15/01/2015
Helena Martins - Repórter da Agência Brasil Edição: Fábio Massalli
A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de reclassificar o canabidiol, passando a considerá-lo medicamento de uso controlado, e não mais como substância proibida, poderá facilitar o debate sobre os usos medicinais da maconha no Brasil. O canabidiol é uma substância presente na folha da maconha (Cannabis sativa), que é usada para tratamento de doenças neurológicas, de câncer e mal de Parkinson, entre outras enfermidades.
Com a reclassificação, a expectativa é que os estudos científicos sejam ampliados, viabilizando a produção de novos medicamentos. É o que diz o neurocientista da Universidade de Brasília (UnB) Renato Malcher, que considerou a decisão uma vitória política diante de visões conservadoras.
Malcher ressaltou que, antes, os estudiosos gastavam tempo e dinheiro à espera de autorização para estudar a substância. Com a decisão da Anvisa, “qualquer cientista pode simplesmente olhar um catálogo na internet e fazer a compra dele [do canabidiol] tendo que lidar apenas com a questão de taxa alfandegária e mais nada. Não precisa mais de uma autorização da Anvisa para poder lidar com uma substância proscrita”.
Estudos com maconha são feitos no Brasil pelo menos desde a década de 1930. Os primeiros destacavam os chamados males da maconha, quais perigos sociais gerados por ela e também os sintomas apresentados pelos usuários. A partir de 1960, a psicofarmacologia e a psicobiologia estudaram a planta com outros vieses, reconhecendo propriedades ansiolíticas e antipsicóticas, dentre outras.
No entanto, a proibição da maconha no Brasil e em diversos países dificultou o avanço das pesquisas. “Não é uma novidade que a maconha tenha poderes medicinais, mas todo embargo que foi feito sobre a ciência gerou uma represa, em escala mundial, que está vazando por todos os lados”, disse Malcher.
Com a reclassificação do canabidiol, outros temas devem vir à tona, segundo o pesquisador, que aponta a necessidade de liberar os demais derivados. “A pesquisa hoje é muito prejudicada pelo próprio estigma e pela dificuldade de explorar essa área mais ampla, que é poder plantar, desenvolver plantas diferentes, extrair os óleos e testar as combinações”, explicou.
Dada a versatilidade da cannabis, a ciência tem vários caminhos de pesquisa que podem ser trilhados. Por exemplo, poderá isolar cada componente da erva que tem potencial terapêutico e testar a atividade dele, bem como produzir diferentes plantas com proporções particulares de canabinoides.
De acordo com Malcher, o extrato de cada uma dessas plantas pode ser usado para tratar doenças específicas, como psicose, esquizofrenia, ansiedade, inflamações crônicas, esclerose, epilepsia e até mesmo câncer, dado que algumas substâncias têm o poder de evitar a proliferação de células doentes.
“O que o canabidiol representa nesse momento é um ponto de inflexão. Passamos de um momento de visão muito estigmatizada sobre a planta para um momento em que a gente vai ter um respaldo social e político inevitável para explorar a metodologia que nós temos hoje para tirar o maior benefício possível dessa dádiva”, disse o neurocientista.
Segundo Malcher, os defensores da ampliação dos estudos e do uso fitoterápico da planta também terão que enfrentar os interesses da indústria farmacêutica, isso porque ela confere a cada variação genética das plantas, no caso da possibilidade da cannabis ser plantada no Brasil legalmente, uma patente, o que poderá dificultar o acesso para fins científicos e aumentar os custos do produto final. Estudos que analisaram o uso medicinal do canabidiol mostraram que, em 80% dos casos relatados, apenas essa substância foi mais efetiva no tratamento de determinadas doenças do que cerca de 12 remédios que eram usados diariamente pelos participantes da pesquisa, destacou o cientista.
As substâncias derivadas da maconha atuam sobre o que o pesquisador chamou de sistema de sinalização do organismo, responsável tanto pela percepção da saúde, como dor, tristeza e psicose, quanto por efeitos fisiológicos, a exemplo da inflamação.
Diante da situação, o cientista acredita que a indústria terá que se adaptar ao novo cenário e que os profissionais, hoje formados para receitar remédios tradicionais, poderão vivenciar “um novo paradigma”.
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