quinta-feira, 14 de julho de 2016

Fazenda em SP mostra viabilidade da agrossilvicultura de grande escala

A Fazenda da Toca, empresa privada de São Paulo, está demonstrando a viabilidade da agrossilvicultura — o cultivo de árvores em conjunto com culturas agrícolas ou com criação de animais — de grande escala, inclusive em terras com solo altamente degradado.

Segundo o Banco Mundial, o empreendimento pode pôr fim ao mito de que a agrossilvicultura em grande escala é demasiadamente cara e requer mão de obra intensiva para atrair o setor privado.
Fazenda Toca, em São Paulo, adota o cultivo de árvores juntamente a culturas agrícolas. Foto: Instagram

Por Gregor Wolf e Werner Kornexl

A pecuária e a agricultura têm sido os impulsores principais do desmatamento e da degradação da terra no Brasil, utilizando práticas de uso da terra às custas do meio ambiente, causando escassez de água, perda da biodiversidade e persistência da pobreza.

Não há dúvida de que a restauração da terra e das florestas para reparar os ecossistemas é urgentemente necessária no Brasil. Isso é sobretudo evidente no estado de São Paulo, onde a escassez da água, causada por uma seca prolongada e bacias hidrográficas degradadas, está ameaçando a metrópole de mais de 20 milhões de habitantes. Infelizmente, devido a percepções de que a restauração da terra é proibitivamente cara, as intervenções têm sido lentas.

No entanto, em uma fazenda em São Paulo é possível ver que há mudanças a caminho. Há novas evidências de que práticas de agrossilvicultura — o cultivo de árvores em conjunto com culturas agrícolas ou com criação de animais — desenvolvidas localmente oferecem sistemas de produção financeiramente viáveis, ao mesmo tempo restaurando o solo e a cobertura da vegetação em larga escala.

A Fazenda da Toca, empresa privada de São Paulo, está demonstrando a viabilidade da agricultura e agrossilvicultura de grande escala, inclusive em terras com solo altamente degradado. O local pode pôr fim ao mito de que a agrossilvicultura em grande escala é inviável, demasiadamente cara e requer mão de obra intensiva para atrair o setor privado.

O empreendimento está apto a demonstrar que as práticas de agrossilvicultura não somente restauram áreas degradadas, mas também são mais lucrativas do que as práticas agrícolas convencionais. Qual é o segredo de sua eficácia? Simples: não se trata de um enfoque ou de uma técnica únicos. Ao contrário, é uma combinação de intervenções, inteligentemente sequenciadas, que estão produzindo resultados positivos.

Os solos degradados são estabilizados com diferentes espécies de grama para aumentar a matéria orgânica, espécies exóticas de crescimento rápido proporcionam sombra e biomassa, ao passo que árvores frutíferas e espécies nativas de madeira de alto valor geram fluxo de caixa e retornos de longo prazo. Seguindo esses princípios — em variações e abordagens múltiplas — a agrossilvicultura na Fazenda da Toca já é lucrativa sem subsídios ou outros incentivos, mostrando que a atividade em larga escala é viável.

A Fazenda da Toca também experimenta inovações tecnológicas diferentes. Por exemplo, tem trabalhado em parcerias estratégicas para desenvolver tecnologias e criar equipamentos de agrossilvicultura mecanizada em parceria com empresas locais. Essa maneira de agir reduz custos e cria redes nacionais para divulgar técnicas e modelos de uso da terra financeiramente viáveis, preparando assim o cenário parar uma ampla adoção deste método.

Recentemente, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura — uma coalizão de mais de 100 parceiros privados, grandes empresas e ONGs — organizou um evento para discutir a forma de acelerar a ampliação do modelo Fazendo da Toca no estado e em outras áreas do país.

O objetivo da coalizão é contribuir para o recente compromisso do Brasil na COP21 de enfrentar os problemas de degradação da terra e dos recursos, bem como ajudar a cumprir até 2030 a meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares de terras degradadas, recuperando mais 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e assim melhorando outros 5 milhões de hectares de sistemas de cultivo-pecuária-silvicultura.

Um dos principais resultados desse processo singular — também aprendido de cultivos florestais de larga escala bem-sucedidos no sul do país — é o seguinte: a restauração não pode estar separada da agrossilvicultura produtiva ou de sistemas agrossilvopastoris, ou seja, o processo deve proporcionar aos agricultores renda em dinheiro logo no início do processo, ao mesmo tempo restaurando o solo e as funções ecológicas.

A experiência da Fazenda da Toca oferece um importante estudo de caso para a implementação do Desafio de Bonn, cuja meta é restaurar 150 milhões de hectares de terras desmatadas e degradadas do mundo até 2020 e 350 milhões até 2030. Até hoje, 31 países deram um passo à frente comprometendo-se a restaurar áreas degradadas. No entanto, há apenas alguns lugares em que esse esforço concentrado está em andamento, reforçado pela evidência de que a restauração em grande escala é financeiramente viável.

A estrutura normativa avançada do Brasil e o Código Florestal oferecem o contexto para essa meta desafiadora. No entanto, ainda precisam ser abordados: financiamento adequado, disponibilidade de sementes, mercados, conhecimento de genética e práticas de silvicultura de espécies nativas, bem como viabilidade financeira.

Experiências como a da Fazenda da Toca trazem a esperança de que o Brasil possa realmente ampliar a restauração, cumprindo as metas de restauração determinadas pelo Código Florestal, bem como cumprindo os compromissos estabelecidos em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas na COP21.

Da ONU Brasil, in EcoDebate, 14/07/2016

Estudo avalia efeitos distintos e limitações do manejo florestal sustentável

Resultados de pesquisas realizadas na Amazônia apontam limitações na eficácia de diretrizes de gestão de ecossistemas e de certificados internacionais (Foto:Manilkara bidentata/Wikimedia Commons

Por Peter Moon, Agência FAPESP

O Manejo Florestal Sustentável é um dos pontos basilares da Lei de Gestão de Florestas Públicas, aprovada pelo Congresso Nacional em 2006 como resposta ao desmatamento crescente que ocorria à época no Cerrado e, principalmente, na Amazônia.

A nova legislação contribuiu decisivamente para a redução do desmatamento na Amazônia Legal, que caiu dos 27.700 km2 de floresta derrubada em 2004 para a mínima histórica de 5.000 km2 em 2014, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – embora, em 2015, o desmatamento tenha voltado a subir, atingindo 5.800 km2.

O Ministério do Meio Ambiente define o Manejo Florestal Sustentável como “a administração da floresta para obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo”.

A estratégia prevê a retirada seletiva de espécies de valor comercial em quantidade limitada, preservando as árvores jovens, por exemplo. Também é obrigatória a retirada prévia das lianas, os cipós e a vegetação aérea que crescem entre as árvores, evitando assim que a derrubada de um indivíduo arraste outras árvores consigo.

Estas e outras medidas buscam reduzir ao máximo o impacto da atividade madeireira nas florestas nacionais. Assim mesmo, o impacto existe. Como fazer para quantificá-lo e qualificá-lo? Esta foi a tarefa de um grupo de ecologistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Os primeiros resultados foram publicados no Forest Ecology and Management. O estudo tem apoio da FAPESP.

“Queríamos entender como o manejo sustentável agia sobre espécies arbóreas de uso comercial e também aquelas não madeireiras”, disse Flavio Antonio Maës dos Santos, do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp. O estudo foi levado a cabo por sua então doutoranda, Maria Rosa Darrigo.

Para entender a ação do manejo florestal no médio e no longo prazo, os pesquisadores selecionaram glebas de floresta em Itacoatiara, no Amazonas, a 250 km de Manaus. A área, uma reserva florestal com 506 mil hectares, é explorada por empresa desde 1995 de acordo com diretrizes da Forest Stewardship Council (FSC), organização não governamental que estabelece padrões internacionais de manejo florestal sustentável.

As glebas florestais estudadas foram exploradas em 1996, 2002 e 2005. Os dados dos efeitos do manejo sobre as espécies vegetais e o solo foram coletados entre 2007 e 2009, fornecendo um painel de regeneração florestal efetiva de dois, cinco e 11 anos desde o manejo. Todos os dados foram comparados aos de uma área de controle não explorada.

Foram estudadas sete espécies arbóreas. Elas são comuns em todas as áreas estudadas: acariquara (Minquartia guianensis), cupiúba (Goupia glabra), maparajuba (Manilkara bidentata), maçaranduba (Manilkara huberi), Pouteria anomala, Protium hebetatume angelim-rajado (Zygia racemosa). Essas espécies representam um amplo conjunto de características, incluindo tamanho, densidade da madeira e estratégias reprodutivas.

“A partir de todos esses dados conseguimos comparar o que estava acontecendo com os indivíduos daquelas sete espécies nas áreas investigadas”, disse Santos. Um exemplo é a abertura de clareiras na mata. Mesmo depois de 11 anos, não se observou uma recuperação total da cobertura vegetal nas áreas onde a derrubada manejada de árvores abriu clareiras.

Daí decorre uma segunda evidência: a quantidade de luz que incide sobre a vegetação na clareira. As plantas pequenas mostraram uma taxa de crescimento maior do que as demais, pois o acesso à luz é um fator determinante de crescimento.

Por outro lado, se a taxa de crescimento das plantas pequenas aumentou, sua mortalidade seguiu o mesmo rumo. E de forma acelerada. “A taxa de mortalidade das plantas pequenas subiu de duas a três vezes, quando comparada às mesmas plantas na área de controle”, disse Santos. A resposta a essa disparidade pode estar nas alterações sofridas no ambiente após o manejo, com a mudança na frequência de indivíduos de determinadas espécies em relação às outras.

Uma outra causa de mortalidade observada foi a queda de árvores. Segundo Santos, “nas áreas manejadas quem cresce mais são as espécies com densidade de madeira menor, portanto mais sujeitas à queda. Em princípio, o que pareceria benéfico às plantas menores, o aumento do acesso à luz, na verdade não ocorre”.

Composição do solo

Outra constatação dos pesquisadores foi a alteração na composição do solo nas áreas manejadas em comparação com a área de controle. Nos primeiros dois anos após o manejo, a fertilidade do solo se manteve comparável à da área de controle. Depois desse período, a fertilidade caiu cerca de 30%. Boa parte da manutenção da fertilidade nas áreas de manejo se deve à decomposição das árvores derrubadas para a abertura de trilhas por onde são transportadas as toras comercializáveis, por exemplo. Após dois anos do manejo, quando a decomposição dessa mata derrubada se completa, a fertilidade das áreas manejadas declina.

Uma das conclusões do trabalho é que os efeitos do manejo florestal sustentável não são iguais para todas as espécies. Algumas são mais afetadas do que as outras. Algumas crescem mais do que as outras. Essa constatação por si só é extremamente importante para entendermos as limitações da eficácia das diretrizes e dos certificados internacionais de manejo florestal.

“Se essas estratégias fossem de fato sustentáveis, seria de se esperar a manutenção das populações de todas as espécies ao longo do tempo. Mas não é isso o que acontece”, disse Santos. “O que constatamos foi que, tanto na área manejada há 11 anos, quanto na área manejada há cinco anos, ocorreu uma redução das populações no tempo.”

Uma possível resposta é a retirada das árvores adultas, que são justamente as fontes de sementes para a germinação de novas gerações de árvores. “Manejo sustentável é, sem dúvida, muito melhor do que a terra arrasada pelo desmatamento generalizado”, afirmou Santos. “Só que dizer que isso é sustentável, não dá para afirmar.”

Maria Rosa Darrigo é mais específica. “A exploração manejada, no caso deste estudo, realmente causou mudanças na trajetória de recomposição da floresta, que não são consideradas nos planos de manejo florestal sustentável. O que temos, de fato, é uma exploração de baixo impacto. Da forma que estamos fazendo, ainda não podemos chamá-la de sustentável, mas isso não quer dizer que não houve avanços na forma de se explorar as espécies madeireiras, uma vez que o impacto é comparativamente menor do que o causado pelos métodos tradicionais. O que precisamos entender e aceitar é que a floresta tem o seu próprio tempo de desenvolvimento, e o mercado precisa se adaptar a esse tempo natural.”

O artigo Effects of reduced impact logging on the forest regeneration in the central Amazonia (doi: 10.1016/j.foreco.2015.10.012), publicado por Santos, Darrigo e Eduardo Martins Venticinque em Forest Ecology and Management, pode ser lido em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378112715005678.

in EcoDebate, 14/07/2016

Pesquisador da Ensp/Fiocruz, analisa as perspectivas futuras e o sistema de saúde a partir do conceito de ‘injustiça ambiental’

Do Saúde Amanhã / Fiocruz

“Precisamos desnaturalizar o tema dos desastres ambientais e reconhecer a determinação social desses eventos”, alerta Marcelo Firpo Porto, pesquisador do Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz). Nesta entrevista para o Saúde Amanhã, ele analisa as perspectivas futuras para o Brasil e o sistema de saúde a partir do conceito de “injustiça ambiental”, decorrente das profundas desigualdades sociais do país. “Apenas com o fortalecimento da democracia e a adoção de um modelo de desenvolvimento focado na justiça socioambiental e em uma outra economia, mais solidária e sustentável, será possível superar a atual situação. Caso contrário, a injustiça ambiental se deflagará de forma sistêmica no país”, defende.

Saúde Amanhã: Como o conceito de “injustiça ambiental” está relacionado à saúde e à qualidade de vida?

Marcelo Porto: O termo “injustiça ambiental” se relaciona com qualidade de vida e condições de trabalho ao se referir a uma distribuição desigual dos riscos e cargas ambientais decorrentes do processo de desenvolvimento de uma sociedade. Essa desigualdade é socioambiental e tem implicações nas iniquidades em saúde. O modelo brasileiro de desenvolvimento, baseado na venda de commodities, seja pelo agronegócio ou pela mineração, leva a uma distribuição desigual dos riscos decorrentes destes investimentos. O mesmo vale para projetos como Copa do Mundo ou Olimpíadas, em que comunidades e populações vulneráveis recebem mais intensamente as cargas dos riscos que outros grupos sociais. Os recentes conflitos ambientais na América Latina e, especificamente, no Brasil revelam que empreendimentos como esses afetam comunidades camponesas, indígenas, quilombolas e populações de baixa renda, que vivem nas periferias das grandes cidades. Essas pessoas acabam apresentando mais problemas de saúde e, assim, os riscos ambientais tornam-se um agravante à baixa qualidade de vida.

Há, ainda, um outro lado extremamente importante do ponto de vista da saúde, embora essa relação seja menos direta: o elo entre a identidade grupal, social e comunitária dessas populações e o território. Existe uma cosmovisão que tem a ver com o ecossistema. Há um conjunto de rituais e uma espiritualidade que são completamente destruídos quando determinados empreendimentos chegam. A recente tragédia em Mariana, Minas Gerais, quando houve a destruição do Rio Doce, é um exemplo. De alguma maneira, representou a destruição da cosmovisão do povo indígena Krenak. Como consequência houve a perda de identidade, decorrente do processo que chamamos de desterritorialização. Infelizmente, é bem comum que investidores internacionais ou transnacionais, articulados ao Governo Federal ou a políticas públicas estaduais, interfiram nos territórios sem que as populações que historicamente vivem ali participem das decisões ou ao menos sejam consultadas. Assim, as comunidades acabam recebendo somente o lado negativo desses investimentos.

Saúde Amanhã: O senhor defende que desastres ambientais não são naturais e sim consequência de determinados contextos histórico-sociais.

Marcelo Porto: Já se reconhece, há muito tempo, que as mudanças climáticas e os eventos extremos são agravados pelo uso intensivo de combustíveis fósseis, pelos desmatamentos e pela elevada emissão de gás carbônico. Ou seja: têm uma origem social, humana, relacionada ao modelo de sociedade. Não são eventos “naturais” – este é um nome estranho. Ao mesmo tempo, há uma ocupação de territórios orientada por questões de renda. As pessoas frequentemente vão morar em áreas de risco porque não existem políticas públicas que deem a elas outra opção – e essa ocupação acaba se consolidando. Nas chuvas que devastaram a Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, a principal tragédia foi o desvio de recursos que foram liberados, mas nunca chegaram às pessoas que perderam tudo.

Os desastres tecnológicos, por sua vez, também são tidos como naturais, como aconteceu em Mariana. O conjunto de empresas que trabalha na mineração passa a explorar um território mais amplo e uma quantidade maior de minério de ferro e, em vez de fazer a reciclagem adequada dos resíduos, simplesmente os estoca nas colinas, em barragens. Isso é um absurdo, porque já existem alternativas viáveis. Com o passar do tempo e com a crise econômica, os critérios de aferição, monitoramento e gestão de risco se degradam e tragédias se tornam uma questão de tempo. Nada disso é “natural”. Precisamos desnaturalizar o tema dos desastres ambientais e reconhecer a determinação social desses eventos.

Saúde Amanhã: Nesse contexto, quais as perspectivas para o Brasil nas próximas décadas?

Marcelo Porto: Não há boas perspectivas. Serão momentos de muita luta, de resistência e, ao mesmo tempo, de muita dificuldade, sobretudo se as forças políticas conservadoras continuarem aumentando sua influência no Congresso Nacional e na sociedade. O atual modelo de desenvolvimento do país é, por si só, uma ameaça. Commodities estão sujeitas à flutuação de preços e, quando seu valor cai abruptamente, investimentos em segurança, gestão ambiental e proteção dos trabalhadores são os primeiros a serem cortados. Essa dinâmica ficou evidente durante as investigações da tragédia-crime em Mariana. Apenas com o fortalecimento da democracia e a adoção de um modelo de desenvolvimento focado na justiça socioambiental e em uma outra economia, mais solidária e sustentável, será possível superar a atual situação. Caso contrário, a injustiça ambiental se deflagará de forma sistêmica no país.

Outra ameaça é a tendência global à flexibilização da legislação ambiental e ao aumento da autorregulação pelas próprias empresas. Uma das frentes de retrocesso que ocorrem neste momento em nosso país é a PEC 65/2012, em tramitação no Senado, que extingue o licenciamento ambiental para obras públicas. A medida é absurda, mas não é a única. Apenas um mês após a tragédia em Mariana, mesmo com toda a repercussão global do caso, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou um projeto de lei no mesmo sentido. Há, ainda, a PEC 3.200/2015, que tramita na Câmara dos Deputados e, se aprovada, extinguirá toda a legislação de controle de agrotóxicos – substituindo o termo pelo conceito de “defensivo fitossanitário”. Na prática, serão alteradas as responsabilidades de liberação do uso dessas substâncias – o que terá efeitos diretos sobre a saúde da população brasileira.

Saúde Amanhã: O que pode ser feito no presente para que, no horizonte dos próximos 20 anos, o Brasil possa ser um país mais justo, do ponto de vista ambiental?

Marcelo Porto: Embora o cenário seja negativo, existem iniciativas boas acontecendo. Na Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), temos trabalhado a questão territorial com outras organizações sociais, construindo juntos encontros para pensarmos grandes temas que contemplem, em especial, os agricultores familiares. Avançamos muito nessa abordagem e, entre outras ferramentas, temos adotado as caravanas territoriais: incursões que reúnem instituições, governos e militantes, acadêmicos ou não, para conhecer os territórios. Investigamos desde os conflitos, estratégias de resistência e denúncias de violações de direitos até a agenda positiva de transformações que já estão em andamento nesses locais: tradições agroecológicas, agricultura sem uso de veneno, economia solidária e experiências de feiras que são muito mais que uma forma de reduzir a força dos atravessadores e aumentar a renda das famílias, mas são também eventos políticos. Nosso desafio, agora, é levar essas discussões para o meio urbano.

in EcoDebate, 11/07/2016

Paulo Freire, ‘fome e sede’, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)

Paulo Freire. Foto: EBC

[EcoDebate] Nem no túmulo Paulo Freire deixará seus inimigos em paz. Eles o veem pela janela, pelas palavras, no vento, no sol, nos sonhos e pesadelos, inclusive o governo aí posto.

Não é sem razão. A leitura de mundo que ele tanto defendia é radicalmente diferente do letramento. Ler a sociedade brasileira, sua construção histórica, o papel das classes, de cada etnia, o significado da cor no Brasil, traz efetivamente desconforto para muitas pessoas, inclusive para cada um de nós.

Quando voltou do exílio, ele veio várias vezes aqui para a região de Juazeiro, a convite de D. José Rodrigues, até hoje considerado o “bispo dos excluídos”, ou “o profeta do Semiárido”. Passava semanas conosco, numa boa roda de conversa, como se fosse mesmo numa roda de bar. Não havia praticamente hora para acabar e ninguém queria sair dali. Um dia, cansado, ele disse: “agora vou sair. Quero ver também os passarinhos e as plantas”.

Hoje me sinto na obrigação de dar um testemunho pessoal.

Quando cheguei ao sertão – vínhamos em grupo -, janeiro de 1979, a paróquia de Campo Alegre de Lourdes nos colocava nas comunidades para “formar comunidades, fazer educação política e alfabetizar as crianças”. Então, na comunidade do Pajeú, durante uns 20 dias, eu tentava ensinar as crianças a ler pelas palavras geradoras “fome e sede”. Era a realidade do sertão daquele tempo. Hoje melhorou pelo menos 80%.

Passaram-se quase 40 anos daqueles dias. Então, abastecendo o carro num posto de gasolina de Casa Nova, uma mulher desceu de uma vã e veio diretamente na minha direção. Ela disse: “você é o Gogó”. Respondi: “sim”. Ela continuou: “você me reconhece? ” Eu respondi que lembrava dela, mas não me recordava de onde. Então ela disse: “você me alfabetizou quando eu era criança lá no Pajeú. Eu sou uma das gêmeas”.

Então, me recordei dela criança instantaneamente. Univitelinas, ela e a irmã estavam todos os dias nas aulas.

Confesso que a surpresa foi total. Eu não acreditava que aqueles poucos dias eram suficientes para iniciar alguém nas primeiras letras. Mas, não era só o que ela queria dizer, e concluiu: “estou fazendo faculdade em Petrolina e tudo começou com aquelas primeiras letras”.

O Brasil e o mundo devem muito a Paulo Freire, talvez acima de qualquer imaginação. O Papa Francisco disse à viúva dele que já leu “Pedagogia do Oprimido”. Paulo Freire será sempre um fantasma a assombrar aqueles que querem perpetuar sociedades opressivas. Aprender a ler o mundo é sempre um perigo.

O que o governo Temer quer fazer com a pessoa de Paulo Freire é do tamanho da própria insignificância.


Roberto Malvezzi (Gogó), Articulista do Portal EcoDebate, possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.

in EcoDebate, 13/07/2016
"Paulo Freire, ‘fome e sede’, artigo de Roberto Malvezzi (Gogó)," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/07/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/07/13/paulo-freire-fome-e-sede-artigo-de-roberto-malvezzi-gogo/.

Consumo consciente, Parte 4/4 (Final), artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] A lógica hegemônica é a do “desuso acelerado” e da “obsolescência programada”, na qual os produtos são feitos para não durar, o que permite que as empresas inovem ou “maquiem” e lancem continuamente novos artigos.

A autopoiese sistêmica dominante necessita ser alterada. Pois hoje só o consumismo garante a manutenção dos círculos virtuosos da sociedade. Aumento de consumo gera maiores tributos, maior capacidade de intervenção estatal, maior lucratividade organizacional e manutenção das taxas de geração de ocupação e renda.

O consumismo precisa ser substituído pela ideia de satisfazer as necessidades dentro de ciclos. A lógica econômica varreu todo ideal de permanência, é a regra do efêmero que governa a produção e o consumo de objetos.

Os produtos são estudados para que não tenham durabilidade. Ocorre valorização do descartável que, segundo BAUMANT (2008), “tende a ser preconcebida, prescrita e instilada nas práticas dos consumidores mediante a apoteose das novas ofertas (de hoje) e a difamação das antigas (de ontem)”.

A sociedade de consumidores desvaloriza a durabilidade. Tudo que é “velho” passa a ser “defasado”, cujo destino é o descarte. Isto vale não só para bens e produtos, mas também para as relações afetivas.

Todo esse lixo é resultante de um sistema dinâmico por natureza que cria novas maneiras de acumulação; ou seja, o sistema está sempre se modificando para sustentar e ampliar suas relações (SABADINI, 2013).

Ao se olhar a história, podemos observar uma evolução na qual a mercadoria, ou seja, o valor do produto evoluiu em favor do movimento sistêmico. Com a forma dinheiro, um representante mais desenvolvido do valor e do fetiche, uma substantivação do valor se desenvolvem significativamente, passando a um nível mais elevado de abstração; na representação contraditória e profunda da natureza do sistema de consumismo. O dinheiro expressa o signo das relações sociais, políticas e econômicas entre os indivíduos.

É um dos instrumentos de dominação, de exploração, de reificação das relações humanas identificadas ao caráter inanimado e quantitativo das mercadorias. (SABADINI, 2013, p. 588).

Como consequência, ao lado da sociedade de consumidores floresce uma rentável indústria de remoção e tratamento do lixo. Porém, não é possível antever se a indústria da reciclagem, um nicho emergente de negócio, dará conta de lidar com esta “estética do descartável”, pois, por mais ativa que seja, há sempre o fenômeno da aceleração dos padrões de descartabilidade.

A solução vai muito mais além do que o reuso ou reciclagem de resíduos, mas passa primordialmente por uma revisão existencial (ética) sobre o modo com que a sociedade de consumo adquire e descarta tão rapidamente as coisas.

Se a reciclagem está aumentando, o mesmo se dá com o lixo. Neste contexto de efemeridade e descartabilidade, o consumo consciente assume ares de utopia ou de medida paliativa.

ALENCASTRO et. al. (2014) assinala que é factível que as pessoas possam se fortalecer politicamente e atuar de forma mais efetiva sobre os padrões de produção e consumo, mas a dúvida é se realmente desejam, ou podem, fazer isto.

Seguindo PÁDUA (1992, p. 59), “vive-se hoje num dilema histórico: o crescimento da consciência do planeta e, ao mesmo tempo, a vontade de consumir”. É uma situação ambígua e complexa, pois, ao lado de uma explosão do consumismo, da vontade do mercado, coexiste uma explosão da vontade de preservar o planeta.

É uma contradição que pode ser vista até em encontros de ambientalistas, nos quais os telefones celulares e notebooks de última geração, bem como as grifes da moda, ocupam o mesmo espaço dos discursos mais radicais em defesa do meio ambiente.

Sendo assim, como é possível reformular o atual modelo de consumo, cujo padrão ideal está baseado nos valores norte-americanos propagados e sacralizados pela mídia e adequá-lo a padrões mais aderentes à sustentabilidade planetária?

É uma questão complexa, um desafio para a reflexão daqueles envolvidos com a problemática socioambiental. Para muitos, um problema sem solução, já que o mundo estaria completamente “hipnotizado” por este estilo de vida.

Para outros tantos um desafio a ser superado com ousadia e criatividade. É o caso dos “Adbusters”, ativistas canadenses que protestam contra a invasão das corporações na vida das pessoas num momento em que tudo virou mídia e publicidade.

O “dia de não comprar nada”, um boicote coletivo ao mercado, é uma iniciativa deste grupo. Iniciado no Canadá em 1992, o “dia de não comprar nada” já é comemorado em 38 países.

O compartilhamento dos manifestantes nos quatro cantos do mundo é o protesto contra a produção e o consumo exagerado de mercadorias e a destruição humana e ambiental provocada pelas sociedades de consumo. É um dia em que, para desespero do mercado, a roda do consumo gira de forma mais lenta.

A civilização humana vai acabar determinando nova autopoiese sistêmica, na acepção livre das concepções de Niklas Luhmann e Ulrich Beck, que contemple a solução dos maiores problemas e contradições exibidas pelo atual arranjo de equilíbrio.

Os movimentos sociais apresentam a distorção sistêmica de articular mudanças ideológicas como se fossem soluções para questões ambientais. Mas uma nova autopoise sistêmica para o arranjo social, é urgente e precisa ser desenvolvida pela civilização humana.

Esta mudança deve começar logo, juntando as lutas singulares, os esforços diários, os processos de auto-organização e as reformas para retardar a crise, com uma visão centrada numa mudança de civilização e uma nova sociedade em harmonia com a natureza.

Não é preciso esperar catástrofe ecológica ou hecatombe civilizatória para determinar nova autopoiese sistêmica. Nada foi mais deletério em causar a maior catástrofe ambiental do planeta do que a falta de liberdade e imprensa livre dos ditos regimes socialistas.

Referências:

ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. A dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.114.

ALTVATER, Elmar. O preço da riqueza. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

BERTÉ, Rodrigo. Gestão Socioambiental no Brasil: uma análise ecocêntrica. Editora Intersaberes, 2013: Curitiba – PR

DE ARAÚJO, Geraldino Carneiro et al. Sustentabilidade empresarial: Conceito e indicadores. Anais do 3 Congresso virtual brasileiro de administração. 2006. 3 Ver http://adbusters.org/home/

DE OLIVEIRA CLARO, Priscila Borin; CLARO, Danny Pimentel; AMÂNCIO, Robson. Entendendo o conceito de sustentabilidade nas organizações. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, v. 43, n. 4, 2008.

DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação: de como a autonomia das novas tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2.ed. São Paulo: Editora UNESP, 2001.

GORZ, André. Metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. São Paulo: Annablume, 2003.

LEFF, Enrique. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Cia das Letras, 2009.

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973. p. 24 e 27.

MONTIBELLER FILHO, Gilberto. O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias. Florianópolis: Ed. UFSC, 2004.

PÁDUA, José Augusto de. Valores pós-materialistas e movimentos sociais: o ecologismo como movimento histórico. In: UNGER, Nancy Mangabeira (Org.). Fundamentos filosóficos do pensamento ecológico. São Paulo: Edições Loyola, 1992.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

ALENCASTRO, Mario Sergio Cunha. EBERSPACHER, Aline Mara Gumz. KRAETZ, Guisela Kraetz. BERTÉ, Rodrigo. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E CONSUMO CONSCIENTE: ALGUMAS REFLEXÕES Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade. Ed. Especial, vol. 7, n. 3, p. 738 – 752, jul – dez 2014

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

** Artigos anteriores desta série:




in EcoDebate, 13/07/2016
"Consumo consciente, Parte 4/4 (Final), artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/07/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/07/13/consumo-consciente-parte-44-final-artigo-de-roberto-naime/.

Nove dicas para evitar o consumismo infantil

Por Fundação Maria Cecília Souto Vidigal / Portal EBC

Mas por que será que o consumismo é tão nocivo para os pequenos? Porque as crianças, motivadas pelos apelos de mercado – e sem a maturidade necessária –, se tornam consumidoras desde cedo, o que não é necessário, gerando impactos no seu desenvolvimento físico, cognitivo e emocional, além de contribuir para ampliar problemas como obesidade infantil, erotização precoce, consumo de álcool e tabaco, estresse familiar, violência e falta de um brincar livre.

Por isso, vamos compartilhar nove dicas para ajudar a combater esse consumismo precoce, extraídas do site Criança e Consumo:

– Procure reduzir o tempo de TV da criança

– Busque canais de TV e páginas da internet livres de publicidade

– No intervalo comercial, sugira colocar no mudo e ensine as crianças a importância disso

– Substitua o tempo de TV por tempo juntos e passeios ao ar livre

– Reduza o próprio tempo de TV, tablet e smartphone (telas em geral)

– Informe às pessoas que passam tempo com seus filhos sobre sua intenção de reduzir o tempo de telas dos pequenos

– Comente com as crianças sobre as publicidades que encontrar pelas ruas e nos ambientes que frequenta para estimular uma visão crítica

– Ensine a criança a diferenciar o programa do intervalo comercial

– Brinque com as crianças de encontrar publicidade e marcas em lugares improváveis – clipes de música, filmes, livros e outros.

O supermercado é uma vitrine de tentações para a criança e um espaço educativo riquíssimo. Ela pede balas, chocolates, refrigerantes… O adulto pode explicar os males que tais produtos fazem à saúde e indicar o que é melhor consumir e se precisa mesmo consumir.

Introduzir a criança à prática de ler rótulos, desde pequena, é uma boa estratégia. Os pequenos ouvirão o que o adulto vai ler para eles. Os maiores já dominarão algumas palavras e essa troca, esse bate-bola sobre o que é adequado ou não, é uma maneira eficaz de combater a obesidade, por exemplo.

Sugerimos que você assista ao filme “Criança, a alma do negócio”, para entender melhor o problema do consumismo na infância e compartilhar com todo mundo. A direção é da Estela Renner, que também dirigiu o filme “O Começo da Vida”.

Mais uma sugestão é você ler (ou reler) a entrevista exclusiva que Mario Cortella concedeu ao blog, em que ele faz um paralelo entre a publicidade e o consumo infantil.

in EcoDebate, 11/07/2016

Refrigerante é sexto alimento mais consumido por adolescentes, mostra pesquisa

Refrigerantes: Foto: EBC

O refrigerante ocupa o sexto lugar na lista dos 20 alimentos mais consumidos por adolescentes brasileiros, à frente de hortaliças e frutas. Os dados fazem parte do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes, divulgado ontem (7) pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A pesquisa, de âmbito nacional de base escolar, tem como objetivo estimar a prevalência do diabetes, da obesidade, de fatores de risco cardiovascular e marcadores de resistência à insulina e inflamatórios entre adolescentes. Foram avaliadas 71.791 informações passadas por jovens de 1.247 escolas de 124 municípios.

Os dados mostram que a dieta dos adolescentes brasileiros é caracterizada pelo consumo de alimentos tradicionais, como arroz (82%) e feijão (68%), e também pela ingestão elevada de bebidas açucaradas (56%) e alimentos ultraprocessados, como refrigerantes (45%), salgados fritos e assados (21,8%) e biscoitos doces e salgados.

Esse padrão de alimentação, de acordo com o ministério, está associado à elevada inadequação da ingestão de cálcio, vitaminas A e E e também ao consumo excessivo de ácidos graxos saturados, açúcar livre e sódio. Os números indicam, por exemplo, que mais de 80% dos adolescentes consomem sódio acima dos limites máximos recomendados (5 gramas por dia).

A prevalência do consumo de frutas nessa faixa etária é considerada baixa, sendo que esse tipo de alimento aparece entre os 20 mais consumidos apenas entre meninos de 12 anos a 13 anos (18%). O café ficou entre os cinco alimentos mais consumidos no Norte, com 64%, enquanto o feijão é o segundo alimento mais consumido no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. No Sul, há prevalência no consumo de refrigerantes (51%).

Obesidade e sobrepeso

A pesquisa revela que 17,1% dos adolescentes de 12 anos a 17 anos estão com sobrepeso, enquanto 8,4% foram avaliados como obesos. Os meninos aparecem em maior porcentagem – 10,8% contra 7,6% entre as meninas.

Comportamento

Ainda de acordo com o estudo, 56,6% dos adolescentes brasileiros fazem refeições sempre ou quase sempre em frente à televisão. O índice é mais elevado entre alunos de escolas públicas. A pasta alertou que o fator é significativamente associado ao menor consumo de frutas e verduras e ao maior consumo de salgadinhos, doces e bebidas de elevado teor de açúcar.

Em relação à prevalência, 73,5% dos adolescentes afirmaram passar duas ou mais horas por dia em frente às telas (televisão, vídeo game e computador). O hábito se mostrou mais frequente entre meninos, alunos de escolas particulares e da Região Sul. No Norte, o índice é 48% e, no Centro-Oeste, 62%.

Além disso, menos da metade (48,5%) dos adolescentes disseram que sempre ou quase sempre tomam café da manhã, enquanto 21,9% nunca fazem a refeição matinal. Sobre o hábito de comer em família, 68% informaram que sempre ou quase sempre fazem refeições com os pais ou responsáveis. O estudo também identificou que 48,2% dos adolescentes consomem cinco ou mais copos de água por dia.

Por Paula Laboissière, da Agência Brasil, in EcoDebate, 08/07/2016

Paraíba sedia programas para conservação de espécies marinhas ameaçadas e de mapeamento do fundo oceânico

Pesquisadores esperam mapear em dois anos todas as formações recifais que estão na faixa litorânea entre Cabedelo e João Pessoa
Pesquisador realiza as medidas dos tubarões: largura, comprimento e tamanho da nadadeira caudal. (Fotos: PEOA/Divulgação)

O Estado da Paraíba ganhou dois novos projetos que possibilitarão a conservação de espécies marinhas ameaçadas de extinção e a ampliação e mapeamento de 100 mil hectares do fundo oceânico que ajudarão no monitoramento das Áreas Protegidas no litoral paraibano. Os projetos, que fazem parte do Programa Extremo Oriental das Américas (PEOA), objetiva fomentar a relação entre o conhecimento científico e a formulação de políticas públicas conservacionistas em escala regional.

Liderados por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, os projetos são financiados principalmente pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e contam com o apoio administrativo do CEPAN (Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste) e logístico da Mar Aberto Dive Center.

Segundo Orione Álvares da Silva, analista ambiental do ICMBio e um dos coordenadores,“o PEOA está orientado para a geração de conhecimento científico diretamente aplicado à conservação, onde são observados os marcos legais já existentes, como as Metas de Aichi e o Decreto do Governo da Paraíba, que prevê a ampliação de áreas marinhas protegidas (nº 35.750/2015).

Já o Prof. Bráulio Santos, do Departamento de Sistemática e Ecologia da UFPB, também coordenador do PEOA, acredita que “sem conhecimento técnico-científico sólido e atualizado, é pouco provável que nossas ações de conservação sejam efetivas e cumpram sua função socioeconômica”.

Tubarão-Lixa

O Projeto de Conservação do Tubarão-lixa (Ginglymostoma cirratum), na costa da Paraíba, que tem como responsável técnico o Prof. Ricardo Rosa da UFPB, está realizando o monitoramento do tubarão-lixa, espécie ameaçada de extinção, em três naufrágios e três recifes naturais. Todos os tubarões encontrados são identificados individualmente através de fotografias subaquáticas e marcas naturais, o que permitirá saber por onde eles se deslocam, seus locais de descanso e alimentação, sua quantidade e sexo. Com base nesses resultados, pretende­-se elaborar recomendações de conservação do tubarão-­lixa, que sigam as ações do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Elasmobrânquios Marinhos (PAN­Tubarões).

Outro aspecto importante do Projeto é a participação de pescadores artesanais e praticantes do mergulho recreativo no processo de construção do conhecimento, incluindo-os em um programa de cidadão cientista, que objetiva a popularização da ciência.

Fundo Oceânico

O Projeto Caracterização de Ecossistemas Recifais Mesofóticos, está realizando o mapeamento de ecossistemas recifais de até 90 m de profundidade, pouco conhecidos pela ciência, utilizando equipamentos (sonares) de última geração, capazes de gerar imagens 3D com qualidade e realismo. A área mapeada pelo projeto poderá superar a 100 mil hectares e será útil para subsidiar a criação de unidades de conservação na costa da Paraíba. Este trabalho conta com a colaboração do Programa de pós-graduação em Geodinâmica e Geofísica da UFRN e do Programa de pós-graduação em Oceanografia da UFPE.

Além disso, a fauna marinha está sendo registrada por um ROV (Veiculo Operado Remotamente) capaz de gerar imagens ao vivo e em alta resolução dos seres vivos e do fundo do mar em profundidades de até 100 metros. Com isso, os pesquisadores esperam mapear em dois anos todas as formações recifais que estão na faixa litorânea entre Cabedelo e João Pessoa.

Colaboração de Aldo Sergio Vasconcelos, in EcoDebate, 08/07/2016

Pesquisa comprova viabilidade do cultivo da palma forrageira no semiárido

Cactácea é a principal fonte de alimento dos rebanhos, principalmente nos longos períodos de estiagem. Além da produtividade, pesquisa desenvolvida no Insa também analisou a qualidade do solo após o plantio.
Pesquisador João Macedo Moreira trabalha na pesquisa sobre a produtividade da palma forrageira. Crédito: Instituto Nacional do Semiárido

Uma pesquisa desenvolvida no Instituto Nacional do Semiárido (Insa) comprovou a viabilidade do plantio da palma forrageira na região, o que confirma sua importância como principal fonte de alimento dos rebanhos, sobretudo nos longos períodos de estiagem. O estudo analisou a produção e a absorção de nutrientes no cultivo de três variedades de palma nos municípios de Condado e Riachão, no sertão da Paraíba. Um ano após o plantio, as duas cidades registraram uma produção de 3,5 mil quilos e 1,5 mil quilos de palma por hectare, respectivamente.

“Os agricultores ficaram bastante motivados, porque viram que é possível produzir a palma ali. A pesquisa nos deu condição de levar informações a partir da base científica”, afirmou o pesquisador João Macedo Moreira, pós-graduando em ciência do solo pela Universidade Federal da Paraíba.

Ele ressaltou ainda que o plantio da palma exige cuidados específicos, pois é uma cultura que retira uma grande quantidade de nutrientes do solo, o que também foi analisado na pesquisa. Em Condado, por exemplo, a massa seca acumulou cerca de 1,325 kg de Carbono (C), 20 kg de Fósforo (P) e 391 kg de Potássio (K). As quantidades retiradas são consideradas bastante elevadas, principalmente para Fósforo e Potássio.

“Em uma situação sem reposição de nutrientes, será reduzida drasticamente a fertilidade do solo. Portanto, para que sejam apresentadas condições de fertilidade de solo ideais para o cultivo de palma, é de fundamental importância o conhecimento dos principais nutrientes demandados por essa cultura.”

Até o ano passado, o Insa já havia distribuído 2,7 milhões de mudas da palma para pequenos produtores rurais pelo Projeto de Revitalização da Palma Forrageira. O projeto começou em 2012 com a implantação de 26 campos de pesquisa e multiplicação da palma. A expectativa é que 5 milhões de mudas sejam distribuídas aos agricultores do semiárido.

Fonte: Insa

in EcoDebate, 07/07/2016

Combater desmatamento é insuficiente para conservar a biodiversidade da Amazônia

Trabalho publicado na Nature tem como um dos autores o professor Silvio Ferraz, do Departamento de Ciências Florestais da Esalq

Esforços internacionais visando à conservação de espécies das florestas tropicais irão falhar se não levarem em consideração o controle da exploração madeireira ilegal, de incêndios florestais e da fragmentação de áreas remanescentes. Esta é a conclusão de um estudo inovador, que acaba de ser publicado na Nature, a principal revista científica internacional.

O estudo Anthropogenic disturbance can be as important as deforestation in driving tropical biodiversity loss (Perturbação antropogênica pode ser tão importante quanto o desmatamento na condução de perda de biodiversidade tropical) mediu o impacto geral das perturbações florestais mais comuns – o que inclui exploração madeireira, incêndios e fragmentação de florestas remanescentes – em 1.538 espécies de árvores, 460 de aves e 156 de besouros encontradas na Amazônia paraense.

Pela primeira vez, pesquisadores de 18 instituições internacionais, dentre as quais 11 brasileiras, foram capazes de comparar a perda de espécies causada por perturbações humanas com aquelas resultantes da perda de hábitat pelo desmatamento.
Amazônia – Foto: Wikimedia Commons

E o resultado desafia a atual concepção das estratégias de conservação, na qual prevalece o foco no combate ao desflorestamento: os cientistas demonstraram que, para a floresta tropical, os efeitos das perturbações causadas por atividades humanas resultam em perda de biodiversidade tão ostensiva quanto a causada pelo desmatamento.

Uma das principais pesquisadoras do projeto, Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, diz: “Conseguimos oferecer evidências convincentes de que as iniciativas de conservação amazônica precisam considerar as perturbações florestais e o desmatamento. Sem ações urgentes, a expansão da exploração ilegal de madeira e a ocorrência cada vez maior de incêndios causados pelo homem irão resultar em áreas de florestas tropicais cada vez mais degradadas, conservando apenas uma pequena fração da exuberante diversidade que já abrigaram.”

Quando analisado em conjunto, o efeito das atividades humanas resultantes em perturbações florestais no Pará é equivalente a uma perda adicional de mais de 139.000 quilômetros quadrados (km2) de floresta pristina (sem intervenção humana) e correspondente a todo o desmatamento no Estado desde 1988, ano que inaugurou o monitoramento oficial.

O pesquisador sênior do projeto, Toby Gardner, do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), destaca: “As florestas tropicais são um dos mais valiosos tesouros biológicos do planeta. Ao focar exclusivamente as extensões de floresta remanescentes, sem levar em conta o estado de saúde dessas áreas, as atuais iniciativas de conservação estão colocando em perigo tal riqueza”.

Espécies raras são as mais ameaçadas

Os cientistas também descobriram que espécies sob o risco máximo de extinção foram as mais atingidas pelas perturbações causadas por atividade humana.

Ima Vieira, pesquisadora sênior do Museu Paraense Emílio Goeldi e uma das colaboradoras do projeto, diz: “O estado do Pará abriga mais de 10% das espécies de aves do planeta, muitas das quais endêmicas. Nossos estudos demonstram que são justamente estas espécies as que estão sofrendo o maior impacto da ação antrópica, pois elas não sobrevivem em ambientes com estes níveis de perturbação”.
É preciso ir além do combate ao desmatamento

Enquanto a redução do desmatamento é acertadamente o principal foco da maioria das estratégias de conservação em nações tropicais, a condição das florestas remanescentes não costuma ser avaliada ou mesmo controlada por políticas públicas.

“Ações imediatas são necessárias para combater as perturbações florestais em nações tropicais”, explica Silvio Ferraz, professor do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. “No caso do Brasil, a situação é ainda mais crítica, já que 40% dos remanescentes de florestas tropicais da Terra se encontram aqui”, completa o pesquisador, que integrou a equipe do estudo. Ainda que donos de terras na Amazônia brasileira sejam obrigados por lei a manter 80% da cobertura primária em suas propriedades, a nova pesquisa demonstra que, em paisagens nas quais a lei é cumprida, a metade do valor potencial de conservação já pode ter sido perdida.

“Estes resultados devem servir de alerta para a comunidade global”, afirma Jos Barlow, o principal autor do estudo. “O Brasil demonstrou uma liderança sem precedentes no combate ao desmatamento na última década. O mesmo nível de liderança é necessário agora para proteger a saúde das florestas restantes nos trópicos. Do contrário, décadas de esforço de conservação terão sido em vão.”
Foto: Wikimedia Commons

Infelizmente, a rica biodiversidade do Brasil está mais uma vez ameaçada por novas tentativas de mudanças no Código Florestal. Luiz Aragão, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, também integrou a equipe do estudo e destaca: “O Senado brasileiro está propondo uma nova lei que vai permitir aos produtores se valerem de florestas plantadas, como as monoculturas de eucalipto, para atingir a meta legal de cobertura florestal. Propostas como esta, que ignoram as condições das florestas em questão, podem acelerar a perda de biodiversidade tropical”.

O estudo publicado é fruto da Rede Amazônia Sustentável (RAS), um consórcio de instituições brasileiras e estrangeiras, coordenado pela Embrapa Amazônia Oriental, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade de Lancaster (Reino Unido) e Instituto Ambiental de Estocolmo (Suécia). A RAS é também parte do INCT Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia.

Do Jornal/Agência USP, in EcoDebate, 07/07/2016

O que a sociedade tem a dizer aos indígenas que foram explorados durante o desenvolvimento do MS?

O que a sociedade tem a dizer aos indígenas que foram explorados durante o desenvolvimento do Mato Grosso do Sul? Entrevista especial com Marco Antonio Delfino de Almeida

“Os indígenas ocupam hoje, sem qualquer pendência judicial ou ameaça, os mesmos 30 mil hectares que ocupavam em 2012. Logo, o quadro de resolução que se esperava dessa questão não avançou”, afirma o procurador do Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul.

Os conflitos fundiários envolvendo índiosGuarani-Kaiowá e produtores rurais emCaarapó, em Mato Grosso do Sul, no último mês de junho, demonstram que há uma “denegação da realidade”, que está na origem dos impasses entre as comunidades indígenas, a sociedade civil e o Estado brasileiro, que não reconhecem os índios como integrantes da sociedade, diz Marco Antonio Delfino de Almeida àIHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por telefone.

De acordo com o procurador do Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul, que atua na região e acompanha a situação das comunidades indígenas no estado desde 2008, “hoje o quadro deconflitos é muito pior do que há oito anos”, e no recente conflito no município de Caarapó, “o que houve, efetivamente, foi um ataque a uma população civil desarmada. E, ainda, foram dados alguns tiros pelas costas, o que demonstra que havia, sim, a intenção deliberada de matar essas pessoas”, afirma.

Dada a situação atual, ele adverte que “o que temos que avaliar é se, efetivamente, todo esse movimento de denegação de direitos e de mudanças na legislação está contribuindo para uma resolução ou para um agravamento da situação. (…) Infelizmente, o que está posto é um quadro de insegurança coletiva não apenas de indígenas, mas também de produtores rurais”.

Almeida frisa ainda que o fato de os indígenas reivindicarem outros direitos “não faz com que eles não devam ter acesso à terra”. Ele lembra também que a “terra que é devolvida às comunidades indígenas não é aquela que eles tinham anteriormente, ou seja, é uma terra muito degradada. Mas quando se dá a terra a eles, o Estado simplesmente lava as mãos e diz que cumpriu seu papel”. Contudo, adverte, é preciso pensar no dia seguinte, porque “eles são colocados numa área que não tem recursos naturais, sem recursos financeiros, então são comunidades vulneráveis que acabam sendo cooptadas por vizinhos e passam por um processo nefasto de arrendamento, de precarização de relações trabalhistas, ou seja, vivem num cenário que não é diferente do que eles tinham antes. Mas o Estado tem de garantir o “day after” [dia seguinte] porque, do contrário, ficará perpetuando pré-conceitos”.

Na entrevista a seguir, Delfino comenta a atual situação das comunidades indígenas no Estado e reflete sobre a maneira de garantir com que a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sejam cumpridas, conforme determina a lei.

Marco Antonio Delfino de Almeida (foto) é procurador do Ministério Público Federal de Mato Grosso do Sul, graduado em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Campo Grande – Unaes e mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Grande Dourados.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Na entrevista que nos concedeu, em 2012, o senhor mencionou que 40 mil indígenas ocupavam uma superfície de 0,1% do território sul-mato-grossense, cerca de 30 mil hectares. Qual é a situação hoje e o que tem acontecido em relação aos indígenas nesses últimos quatro anos?

Marco Antonio Delfino de Almeida –Infelizmente, a mudança foi muito pequena. Houve um aumento populacional da comunidade indígena e, apenas em Dourados, tem um acréscimo de 400 pessoas por ano. Em termos fundiários, houve um avanço para os Guarani-Kaiowá em relação à terra de Yvi Katu, a qual ocupam integralmente e tem cerca de sete mil hectares, e em relação à terra de Ñande Ru Marangatu, a qual tem em torno de nove a dez mil hectares, mas a comunidade ocupa parte dela. Então, esses acréscimos estão muito mais ligados a uma relação de conflito do que derivados de um processo administrativo de concessão ou autorização judicial.

O dado mais complicado nesse processo é que, embora a ocupação dessas terras tenha ocorrido, ela está sob condução suspensiva do Supremo Tribunal Federal, porque a demarcação é baseada em uma decisão do Supremo. Portanto, do ponto de vista de “posse mansa e pacífica”, não houve alteração; os indígenas ocupam hoje, sem qualquer pendência judicial ou ameaça, os mesmos 30 mil hectares que ocupavam em 2012. Logo, o quadro de resolução que se esperava dessa questão não avançou.

IHU On-Line – Quantas comunidades indígenas existem em Mato Grosso do Sul e quais são as que mais enfrentam situações de conflito? Pode nos dar um panorama da situação dessas comunidades?

Marco Antonio Delfino de Almeida – Historicamente, existem oito reservas que foram criadas na época do SPI [Serviço de Proteção aos Índios], entre 1915 e 1935, outras terras indígenas foram identificadas posteriormente. Em termos concretos, posso dizer que a última terra indígena homologada, a qual os indígenas ocupam plenamente, é a terra de Panambizinho, homologada em 2005. Em 2007, houve uma decisão judicial e os indígenas passaram a ocupar integralmente a área Sucuruí. Depois, em 2013, a decisão do Ministro Joaquim Barbosa também permitiu a posse integral dos indígenas à área Yvi Katu. Mais recentemente, em 2015, foi homologada a decisão da posse plena da área Ñande Ru Marangatu. Mas, como eu disse, as decisões de 2007, 2013 e 2015, eventualmente, não são definitivas. A única decisão que entendemos ter o grau de definitividade é a de 2005, em que os índios permanecem na área sem qualquer ameaça significativa à posse plena das suas terras.

Denegação da realidade

Dentro desse quadro, alguns dados precisam ser colocados. Um deles é a causa do conflito, que tem origem na denegação da realidade. Em termos práticos, hoje, o quadro de conflitos é muito pior do que há oito anos. Então, o que temos que avaliar é se, efetivamente, todo esse movimento de denegação de direitos e de mudanças na legislação está contribuindo para uma resolução ou para um agravamento da situação. Esse é um dado que tem de ser posto: até que ponto as decisões judiciais e as iniciativas legislativas contribuem não para uma resolução, mas efetivamente para um acirramento e um agravamento de tensões? Infelizmente, o que está posto é um quadro de insegurança coletiva não apenas de indígenas, mas também de produtores rurais.

“Quando se tinha que abrir fazendas, as pessoas iam pegar os índios dentro das reservas, quando as indústrias precisavam de mão de obra escrava para trabalhar na produção de álcool, elas sabiam exatamente o endereço das comunidades indígenas. Então, como agora os índios não existem e são índios que foram trazidos do Paraguai?”

Exploração indígena em Mato Grosso do Sul

A realidade econômica sul-mato-grossense foi calcada na mão de obra indígena. Inicialmente pelo processo da Companhia Matte Laranjeira, com a extração de mate, a qual era realizada com mão de obra indígena, mão de obra essa que, na maior parte das vezes, residia dentro das próprias fazendas, o que facilitava o processo de extração. Posteriormente, os indígenas atuaram de uma forma intensa na abertura das fazendas – chamam por esse nome muito bonito de “abertura de fazenda”, quando na verdade se trata de derrubada de mata. Na década de 1960, 1970, os indígenas eram como “tratores humanos”, e isso é duplamente nefasto porque eles contribuíram diretamente para descaracterização dos seus próprios territórios.

O Tonico Benites [Ava Guarani], pós-doutorando em Antropologia, já disse que trabalhou em fazendas na derrubada de matas, assim como vários outros indígenas que de alguma forma contribuíram para que seu próprio território fosse ocupado pelas fazendas. Posteriormente vieram a trabalhar na indústria sucroalcooleira, onde, majoritariamente, a mão de obra era indígena e quase escrava. Famílias inteiras se deslocavam para esses empreendimentos sucroalcooleiros, sem qualquer tipo de direito trabalhista. Para termos uma ideia, em 1999 é que houve um acordo com o Ministério dPúblico do Trabalho para que houvesse a concessão de Carteira de Trabalho – não estamos falando de 1899, mas de 1999.

É interessante, nesse processo de denegação da realidade, que, dificilmente, você encontrará uma pessoa em Mato Grosso do Sul, com mais de 50 anos de idade, fazendeiro, que não tenha utilizado, em algum momento, mão de obra indígena em sua fazenda, que não tenha arregimentado as denominadas “tropas de índios” para trabalhar em algum aspecto da sua atividade produtiva. Agora, são essas mesmas pessoas que denegam a existência desses indígenas. Enquanto eles foram úteis, eram considerados pessoas, mas a partir do momento em que passaram a reivindicar direitos, passaram a ser invisibilizadas. Quando se tinha que “abrir fazendas”, as pessoas contratatavam os índios dentro das reservas, quando as indústrias precisavam de mão de obra escrava para trabalhar na produção de álcool, elas sabiam exatamente a localização das comunidades indígenas. Então, como agora os índios não existem e são índios que foram trazidos do Paraguai? Esse processo de negação da realidade contribui claramente para o acirramento de conflito.

Reconciliação com o passado

É importante que nós façamos as pazes com o passado, que reconheçamos esse nosso passado genocida. O brasileiro tem muito essa ideia da cordialidade, de que somos bonzinhos, vivemos em uma democracia racial, quando na verdade, pelo menos em termos objetivos,temos a menor população indígena percentual das Américas. E talvez o caso seja mais grave em relação ao Chile e à Argentina. Estes países empreenderam campanhas armadas, já no final do século XIX, contra populações indígenas. Ora, nós temos menos indígenas, em números absolutos, que a Argentina e o Chile. Então,me parece que só não implementamos de uma maneira mais plena uma política indigenista denegadora de direitos por uma questão de incapacidade de gestão.

Os indígenas só tiveram o reconhecimento das terras na Amazônia porque, felizmente, o processo de colonização da Amazônia se iniciou na década de 1970. Quando houve a sua intensificação na década de 80, controles externos já existiam; não há como negar. Talvez o governo esqueça esse pequeno dado, mas a maior parte das terras amazônicas foram demarcadas com dinheiro do Banco Mundial, ou seja, com determinação do Banco Mundial, via condicionantes de repasses de recursos relacionados à demarcação de terras indígenas, especialmente depois da implantação doPolonoroeste [Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil], na década de 80, que incluiu a construção darodovia Cuiabá—Porto Velho, que foi um desastre.

O próprio Banco Mundial, finalmente, verificou a besteira que fez, publicando um relatório em que afirmava que medidas adicionais teriam que ser implementadas, e procurou, de uma forma ou de outra, contornar esse desastre que causou, que foi o extermínio de populações e desmatamento em razão de um empreendimento absurdamente mal planejado. Por conta desse empreendimento, no final da década de 80, é que houve toda uma pressão para que as terras indígenas fossem demarcadas. Portanto, nós demarcamos terras indígenas não porque somos bons, mas porque houve uma pressão internacional para que isso fosse realizado. Logo, a maior parte dessas terras indígenas na Amazônia decorre de pressão internacional, especificamente de recursos do Banco Mundial, do PILOT PROGRAM TO CONSERVE THE BRAZILIAN RAIN FOREST INDIGENOUS LANDS PROJECT. Se não houvesse pressão internacional, nós teríamos o mesmo quadro que temos em Mato Grosso do Sul: um quadro de denegação territorial aos povos indígenas, onde exemplos como o Parque Nacional do Xingu.são exceções.

Reconhecimento de erros

É importante que façamos a devida reparação das violações que foram cometidas, como outros países já fizeram. Volta e meia esse discurso absolutamente racista me é falado: “Nós deveríamos fazer o mesmo processo que houve nos Estados Unidos”. Os Estados Unidos, felizmente, não eram uma sociedade ágrafa como o Brasil era no século XIX, então, minimamente lá havia registros. Muitas vezes o que é colocado como um massacre é um registro de ações que ocorreram de forma semelhante no Brasil, mas que aqui não foram registradas e documentadas. Resultado: hoje os Estados Unidos têm uma população de 2,5 milhões de indígenas, enquanto o Brasil tem 800 mil. Portanto, onde houve uma atuação mais forte, mais direcionada e voltada para o extermínio? E, minimamente, nos Estados Unidoshouve reconhecimento, ainda que de forma econômica, dos erros que foram cometidos: eles reconheceram que erraram na elaboração dos tratados, que enganaram os índios na hora de assinar os tratados e decidiram recompensá-los financeiramente por esse erro. Podemos citar dois exemplos: A Indian Claims Commisions, inciadas em 1946 e a recente indenização pela gestão inadequada do patrimônio indígena pelo BIA (a agência indígena americana). OCanadá também reconheceu que tentou exterminar os índios e promoveu as medidas necessárias para que esse erro fosse reparado. Na Austrália e naGuatemala, aconteceu a mesma coisa.

No Brasil, se fica com essa ilusão tropicalista de que somos cordiais, de que respeitamos a diversidade, quando a realidade caminha em outra direção. Enquanto não fizermos, de uma forma muito clara, as pazes com o passado, que é um processo inerente à justiça de transição – o levantamento das reparações –, enquanto a verdade não emergir disso, enquanto nós, efetivamente, não demonstrarmos todas as violações que ocorreram, teremos dificuldade com o presente e muito mais com o futuro.

“Os Estados Unidos têm uma população de 2,5 milhões de indígenas, enquanto o Brasil tem 800 mil” 

IHU On-Line – Quais são as principais terras que os Guarani-Kaiowá reivindicam como sendo suas em Mato Grosso do Sul?

Marco Antonio Delfino de Almeida – Em 1978 havia uma determinação para que houvesse a demarcação das terras indígenas em cinco anos, mas isso não aconteceu e essa data foi sendo adiada. Aí foi feito – o que considero uma excrescência, mas que foi o possível de ser feito à época – um acordo para que a União cumprisse seu dever. O exótico desse compromisso é que, via de regra, esses compromissos são feitos para cumprimento de legislação infraconstitucional, mas estamos falando de um acordo para cumprir a Constituição, e isso não é cumprido. É uma coisa quase que surreal. Aí se teve que entrar na Justiça para executar uma obrigação que é constitucional de demarcar terras indígenas.

Hoje existem vários GTs que correspondem às terras que as comunidades reivindicam; eles ainda não foram encerrados e visam, justamente, identificar quais são essas terras. Os GTs são divididos por bacias hidrográficas: GT TI Amambaipeguá, GT TI Dourados Amambaipeguá, GT Apapeguá, TI Iguatemipeguá, TI Dourados Peguá, a TI Brilhante Peguá e a TI Nhandéva Peguá. A partir do trabalho desses GTs se identificam quais são as áreas que eram ocupadas pelos povos indígenas. Esse processo foi feito em 2007, no âmbito desse Compromisso de Ajuste de Conduta, mas infelizmente, até o momento, ele não foi implementado.

IHU On-Line – Na semana passada houve um ataque de pistoleiros armados contra a comunidade da terra indígena Dourados-Amambai Peguá, localizada no município de Caarapó. Alguns já falam em massacre indígena. Quais as informações que o senhor tem sobre o massacre contra Guarani-Kaiowá no mês de junho e qual é a situação das comunidades no momento?

Marco Antonio Delfino de Almeida – Houve a ocupação por parte dos indígenas, no dia 12 de junho, de uma fazenda chamada Ivu, que é lindeira à reserva Te’ýikue e está dentro da área identificada como Terra Indígena Dourados Amambaipeguá, que é uma terra indígena de 55 mil hectares. No dia 13 houve um processo de negociação entre produtores rurais e os ocupantes para desocupação pacífica, e os indígenas se recusaram a sair. Houve uma discussão e, supostamente – isso está sendo apurado –, uma ameaça, pois não havendo desocupação pacífica, a retirada seria feita de forma forçada. No dia seguinte, dia 14, uma grande massa de produtores rurais voltou a essa área da fazenda Ivu e promoveu adesocupação forçada dos indígenas. Uma parte deles utilizou armamento não letal como balas de borracha e fogos de artifício, mas também foi usado armamento letal, e isso acabou vitimando um indígena – Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza – e pelo menos mais seis pessoas foram atingidas por arma de fogo. Nós temos imagens que mostram que a comunidade indígena estava desarmada, mas, paralelamente, do outro lado, havia armas. O que houve, efetivamente, foi um ataque a uma população civil desarmada. E, ainda, foram dados alguns tiros pelas costas, o que demonstra que havia, sim, a intenção deliberada de matar essas pessoas. Não se trata de uma situação relacionada a um eventual susto, mas a intenção de que houvesse a morte dessas pessoas.

Dentro desse mesmo cenário, foi apurado que uma viatura da Polícia Militar, que se deslocava em momento posterior a esse ataque, em torno de 1h depois, teve o pneu furado e enquanto tentava consertar o pneu, foi mantida como refém, não só ela, mas três policiais e uma quarta pessoa que era o motorista de uma carreta e que se encontrava ali. Também foi apurado que essas pessoas foram torturadas e jogaram gasolina nelas. São dois fatos, ainda que interligados, mas que ocorreram em cenários distintos e temporalmente separados. Em ambos os casos nós já temos indícios relevantes de autoria e estamos trabalhando, obviamente, com a Polícia Federal e com a Justiça para responsabilização de todas as pessoas, tanto as pessoas que cometeram os primeiros crimes – porque são vários -, quanto as pessoas que cometeram os outros crimes.

Nós entendemos – é importante colocar isso – que entidades e comunidades não cometem crimes, quem comete crimes são as pessoas, por isso é fundamental que as pessoas sejam individualizadas. Da mesma forma que não foram todos os produtores rurais de Caarapó que promoveram o ataque e atentaram contra a vida dos membros das comunidades indígenas, também não foram seis mil integrantes das comunidades indígenas que promoveram o ataque aos policiais e a manutenção deles como reféns. Portanto, tanto em um caso como no outro, é importante que haja a devida responsabilização das pessoas que cometeram esses crimes.

IHU On-Line – Como esse conflito está repercutindo na sociedade de Mato Grosso do Sul?

Marco Antonio Delfino de Almeida – Infelizmente, há, de modo claro – e com isso mostramos mais uma vez que essa ideia de democracia racial é fictícia -, uma avaliação diferente das situações. Inicialmente houve muito mais impacto em relação aos policiais do que em relação às pessoas mortas e feridas. Se crimes ocorreram, o ideal seria que tivessem a mesma repercussão, mas as repercussões são diferenciadas. E agora, o que se tem é uma repercussão até maior de questões que não são nem relacionadas à integridade física, mas a questões patrimoniais de determinados sitiantes, que são pequenos, e que tiveram suas propriedades ocupadas. As agruras experimentavas por estas pessoas estão tendo maior divulgação do , do que e as pessoas feridas ou em relação à pessoa morta. Não podemos, em momento algum, considerar que questões patrimoniais sejam mais relevantes que questões relacionadas à integridade física das pessoas.

“As agressões contra comunidades indígenas não são consideradas agressões contra um integrante da sociedade, mas contra um inimigo”

Violência

Todo e qualquer ato de violência é um ato de violência, independentemente de quem o pratique. Enquanto não nos colocarmos no lugar do outro, não conseguiremos fazer um mundo melhor. Então, obviamente que toda a violência contra integridade física e a violência discriminatória que as populações indígenassofrem é nefasta, mas igualmente a violência que ataca a memória, mesmo patrimonial, quando se destroem documentos, fotos numa ocupação, é também dolorosa para as pessoas que vivenciam esse tipo de situação. Mas isso infelizmente faz parte da situação que vivemos hoje de não considerar os indígenas como integrantes da nossa sociedade.

O homicídio, se é realizado contra um integrante do grupo, é rechaçado e punido com severidade porque contribui para o esfacelamento do grupo e, portanto, para que ele permaneça coeso, é importante que os crimes mais graves sejam rapidamente punidos. Contudo, quando se comete um homicídio contra um não-integrante do grupo, como acontece nas guerras, uma pessoa pode ser condecorada, porque se ela atingiu outras cinquenta pessoas com drones, são possíveis terroristas que foram mortos, mas é óbvio que se cinquenta pessoas são mortas por um atirador, isso não tem o mesmo peso. Então, claramente, se coloca a vida do cidadão da própria comunidade de uma forma diferente no sentido de ser visto como um cidadão que não é parte da comunidade. Infelizmente é isso que vejo nesse processo: as agressões contra comunidades indígenas não são consideradas agressões contra um integrante da sociedade, mas contra um inimigo. Precisamos trabalhar essa questão de estranhamento que temos em relação aos indígenas e entendê-los como membros da sociedade, ou seja, trata-se de uma relação que tem de passar por um processo de reparação de violações que foram cometidas.

IHU On-Line – Nesse processo, o que deveria ser feito? A demarcação de terras é a melhor saída ou é preciso pensar outras políticas além da demarcação? Como resolver a questão do conflito fundiário?

Marco Antonio Delfino de Almeida – O que acontece é que há sempre uma desonestidade intelectual nesse processo, porque os direitos civis e políticos são indissociáveis dosdireitos econômicos, sociais e culturais, ou seja, a liberdade e a propriedade são indissociáveis da saúde, educação etc. Mas, na questão indígena, argumenta-se que os índios não querem só terra. É obvio que eles não querem somente terra; nós também não queremos apenas receber um salário no final do mês. Nós queremos ter acesso à saúde e a outros bens. Então, por que para a comunidade indígena o fato de eles quererem outros bens causa escândalo? As pessoas acabam enxergando um ponto final onde há uma vírgula.

O fato de os indígenas quererem os demais direitos não faz com que eles não devam ter acesso à terra. A terra que é devolvida às comunidades indígenas não é aquela que eles tinham anteriormente, ou seja, é uma terra muito degradada. Mas quando se dá a terra a eles, o Estado simplesmente lava as mãos e diz que cumpriu seu papel. Mas e o “day after” [dia seguinte]? Eles são colocados numa área que não tem recursos naturais, sem recursos financeiros, então são comunidades vulneráveis que acabam sendo arregimentadas por vizinhos e passam por um processo nefasto de arrendamento, de precarização de relações trabalhistas, ou seja, vivem num cenário que não é diferente do que eles tinham antes. Mas o Estado tem de garantir o “day after” porque, do contrário, ficará perpetuando pré-conceitos.

IHU On-Line – Que políticas deveriam compor e garantir o “day after”?

Marco Antonio Delfino de Almeida – Por exemplo, por que o Programa Nacional de Gestão Ambiental e Terras Indígenas é voltado apenas para a Amazônia e não para as demais terras indígenas? Por que não há outros projetos para essas comunidades, como projetos de agricultura? O Brasil tem uma meta de dobrar a renda das comunidades indígenas. E o que estamos fazendo hoje para que isso aconteça? É muito fácil dizer que os índios não produzem, mas quero ver qual produtor rural consegue produzir sem o financiamento doBanco do Brasil. Por que é natural a liberação de crédito para atividades produtivas, mas é uma heresia dizer que para as comunidades indígenas terem melhor qualidade de vida, elas precisam ter acesso a crédito e a recursos que permitam com que elas minimamente recuperem as terras indígenas que elas perderam? Qual é a diferença?

“É muito fácil dizer que os índios não produzem, mas quero ver qual produtor rural consegue produzir sem o financiamento do Banco do Brasil” 

IHU On-Line – O que deveria ser feito então? O Estado deveria se responsabilizar por ações como essas ou deveria haver um processo maior de enculturação?

Marco Antonio Delfino de Almeida – Não se trata de aculturação. AConvenção 169 da OITfoi antecedida pela Convenção 107/57 da OIT, a qual afirmava que: “Aos membros das populações tribais ou semitribais em países independentes, cujas condições sociais ou econômicas correspondem a um estágio menos adiantado que o atingido pelos outros setores da comunidade nacional…”. Ou seja, se entendia que havia comunidades que eram menos adiantadas que as outras. Depois, outra passagem afirmava: “Para fins da presente convenção, semitribal abrange grupos que, embora, prestes a perderem as suas características tribais, não se achem ainda integrados na comunidade nacional…”. Recentemente estive com juízes e disse que essa é uma convenção de 1957 e não podemos usar um conceito jurídico de 57 em 2016. Naquela época se entendia que as sociedades evoluíam, ou seja, que a sociedade nacional era mais evoluída que a indígena e que esta, por sua vez, evoluiria para a nossa sociedade e que as pessoas teriam cultura. Mas parece que cultura é algo como um bronzeado, que vai se perdendo depois do verão.

Mas na Convenção 169, de 1989, diz que: “Os povos tribais em países independentes, cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade…”. Então, a diferença é justamente essa: eles são distintos, diferentes e isso significa que são nem mais atrasados nem mais evoluídos; são diversos e merecem viver dessa forma não porque eu quero, mas porque a lei determina. Se o Brasil assinou essa convenção, agora tem de cumpri-la, ou seja, temos de respeitar essa diversidade. E o respeito da diversidade parte do princípio de que não se pode impor uma sociedade em relação à outra. Nesse sentido, a consciência de identidade indígena ou tribal deverá ser critério fundamental para determinados grupos aos quais se aplicam, e quem define quem é indígena e quem não é, são os indígenas.

Dentro da Convenção 169, existem artigos que estabelecem esse diálogo. O artigo 7º determina que: “Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades, no que diz respeito ao processo de desenvolvimento na medida em que ele afete suas vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento social, econômico e cultural. Além disso, esses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis aos afetados. (…) A melhoria das condições de vida e de trabalho e o nível de saúde e educação dos povos interessados, com sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento, econômico e global das regiões onde moram”.

Ou seja, estamos falando de uma determinação legal e os governos têm de priorizar odesenvolvimento das comunidades indígenas, conforme determina a Agenda 2030. Isso não significa que os indígenas têm de fazer parte da nossa comunidade, mas que devem ser ouvidos e respeitados. Ou seja, tem que perguntar o que eles querem fazer, e não impor o que eles devem fazer. Enquanto olharmos os povos indígenas de uma forma verticalizada, isso não vai mudar. A legislação existe e precisamos que ela seja implementada. Então os mecanismos para o “day after” existem, mas muitas pessoas não querem que o artigo 7º seja implementado, porque, se ele for, alguns discursos irão por água abaixo.

IHU On-Line – Como foi a reunião da qual o senhor participou em Caarapó, na última sexta-feira?

Marco Antonio Delfino de Almeida – A reunião visou celebrar um acordo com os pequenos sitiantes, detentores de uma área de cerca de 200 hectares e a comunidade indígena. A intenção era o retorno destas pessoas, de forma consensual, enquanto ocorre o processo de indenização pelas benfeitorias e o reassentamento, em face da condição de pequenos produtores rurais. Houve avanços com aceitação por parcela dos sitiantes e o compromisso da comunidade de que a questão seria levada para uma reunião ampliada para deliberação definitiva. A resposta seria fornecida na segunda-feira, dia 04/07/2016.

Por Patricia Fachin

(EcoDebate, 05/07/2016) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

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