terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Estudo vê relação entre estações do ano e a composição do guaco



Campinas, 31 de outubro de 2014 a 09 de novembro de 2014 – ANO 2014 – Nº 612


Química investigou também a ação do solvente extrator na concentração dos princípios ativos

Edição de Imagens: Diana Melo
Na fisiologia dos vegetais existem dois grupos de substâncias com funções distintas: os metabólitos primários e os metabólitos secundários. Os primários garantem o desenvolvimento, crescimento e reprodução da planta e os secundários geralmente ocorrem em baixas concentrações e seu aparecimento na natureza é determinado por necessidades ecológicas e possibilidades biossintéticas, com funções de defesa contra herbívoros e microorganismos, proteção contra os raios UV, atração de polinizadores e animais dispersores de sementes. Esses metabólicos secundários, que desempenham papel importante na interação das plantas com o meio ambiente, constituem uma fonte de matéria-prima rica em compostos ativos ainda inexplorados pela indústria farmacêutica.

No grupo de plantas consideradas medicinais situa-se a Mikania laevigata, popularmente conhecida como guaco, amplamente empregada na América Latina no tratamento de uma variedade de doenças e utilizada na forma de chás e xaropes. Estudos fitoquímicos e farmacológicos conferem-lhe propriedades broncodilatadoras, antimicrobianas, anti-ulcerogênicas e anti-inflamatórias. A cumarina é considerada a principal substância química de ação farmacológica presente nessa planta. Mas, além dela, outros metabólicos secundários derivados do acido cinâmico e de diterpenos curânicos têm demonstrado sinergismo para produzir os efeitos farmacológicos esperados no guaco, pois suas ações resultam da mútua interação química entre eles.

A literatura especializada aponta vários fatores que influenciam tanto no número como na concentração dos metabólitos presentes nas plantas medicinais e que, portanto, devem ser considerados quando o objetivo é a extração de uma determinada substância. Entre eles são apontados a origem geográfica da planta, sua idade, aspectos agronômicos e ambientais, como a sazonalidade. Estes fatores estão relacionados com a concentração de nutrientes no solo, índices pluviométricos, umidade, temperatura, clima. Além disso, sabe-se que a eficiência da extração dos metabólicos depende da técnica e da natureza do solvente extrator utilizado. Todos estes parâmetros devem ser considerados para efeito de utilização farmacológica de qualquer vegetal.

Este quadro, e particularmente a ação dos efeitos sazonal e do solvente extrator na concentração dos princípios ativos, instigaram a química Lívia Maria Zambrozi Garcia Passari a realizar pesquisas sobre o guaco. A parte experimental do seu trabalho foi desenvolvida no Laboratório de Quimiometria em Ciências Naturais na Universidade Estadual de Londrina (UEL), sob a orientação da professora Ieda Spacino Scarmínio, especialista em Quimiometria em Ciências Naturais e coorientadora do trabalho.

A pesquisadora esclarece que seu objetivo fundamental foi o de estudar as folhas da espécie Mikania laevigata quanto ao efeito sazonal na composição dos seus metabolitos secundários, concentrando-se na cumarina e no maior número possível de outros compostos que a acompanham. Ela se propôs também a verificar a eficiência da composição de vários solventes e de suas misturas na extração desses metabolitos e enfatiza que “isso só foi possível porque a quimiometria permite, através da aplicação de métodos matemáticos e estatísticos de análise de dados, planejar os experimentos e extrair o máximo de informações uteis para os químicos a partir de uma quantidade enorme de dados disponíveis”.

O processo multivariado possibilita, com o emprego de grande número de sensores analíticos, determinar uma gama muito grande de compostos, o que não podia ser realizado pelos métodos clássicos, para se chegar aos perfis qualitativos e quantitativos das amostras estudadas.

O emprego dos métodos quimiométricos foi de responsabilidade do especialista na área o professor Roy Edward Bruns, do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que participou do planejamento, da interpretação dos dados e das discussões dos resultados obtidos. e contribuiu para a redação de manuscritos para publicação em revistas científicas. O docente lembra que, depois de ter orientado na Unicamp o mestrado e o doutorado da professora Ieda, passou a desenvolver com ela estreita colaboração.

Na época em que ela formava os primeiros mestres, como o então ainda novo curso de pós-graduação por ela chefiado em sua universidade não dispunha de um programa de doutorado, Bruns recebeu três de suas alunas para o doutorado, que passaram a ser coorientadas por ela e que, a exemplo de Lívia, apresentaram recentemente suas teses. Financiado pelo CNPq e pela Fundação Araucária (PR), todo o trabalho experimental da pesquisadora foi realizado em Londrina sob a supervisão da professora Ieda e a discussão dos dados e dos resultados foi realizada conjuntamente pelos dois professores. As análises realizadas por cromatografia líquida de ultra-eficiência acoplada à espectrometria de massas sequencial foram realizadas no Instituto de Química (IQ) da Unicamp.

Resultados

O professor Bruns considera que a novidade no trabalho foi o fato de a pesquisadora utilizar métodos matemáticos e estatísticos para planejar os experimentos o que lhe permitiu considerar o emprego de diversos solventes com o objetivo de determinar previamente quais ou que misturas deles e em que proporções seriam os mais eficazes para extrair a maior quantidade possível dos metabólitos secundários da planta.
Os resultados obtidos em laboratório levaram à constatação de que o componente ativo do guaco, a cumarina, era mais abundante no verão do que no resto do ano e, em vista disso, a planta colhida nessa época era a mais adequada à sua extração. Entretanto, ela constatou também que o composto precursor da cumarina, o ácido o-cumárico - assim considerado por lhe dar origem - era mais abundante no inverno e na primavera do que no verão, época então em que a situação se invertia. Ou seja, quando a cumarina está em alta concentração o seu precursor esta em baixa, e vice-versa, dinâmica característica dos sistemas que envolvem transformações químicas. Estas constatações sugerem a interferência e a importância da sazonalidade no processo interno de transformação da planta, ou seja, nas modificações químicas que ocorrem dentro dela.

O estudo se justifica, segundo Lívia, por possibilitar a determinação qualitativa e quantitativa das substâncias que possuem os princípios ativos responsáveis pelos efeitos farmacológicos no organismo. É esse conhecimento científico que permite ratificar o consagrado uso popular do guaco e identificar as espécies mais apropriadas à extração dos seus princípios ativos, mesmo porque cada espécie da planta possui sua composição especifica que pode ser distinguida apenas através da pesquisa. É ela que visa determinar quais espécies podem ou devem ser usadas para a elaboração, por exemplo, dos xaropes comercializados. Apenas com o estudo do perfil químico as espécies de guaco aparentemente muito parecidas podem ser diferenciadas, contribuindo para os estudos farmacológicos dessa planta muito utilizada na América Latina.

A propósito, ela lembra que embora vários compostos presentes no guaco estejam perfeitamente caracterizados, caso da cumarina e seu precursor o ácido o-cumârico, além de outros já difundidos, ela identificou a presença ainda do ácido melilótico, cuja existência e medição das abundâncias relativas na planta não tinham sido anteriormente relatadas na literatura.

Solventes

Com base em um planejamento estatístico de misturas foram previamente selecionados e depois utilizados, como solventes extratores, acetona, etanol, clorofórmio e diclorometano e suas misturas binárias, ternárias e quaternárias, respeitadas as equivalências volumétricas em cada uma delas.

Isoladamente todos os solventes se prestaram às extrações tanto da cumarina como dos ácidos mililótico e o-cumárico. Mas as extrações se mostraram mais eficientes para os dois ácidos quando utilizada a mistura ternaria em que foram adicionadas partes iguais de acetona, clorofórmio e etanol. Já para a cumarina verificou-se que o solvente puro etanol a extrai em maior concentração.

A pesquisadora lembra que ”as concentrações dos ácidos melilótico e o-cumárico foram altamente correlacionadas durante todo o ano. As maiores concentrações de cumarina foram obtidas no verão, enquanto que para os ácidos o-cumárico e melilótico as maiores abundâncias ocorreram na primavera. O efeito do solvente também se mostrou significativo. No verão o etanol extraiu a maior quantidade de cumarina, enquanto que as maiores quantidades dos ácidos o-cumárico e melilítico foram extraídas por misturas contendo etanol e acetona nas estações primavera e inverno”.

Lívia considera que atingiu seus objetivos principais que eram o de determinar o efeito sazonal na composição dos metabólicos secundários do guaco e o efeito dos solventes e de suas misturas nas respectivas extrações. Credita os resultados ao planejamento estatístico que orientou o trabalho e à utilização dos processos quimiométricos, recursos que podem ser aplicados em outros trabalhos similares envolvendo outros vegetais de forma a estudar e otimizar as condições experimentais.

Publicação

Tese: “Estudos quimiométricos dos efeitos do solvente e da sazonalidade nos metabólitos secundários da Mikania laevigata
Autora: Lívia Maria Zambrozi Garcia Passari
Orientador: Roy Edward Bruns
Coorientadora: Ieda Spacino Scarminio (UEL)
Unidade: Universidade Estadual de Londrina (UEL) Instituto de Química (IQ) da Unicamp
Financiamento: CNPq e Fundação Araucária

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