Pesquisa cita estudos que constataram um aumento de 15% a 22% no consumo calórico das pessoas que dormem pouco
Poucas horas de sono, noites mal dormidas e baixa exposição ao sol aumentam o risco de problemas de saúde como obesidade e diabete tipo 2. A conclusão, já sugerida na literatura científica, foi reforçada por pesquisa realizada com voluntários que visitaram os ambulatórios de Obesidade e Diabetes do Hospital de Clínicas (HC) e o Centro de Saúde da Comunidade (Cecom) da Unicamp, envolvendo alunos e funcionários. O trabalho é descrito na tese de doutorado de Liane Murari Rocha, “Relação entre padrões de sono, concentrações de vitamina D, obesidade e resistência à insulina”, orientada por João Ernesto de Carvalho e defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade. O trabalho foi realizado na Unidade Metabólica, coordenada pela médica Sarah Monte Alegre, e contou com a colaboração dos médicos Elizabeth João Pavin e Elinton Adami Chaim.
“As pessoas que dormem menos, comem alimentos mais calóricos e fazem isso, em alguns horários que não são bons: por exemplo, à noite”, disse a pesquisadora. “Isso contribui para a obesidade”. Na tese, Liane lembra que vários estudos já apontaram um elo entre período de sono reduzido – de menos de seis horas por noite – e problemas de saúde como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares.
A influência das poucas horas de sono e das noites mal dormidas nos hábitos alimentares também já havia sido constatada em algumas pesquisas anteriores, que avaliaram a correlação do sono com o consumo de calorias e até mesmo com o nível de hormônios ligados à fome e à saciedade. A tese cita estudos que constataram um aumento que vai de 15% a 22% no consumo calórico das pessoas que dormem pouco, em relação às que passam 8 horas ou mais na cama.
“Alguns estudos mostram que pessoas que dormem menos tendem a escolher porções maiores dos alimentos, têm uma preferência por alimentos mais doces, mais calóricos, por refrigerantes, por sucos industrializados”, apontou Liane. “Parece que, na privação do sono, as pessoas buscam alimentos que dão prazer. Estudos mostraram uma ativação maior de uma área do cérebro relacionada à recompensa. É como se a pessoa dissesse, ‘estou estressado, estou cansado, não dormi, eu mereço comer um docinho, uma coxinha’, algo assim...”
O estudo sobre sono, alimentação e saúde realizado pela pesquisadora em Campinas foi do tipo transversal – quando um recorte da população é examinado uma única vez. Houve 82 participantes, na maioria mulheres, divididos em dois grupos: os que habitualmente dormiam 6 horas ou mais e os que dormiam menos de 6 horas. O consumo alimentar foi avaliado em relação às 24 horas anteriores ao exame.
“A maioria dos trabalhos sobre sono é feita em laboratório, e é realizada com grupos pequenos de pessoas saudáveis, com 10, 15 pessoas, pessoas magras, com sono regular”, explicou a pesquisadora, apontando o diferencial de seu estudo. “E os trabalhos que têm análises transversais incluem, na maioria, trabalhadores noturnos, que já têm um metabolismo alterado”, acrescentou. “Já o meu trabalho incluiu pessoas que dormem à noite, nenhum trabalhador noturno foi incluído nessa pesquisa”.
“Nós utilizamos um questionário que avalia a qualidade do sono. Foi pelo relato das pessoas, baseado no último mês. Perguntamos: ‘Qual horário você costuma dormir? Quanto tempo você demora para dormir, em média? Qual o horário que você costuma acordar?’ O questionário avalia qualidade subjetiva do sono, latência do sono, que é tempo que a pessoa demora para dormir, duração do sono, a eficiência habitual do sono, distúrbios do sono e o uso de medicação para dormir”.
O grupo que dormia menos de 6 horas apontou maior consumo de gordura saturada, e mais gorduras em geral nas refeições noturnas. O grupo que dormia menos também consumia mais sucos industrializados adoçados, e a análise estatística dos dados encontrou uma correlação inversa entre consumo de refrigerantes com açúcar e horas de sono – ou seja, quanto menos horas, mais refrigerante.
“Os resultados apresentados mostraram que, na restrição habitual do sono (com menos de 6 h), os indivíduos apresentam menor porcentagem de massa magra, maior acúmulo de gordura corporal, pior qualidade do sono, consumo elevado de lipídios no jantar, consumo elevado de gordura saturada e de suco industrializado adoçado em 24 horas”, conclui essa parte da tese, que se divide em quatro artigos. “A duração do sono reduzida foi fator importante para o consumo elevado de calorias, e a qualidade do sono foi fator importante para o Índice de Massa Corporal”.
Outro dos artigos apresentados encontrou ainda uma relação entre a má qualidade do sono e a glicemia de jejum, um resultado de exame de sangue associado ao diagnóstico do diabetes. “O índice de qualidade do sono, que também avalia a duração do sono, foi fator importante para a glicemia de jejum, independente da obesidade”, afirma o trabalho. “A curta duração do sono e sua má qualidade estão associadas a mudanças na composição corporal (como aumento da gordura e redução de massa magra) e do perfil glicêmico”. A tese lembra que há estudos publicados associando a má qualidade do sono à resistência à insulina, que é um dos fatores ligados ao diabetes tipo 2.
Vitamina D
Outro fator envolvido na resistência à insulina, e estudado na tese de Liane, é a insuficiência de vitamina D. “As pessoas hoje tomam menos sol, fazem menos atividade ao ar livre, e com isso têm concentrações de vitamina D menores. A gente encontrou uma alta prevalência de insuficiência e deficiência de vitamina D. As pessoas dormem menos, se expõem menos ao sol e têm menores concentrações de vitamina D. E tanto o sono ruim quanto as baixas concentrações de vitamina D estão relacionadas à obesidade.”
A maior parte da vitamina D necessária para a saúde humana é produzida pelo corpo a partir da exposição da pele ao sol, enquanto que o restante (cerca de 20%) vem da alimentação. O trabalho de Liane com os voluntários no HC revelou um grau de exposição ao sol, no geral, bem baixo.
“Percebi com o meu trabalho que muitas pessoas não querem tomar sol de forma alguma, e as nossas opções de lazer hoje são em ambientes fechados, no fim de semana as pessoas vão ao shopping”, relatou. “E a produção da vitamina D se dá com os raios UVB, ou seja, o mesmo raio que causa câncer de pele. Essa é uma discussão entre endocrinologistas e dermatologistas. O que eu acho que se deve buscar é um meio termo, tomar sol com cautela”, sugere.
A parte da tese sobre a vitamina envolveu mais de 100 voluntários, entre pessoas de peso adequado e obesos, com glicemia normal e resistentes à insulina, também em sua maioria, mulheres, e constatou uma ligação entre resistência à insulina—chegando ao diabetes – e deficiência de vitamina D.
“A gente observou que a maioria das pessoas tem vitamina D insuficiente, e um dos fatores que contribui para essa vitamina D ser insuficiente, além da exposição ao sol, é a obesidade, porque a vitamina D é lipossolúvel”, disse a autora.
“Nas pessoas obesas que têm um acúmulo, excesso de gordura, as células adiposas sequestram a vitamina D. Observamos que as pessoas que têm mais gordura corporal têm menores valores da vitamina D, independente da exposição ao sol. E essa vitamina D reduzida é um fator que contribui para a resistência à insulina, comum no diabetes tipo 2 e que pode ser um sinal do começo do diabetes tipo 2”.
Mesmo os não-obesos estudados, no entanto, tinham níveis de vitamina D que eram baixos, muitas vezes apenas suficientes: com um nível normal de 31 nanogramas por mililitro de sangue (ng/mL), o estudo encontrou um máximo de pouco mais de 36 ng/mL.
Publicação
Tese: “Relação entre padrões de sono, concentrações de vitamina D, obesidade e resistência à insulina”
Autora: Liane Murari Rocha
Orientador: João Ernesto de Carvalho
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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