Pesquisador da UFSM conclui testes e explica sobre a planta de propriedades cardiotônicas e diuréticas
Coronilha. Foto:Arquivo.
Por Camille Wegner e Mauren Freitas
A medicina popular tem as plantas medicinais como uma aliada no combate a muitas doenças. Você sabe até que ponto pode confiar no uso de plantas medicinais e fitoterápicas, sem estudos científicos realizados? A carência de informações científicas sobre muitas dessas plantas vendidas no comércio popular pode ser uma prática insegura de uso, tendo em vista o desconhecimento das doses e letais e terapêuticas destes compostos.
Plantas medicinais apresentam uma vasta matriz fitoquímica (compostos químicos), onde se pode extrair compostos bioativos. Muitos dos fármacos usados na medicina contemporânea foram isolados de plantas medicinais. Quanto a isso, as plantas medicinais são um campo em potencial no que diz respeito ao isolamento de novas substâncias. Porém, o grande desafio de pesquisadores e cientistas que desenvolvem trabalhos nesta área é o fato de a matriz da planta ser muito complexa, ou seja, exige muitos passos para se descobrir qual é a substância daquela planta em questão responsável pela atividade biológica dela e que pode ser estudada e transformada, no futuro, em medicamento.
Robson Borba de Freitas estuda as propriedades da Coronilha.
Robson Borba de Freitas, 26 anos é farmacêutico e mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Seu local de trabalho no campus é o prédio 21, mais especificamente, no Laboratório de Fisiologia Experimental. Rodeado de medicamentos, pipetas e tubos de ensaio, Freitas investiga os possíveis efeitos tóxicos de plantas medicinais da flora gaúcha. A última pesquisa feita foi em relação à toxicidade da Scutia buxifolia, mais conhecida como a coronilha, uma árvore de pequena estatura da América do Sul.
A coronilha, no conhecimento popular, é tida como uma planta que ajuda no emagrecimento. No Rio Grande do Sul, os gaúchos tem o costume de colocá-la no chimarrão, bebida típica do estado. “Um estudo realizado em Porto Alegre revela que esta planta é uma das mais vendidas por ambulantes para a preparação de chás emagrecedores”, revela Freitas. Porém, não existem estudos científicos que comprovem que a planta tenha propriedades saciogênicas. Segundo o farmacêutico, a coronilha tem propriedades diuréticas, ou seja, ajuda na eliminação de líquidos. Com isso a pessoa desincha e acaba, como consequência, perdendo peso. Na prática, se conhece os benefícios da planta, mas não existem estudos científicos que comprovem suas ações no coração, outra indicação do conhecimento popular em relação ao uso do chá da planta. A coronilha apresenta propriedades cardiotônicas, ou seja, anti-hipertensivas. Estas já comprovadas cientificamente.
O uso de qualquer substância seja ela natural ou não, deve ser feito com muita parcimônia, porque o índice de intoxicação por medicamentos no RS é alarmante. “Dados do Centro de Informação Toxicológica (CTI) do RS mostram que houve 266 casos de intoxicação causada por plantas somente este ano”, afirma Freitas. Nem tudo que é natural, está isento de efeitos colaterais. Já dizia o médico suíço e cientista da saúde, Paracelso: “A diferença entre o veneno e o remédio é a dose”.
O processo da pesquisa em laboratório
O processo concluído em agosto deste ano, passou por diversas etapas até o resultado final. Primeiro, o farmacêutico tinha que testar a toxicidade aguda da planta, para poder prosseguir seus estudos. De forma preliminar, Freitas isolou o chá da coronilha. Determinou dosagens, após um levantamento bibliográfico, e administrou uma vez só o chá nos animais.
Robson Freitas no laboratório de fisiologia experimental da UFSM.
No biotério setorial do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFSM, os ratos da raça wistar ficaram 14 dias sob os cuidados e olhos atentos do pesquisador. “Todos os dias eu pesava eles, media a quantidade de alimento que eles comiam, a ingestão de líquidos e sólidos e outros sinais que poderiam indicar uma possível toxicidade”, descreve o farmacêutico. Na toxicidade aguda, trabalha-se o conceito de dose letal. A dose letal corresponde, ao final dos testes preliminares 50% da população dos animais terem vindo a óbito. No caso deste estudo, isso não ocorreu e Freitas pode dar continuidade a sua pesquisa.
Após escrever seu projeto e descrever todos os procedimentos experimentais a serem realizados com os ratos, Freitas teve sua pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Uso de Animais (CEUA). Os animais foram solicitados ao Biotério Central da UFSM e vieram para o Biotério Setorial, onde ficaram para um período de adaptação, de aproximadamente sete dias, sob condições controladas de temperatura e umidade. A partir disso, o farmacêutico pode começar a parte experimental da pesquisa.
Primeiramente, o extrato da coronilha foi isolado. Um chá caseiro, porém liofilizado, porque o pesquisador perderia muito tempo para prepará-lo todos os dias. Liofilizar é passar a substância do estado líquido para o sólido. “A água é eliminada e o chá virá um pó”, explica. Depois disso, Freitas estipulou doses diferentes deste chá para aplicar em quatro grupos distintos de ratos. Estas dosagens fixadas por ele passaram por uma revisão bibliográfica, tendo em vista que não existiam estudos da toxicidade da coronilha ainda. O pesquisador utilizou como fonte, estudos de plantas da mesma família da Scutia. Os grupos formados por seis ratos wistar foram tratados com doses distintas durante 30 dias, uma vez por dia. O chá era administrado via oral, através de uma sonda intragástrica, pelo método de “gavagem”. Ao longo do experimento, o farmacêutico analisou o comportamento dos animais, alterações no peso corporal, ingestão de alimentos e outros sinais que poderiam indicar uma possível toxicidade. Após os 30 dias de tratamento, Freitas eutanasiou os animais com anestésico. “Lembrando que nós não sacrificamos animais. No cenário da experimentação, nós induzimos à eutanásia. Eutanásia significa boa morte, morte sem dor”, ressalva.
Depois deste processo, o pesquisador fez o procedimento cirúrgico de laparatomia nos animais. Laparatomia significa fazer um corte para se retirar alguns órgãos. Na pesquisa em questão, o corte foi feito no abdômen e o órgão utilizado para analisar os resultados foi o fígado. “Eu utilizei o fígado, porque é o órgão que metaboliza a maioria das substâncias que nós ingerimos”, explica o pesquisador. O fígado é bastante rico em enzimas antioxidantes, porque tem um sistema de metabolismo formado por enzimas, o P-450, que metaboliza a maioria dos fármacos e xenobióticos que nos ingerimos.
O objetivo da pesquisa de Freitas foi investigar se a coronilha é tóxica para animais, especialmente ratos e da raçawistar. Afinal, “Ratos e humanos tem metabolismos semelhantes. Embora outro pesquisador, sob condições diferentes, possa encontrar um resultado diferente. Pois, quando falamos em pesquisa tudo é possível”, acrescenta. Os resultados mostram que a coronilha não é tóxica. A Scutia pode ser utilizada, como matéria-prima, por empresas farmacêuticas para a fabricação de medicamentos diuréticos e que combatam a hipertensão.
Data: 25.10.2012
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