecidas por serem tóxicas devido aos ésteres diterpenos (ou ésteres de phorbol) presentes no seu látex1.

Como bom conhecedor das plantas e de inúmeros unguentos, os quais ele mesmo tinha o cuidado em preparar, decidiu então adicionar mais este na lista de sua “farmacopéia popular”. O modo de preparo que lhe foi ensinado tratava-se da diluição em 2 litros de água de algumas gotas do látex da planta, administrando-se a solução em doses de uma xícara de café três vezes ao dia.

Excessivamente confiante em seu próprio conhecimento sobre plantas medicinais, adquirido ao longo dos anos, o “véio” ignorou a posologia indicada e passou o dedo no látex que escorria de um galho cortado da Janaúba, tomando-o de uma única vez sem a prévia diluição sugerida, partindo daquele velho e errôneo princípio: “se não fizer bem, mal também não faz”… Infelizmente desta vez meu avô estava errado. No dia seguinte ao fato, notou ao acordar que suas articulações estavam com manchas vermelhas e sentia um prurido bastante intenso nestas mesmas regiões. Sem dar muita importância, continuou então o tratamento com a preparação diluída conforme recomendação de seu amigo. No terceiro dia percebeu que as manchas e prurido não estavam apenas nas articulações, mas haviam se espalhado por todo o tronco. Decidiu, então, finalmente, interromper o tratamento, pois associou a possível causa desta irritação com a administração do látex da planta.

Incompreensivelmente, mesmo com a interrupção, ao invés de atenuarem-se os sintomas, houve uma piora: no quinto dia após a ingestão do látex a pele de todo o seu corpo encontrava-se intensamente vermelha e com sinais de lesões em função do forte prurido. Em levantamento bibliográfico feito por sua filha (minha mãe), foi encontrado um artigo que reportava um caso bastante similar, abordando o relato clínico de uma menina de quatro anos de idade e que teve cerca de 90% da superfície de seu corpo comprometida por erupção eritematosa, descamativa, generalizada e pruriginosa e que evoluiu da mesma maneira em um espaço de tempo de 9 dias após o contato com a planta2.

Passados dez dias após interromper o uso, as lesões começaram a secar e aparentemente a situação estava controlada, mas, nos meses que se seguiram, seu quadro clínico piorou e surgiram outras doenças que deixaram seu estado geral de saúde bastante debilitado, como reumatismo, catarata e anemia.

Com a ajuda de dois professores da UNIFESP, que gentilmente se dispuseram a compartilhar seus conhecimentos comigo, pude entender melhor a família botânica desta planta (a qual coletei e pode ser identificada por Dra. Inês Cordeiro, taxonomista do Instituto de Botâncica de São Paulo, e Dr. Víctor Steinmann, botânico do INECO – Instituto de Ecologia, A.C.) e seus respectivos compostos químicos, destacando o fato de que algumas das substâncias tóxicas das Euforbiáceas possuem o tempo de meia-vida bastante longo, podendo permanecer no organismo por muitos meses.

No entanto, não foram encontradas publicações científicas que pudessem afirmar uma possível relação entre esta evolução clínica e a administração da planta, tampouco conseguimos obter qualquer informação com o CEATOX devido à falta de relatos de intoxicação causados pela Janaúba. Em função disso ressaltamos a importância de que todas as pessoas que venham a se deparar com semelhante situação, que entrem em contato com este órgão, pois desta maneira, além de poderem contar com a ajuda de especialistas, certamente também estarão colaborando com informações para futuros casos como estes.

O caso da intoxicação do Sr. Paulo foi apenas mais um entre tantos que ocorrem devido à falta de informação e à imprudência na utilização de uma planta medicinal com elevado nível de toxicidade. Antes da aplicação da Janaúba para o tratamento do câncer de próstata, muito ainda se precisa compreender acerca de sua real atividade anticarcinogênica e principalmente seus efeitos tóxicológicos. Por isso, voltamos a enfatizar a importância dos pesquisadores aproveitarem o conhecimento popular para direcionar suas pesquisas, a fim de garantirem novas drogas, ou mesmo investigarem as plantas medicinais in natura, comprovando assim a segurança e eficácia destas para o uso pela população, que, por sua vez, deve buscar as informações necessárias com profissionais especializados de modo a não se deparar com situações indesejadas como esta vivenciada pelo meu avô.

Referências

1- Bagavathi et al. (1988). Tigliane-type diterpene esters from Synadenium grantii. Planta Med 54(6):506-10.

2- Docampo et al (2010).Erythroderma secondary to latex-producing plants (Synadenium grantii). Arch Argent Pediatr 108(6):e126-e129

Thiago Cagliumi Alves é graduado em Farmácia Industrial pela Universidade São Judas Tadeu e atualmente é aluno de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Biologia-Química da UNIFESP.

Data: 18.06.2012

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