26/11/2014
Por volta de 30 acadêmicos, entre estudantes de ensino técnico, de graduação, mestrado, doutorado e pós-doc, rompem os muros da universidade, vão a campo coletar material, retornam para o laboratório e devolvem os resultados obtidos e as produções às comunidades de origem. Te parece um projeto e tanto, não? E é.
Na realidade, trata-se do Programa Etno-Fitos, coordenado por Domingos Tabajara de Oliveira Martins, professor titular de Farmacologia da Faculdade de Ciências Médicas daUniversidade Federal de Mato Grosso [UFMT], campus Cuiabá. Há três décadas na instituição, o professor Tabajara encabeça uma equipe encarregada de fazer o Programa caminhar há mais de três anos. “Nós vamos a campo, selecionamos uma área do Estado e um bioma e fazemos levantamentos sobre o uso de plantas medicinais pelas populações que habitam aquela região investigada. Todo o nosso pessoal está voltado para o estudo em Mato Grosso”, detalha Tabajara.
Atualmente, o projeto encampa sete municípios que formam o Vale do Juruena [norte do Estado, Amazônia], 14 cidades que compõem a microrregião norte do Araguaia [Amazônia] e Poconé [Pantanal e Cerrado]. Essas são as três frentes de pesquisa, abrangendo todos os biomas existentes em Mato Grosso.
A identificação da planta é feita no Herbário. Todas as outras etapas do processo são realizadas no Laboratório de Farmacologia
[Foto: Thiago Cury]
Com isso, o objetivo é fazer com que as famílias de agricultores permaneçam no campo, evitando, assim, o aumento das áreas de pobreza e, de quebra, gerar renda na zona rural. Como a agricultura familiar tem a vocação de botar o alimento na mesa da comunidade, o projeto entende que essa é uma forma de produção, do ponto de vista ambiental, mais sustentável que o agronegócio.
Mas o Ensino e a Pesquisa não são as únicas viabilizações do Etno-Fitos. A Extensão também está presente, no sentido de capacitar a comunidade local, especialmente produtores da agricultura familiar, para o cultivo e produção de viveiros, de chás medicinais e de fitoterápicos em Nobres [andamento em estágio inicial] e Poconé [estágio avançado]. Esses trabalhos envolvem mais de R$ 1 milhão em cada um dos municípios, além de emprego.
Para se ter uma ideia da amplitude, o projeto tem a capacidade de envolver estudantes dos mais variados cursos e instituições. Só aqui na UFMT, os cursos de graduação envolvidos são: Engenharia Ambiental, Enfermagem, Nutrição, Ciência e Tecnologia de Alimentos, Agronomia, Biologia, Veterinária, Química e Medicina. Além da graduação, a Medicina está envolvida com os Programas de Mestrado e Doutorado.
Fora da UFMT, o projeto abrange o doutorado do Bionorte [Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal]; cursos técnicos e de nível superior do IFMT [Instituto Federal de Mato Grosso]; e a graduação em Farmácia da Unic [Universidade de Cuiabá] eUnivag [Universidade de Várzea Grande].
Além de compilar informações atuais e históricas sobre as plantas medicinais, o grupo visa produzir em laboratório uma quantidade maior de chás e medicamentos fitoterápicos, com prescrição médica, para consumo dos próprios moradores e comercialização na comunidade. “Pesquisamos sobre as plantas, fazemos um resgate cultural delas, catalogando, tombando e identificando [no Herbário da UFMT, que tem uma equipe própria para realizar esse processo, sob a coordenação do professor Germano Guarim Neto, da Biologia], garantindo para as gerações futuras o conhecimento sobre o uso e que espécies são consumidas. Feita a identificação, voltamos a campo para coletar maior quantidade do que é usado pela comunidade [de um a cinco quilos de casca, folha, raiz, fruto, flor, caule], e preparamos, aqui no Laboratório de Farmacologia, os remédios de acordo com a utilização feita pela comunidade”, relata o pesquisador.
O Herbário já identificou em torno de 20 mil espécies de plantas
utilizadas por comunidades rurais de MT.
[Foto: Thiago Cury]
Segundo Tabajara, a produção se dá em dois tipos: um é a reprodução exata do que é consumido pelas comunidades; o outro é a elaboração de um extrato para fins acadêmicos, cuja composição química é alterada. Ambos são levados para teste em animais de laboratório para certificar se os efeitos produzidos são aqueles ditos pela população.
Dessa forma, o programa tem a capacidade de envolver estudantes e comunidade externa, pondo em prática todas as prerrogativas da universidade: ensino, pesquisa e extensão. “Nesses estudos nós visamos três objetivos: 1] formar o aluno, pois ele aprende técnicas para avaliar e testar plantas; 2] produzir livros e folhetos sobre o estudo levantado e entregá-los à comunidade; 3] produzir outros viveiros na comunidade, para que possamos fornecer mudas gratuitas para eles plantarem e poderem fazer o chá nas suas casas, com intuito de evitar a depredação da natureza. Dessas mudas, uma parte é para consumo próprio e a outra será destinada à produção de remédios, os fitoterápicos [com prescrição médica], para serem distribuídos gratuitamente na rede de saúde do município, fazendo com que a prefeitura corte gastos com a compra de medicamentos sintéticos”, pontua o pesquisador.
O Programa já recebeu financiamentos dos Ministérios da Saúde e da Educação, do CNPq[Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico], Fapemat [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso] e Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Isso ocorre porque ele está disponível para todo o país. Basta que as prefeituras busquem adesão e façam a implantação por meio de arranjos produtivos locais ou das Farmácias Vivas.
E é nessa toada que o Etno-Fitos forma recursos humanos nos mais diferentes níveis e áreas, sem falar na produção de conhecimento novo, por meio de papers e artigos, e a elaboração de fitoterápicos e drogas vegetais. “A nossa meta, agora, é conseguir patentear todos esses produtos”, conclui Tabajara.
Thiago Cury
Link:
Nenhum comentário:
Postar um comentário