Júlio Bernardes - jubern@usp.br
17/abril/2013
A infusão pré-operatória de emulsão lipídica parenteral (pelas veias) de óleo de peixe em pacientes com câncer gastrintestinal pode favorecer a resposta imunológica pós-operatória, revela pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O óleo de peixe é rico em ácidos graxos poliinsaturados de cadeia longa ômega-3 (AGPI w-3), que têm potencial para prevenir ou atenuar inflamações. A pesquisa foi realizada pela bióloga Raquel Torrinhas em 63 pacientes internados para cirurgia eletiva de ressecção de câncer de estômago e cólon, na Divisão de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP.
Infusão parenteral evita perdas decorrentes dos processos digestivos e absortivos
Entre os pacientes selecionados, com idades entre 18 e 75 anos, 31 receberam óleo de peixe e 32, no grupo controle, receberam infusão de emulsão parenteral rica em triglicérides de cadeia média. “Todos foram selecionados de acordo com critérios de inclusão específicos, como índice de Karnofsky (medida da capacidade funcional) e condição venosa periférica adequada para infusão parenteral e coletas de sangue”, conta Raquel. “Também foram adotados critérios de exclusão que buscaram minimizar variáveis que pudessem interferir na sua resposta imunológica imediata, como presença de doenças de carácter infeccioso, imunológico ou metabólico”.
A infusão da emulsão lipídica ocorreu de forma duplo-cega, por veia periférica, na concentração de 0,2 gramas (g) de gordura por quilo (kg) de peso corpóreo por dia, durante seis horas contínuas e com rodízio diário do acesso venoso. Os pacientes que compuseram o grupo experimental receberam a infusão parenteral de emulsão de óleo de peixe (Omegaven® 10%, Fresenius Kabi, Bad Homberg, Alemanha), rica em AGPI w-3. Já os que compuseram o grupo controle receberam a infusão parenteral de emulsão com 50% de triglicérides de cadeia longa e 50% de cadeia média (Lipovenos MCT® 10% – Fresenius Kabi, Bad Homberg, Alemanha).
No período pós-operatório, pacientes tratados com emulsão de óleo de peixe apresentaram menores níveis de interleucina IL-6 e maiores níveis da interleucina IL-10, em comparação aos que foram tratados com emulsão lipídica controle. “Enquanto a IL-6 é um mediador imunológico relacionado com inflamação e imunossupressão, a IL-10 tem propriedades anti-inflamatórias”, conta Raquel. “Pacientes tratados com emulsão de óleo de peixe apresentaram ainda funções ou marcadores de funções leucocitárias (das células de defesa do organismo) pós-operatórios melhores do que aqueles tratados com emulsão controle, notadamente menor diminuição da explosão oxidativa leucocitária, manutenção da porcentagem de monócitos exprimindo moléculas de superfície HLA-DR e CD32 e aumento da intensidade da expressão de CD32 por neutrófilos”. A migração leucocitária não foi influenciada”, diz Raquel.
Benefícios imunológicos
De acordo com a bióloga, não foram encontradas diferenças na frequência de infecções e no tempo de permanência na unidade de terapia intensiva e hospitalar. “Portanto, em comparação à emulsão lipídica controle, emulsão de óleo de peixe associou-se com benefícios de ordem imunológica, sem melhora significativa na evolução clínica imediata de nossos pacientes”, observa.
A resposta imunológica pode ser direta ou indiretamente influenciada pelo AGPI w-3, principalmente ácidos eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA) presentes em abundância no óleo de peixe, prevenindo ou atenuando a inflamação. “Cabe ressaltar que o AGPI w-3 parece ser incorporado a membranas celulares plasmáticas e sanguíneas mais rapidamente quando infundidos por via parenteral (um a três dias), do que quando ingeridos por via enteral, ou seja, pelas vias digestivas (quatro a sete dias)”, afirma Raquel.
“Além disso, a infusão parenteral de AGPI w-3 evita perdas decorrentes dos processos digestivos e absortivos que se seguem após sua ingestão oral ou enteral”, acrescenta. Na Europa, Ásia e América do Sul, emulsão lipídica parenteral composta por óleo de peixe, rica em AGPI w-3, é rotineiramente infundida associada a emulsões lipídicas convencionais, como parte da terapia nutricional parenteral (TNP). A proposta principal do estudo foi utilizá-la como um nutracêutico, independente da indicação de TNP.
“Como parte da TNP, em pacientes cirúrgicos, a infusão perioperatória de emulsão lipídica de óleo de peixe se associa à preservação de funções imunológicas e modulação favorável de mediadores inflamatórios pós-operatórios, com redução na frequência de complicações infecciosas e no tempo de internação em unidade de terapia intensiva e hospitalar”, conta a bióloga. “Atualmente, segundo diretrizes brasileiras, europeias e americanas, a TNP deve ser indicada apenas a pacientes que não conseguem preencher suas necessidades nutricionais por via enteral. Assim, a maioria dos pacientes cirúrgicos em pré-operatório perde as vantagens potenciais da infusão de AGPIs w-3 por via parenteral”.
Segundo Raquel, a infusão isolada de emulsão parenteral de óleo de peixe como fármaco-nutriente já foi realizada por outros pesquisadores em outras populações de pacientes e vem se mostrando segura, quando feita na mesma dose que aquela adotada na pesquisa (0,2g de gordura/ kg de peso corpóreo/ dia). “Durante o estudo observaram-se efeitos adversos de baixa/moderada gravidade (dor local, vômitos e flebite local) em 9,7% dos pacientes do grupo óleo de peixe OP e 6,2% dos pacientes do grupo controle”. O trabalho teve orientação do professor Dan Linetzky Waitzberg e contou com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Imagem: Marcos Santos /USP Imagens
Mais informações: email torrinhas@gmail.com
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