O Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) realizou o I Encontro Nacional de Saúde com as Jovens Camponesas em Goiás, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Departamento de Apoio à Gestão Participativa (DAGEP/SEGEP/MS). O evento contou com a participação de mais de 40 jovens e lideranças de todas as regiões do Brasil. O MMC também participa do projeto de formação de Lideranças para a Gestão Participativa na Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas.
“Pra mudar a sociedade do jeito que a gente quer, participando sem medo de ser mulher.” Este trecho de um dos cantos do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) poderia ser uma síntese do estado de ânimo presente entre as 40 jovens e lideranças que participaram do “I Encontro Nacional de Jovens Camponesas” entre os dias 12 e 15 de dezembro de 2014 em Luziânia (Goiás). Durante o Encontro foram partilhados os ideais de transformação da sociedade defendidos pelo MMC, que podem ser sintetizados em três pilares: feminismo, defesa da cultura camponesa e disseminação da prática da agricultura agroecológica.
O Encontro destinou-se à formação de jovens lideranças do (MMC), que faz parte de um processo amplo de formação que está sendo realizado em 21 estados: “Mulher Camponesa Promovendo Saúde e Produzindo Alimentos Saudáveis”. O projeto está em andamento desde dezembro de 2013 por meio de uma parceria entre o Departamento de Apoio à Gestão Participativa (DAGEP), do Ministério da Saúde (MS) e a Fiocruz/Brasília; e o MMC.
Compartilhando experiências e saberes, formando jovens camponesas.
Os três dias do Encontro tiveram a coordenação geral da pedagoga e militante do MMC de Santa Catarina Sirlei Antoninha Kroth Gaspareto e abordaram temas como: a importância da formação política e educação das jovens camponesas; os distintos agentes que influenciam esta formação (como família, escola, internet e mídia em geral); a importância da discussão sobre os valores presentes na sociedade contemporânea e sua influência na vida das jovens; os impactos negativos de alguns valores e práticas para a saúde, a produção de alimentos e o meio ambiente; e os aspectos que constituem a identidade do MMC, salientando a “luta pela vida com dignidade” e sua relação com feminismo e com a defesa da agricultura camponesa agroecológica. “Vivemos em uma sociedade psicotóxica e o que o MMC quer é transformar-la em uma sociedade agroecológica”, salientou Sirlei Gaspareto.
As jovens puderam compartilhar suas próprias expectativas e valores e foram motivadas a participar com “tarefas” como, por exemplo, a utilização de seus celulares com conexão a internet para pesquisar pessoas e referências importantes para cada uma delas. Através deste exercício foram problematizadas as noções de sucesso, beleza e de felicidade que são propagadas pelas mídias na sociedade atual.
A pedagoga Sirlei Gaspareto colocou ainda em discussão a importância da sexualidade como aspecto fundamental da vida humana e sua vinculação com o “poder de gerar vida”. Segundo ela, é preciso que todos e, principalmente, as jovens mulheres que tem este “poder”, tenham também a consciência da própria vida, da vida dos demais e da vida no planeta. “A diversidade da vida, a biodiversidade, está em nossos quintais e não nos desertos verdes. O feminismo camponês é um caminho pela dignidade, pelo movimento de transformação, por outro mundo possível”, explicou Gaspareto.
Outro momento significativo do Encontro foi o relato da trajetória das atuais dirigentes nacionais do MMC. Noeli Taborda, do MMC de Santa Catarina, contou como o MMC a ajudou a “constituir-se enquanto mulher”. “A minha participação no Movimento foi um processo de reconstruir minha relação com a família, de aprender sobre nossos direitos enquanto mulheres e alimentar meus sonhos de vida. Com a militância e continuidade dos estudos me tornei um ser humano de verdade.”
Tânia Chantel, do MMC da região Norte, ressaltou a importância do processo de inserção no movimento como um momento de descoberta e comprometimento pessoal. “É muito importante o momento que cada pessoa chega a este reconhecimento da relação com a militância, de que este é o caminho que quer seguir”. A dirigente também ressaltou a importância da continuidade das lutas: “luta espontânea não é movimento social; é fundamental manter uma articulação constante”. Ela ainda destacou em sua fala os aspectos regionais que devem ser contemplados pelo MMC. “É preciso colocar a cara de cada região, é preciso colocar a cara da região amazônica no Movimento.”
Nesta mesma direção, a fala de Catiane Cinelli, do MMC de Santa Catarina, complementou a reflexão feita por Tânia Chantel ao afirmar que existem diferentes formas de ver o feminismo dentro do MMC. “Mas o principal é o sentimento de solidariedade entre as mulheres porque na sociedade a gente escuta que temos que competir e ser inimigas. No MMC você se reconstrói, se doa ao movimento, aprende sobre esta união; e o Movimento também traz muitas coisas para você, para seu crescimento pessoal.” As quatro dirigentes que deram depoimento pontuaram como a militância foi sempre compatível com os estudos. Segunda elas, o Movimento teria incentivado a continuidade de suas formações.
A formação de três médicas em Cuba: Cintia Piovizani, Daniela Censi e Mariana Gomes, apoiadas pelo MMC, é uma demonstração deste incentivo. Estas médicas estiveram presentes no Encontro compartilhando sua experiência de vida em Cuba e a prática da medicina no país durante um momento de conversa sobre sexualidade e métodos contraceptivos. Segundo algumas jovens participantes entrevistadas este foi um dos momentos mais interessantes do Encontro. Atualmente oito jovens foram indicadas pelo Movimento e estão sendo preparadas para cursar Medicina na Venezuela.
Tayanna Martins, do Amazonas, é uma das jovens indicadas. Em sua opinião, os momentos de conversa e formação foram muito esclarecedores. “Eu aprendi coisas novas em relação à sexualidade e achei muito interessante a discussão sobre medicalização. Na minha região tradicionalmente é assim mesmo, se usa mais a planta, mas hoje em dia muita gente reclama e acha que tem que usar remédio para estar cuidando da saúde. Para mim, o que ficou de principal sobre a formação política é que estar no movimento é praticar em todos os momentos e não fugir da luta.”
Rayssa Leaura, de Roraima, destacou o momento dos relatos da trajetória das dirigentes nacionais do Movimento. “Para mim chamou muito a atenção as história das mulheres e como existe tanto em comum, uma história de sofrimento, racismo e violência. Também gostei muito do momento com as jovens médicas falando sobre a sexualidade, possibilidades de prevenção de doenças e gravidez. Eu aprendi bastante.” Rayssa Leaura trabalha com ensino de dança para jovens da sua comunidade e tem conseguido trabalhar com auto-estima de outras jovens como ela, muitas com história de envolvimento com drogas e situações de violência.
“Estamos mostrando a cara jovem do Movimento de Mulheres Camponesas. Aprendendo a importância de representar e ser representada. A importância da construção do pertencimento e de se reconhecer enquanto movimento.” (Thaise de Freitas Damasceno, MMC do Pará)
Para a jovem militante do MMC, Thaise de Freitas Damasceno, do Pará, que também é uma das indicadas para cursar Medicina na Venezuela, o encontro estimulou a responder a pergunta: Onde está a cara jovem do MMC? “Aqui nós estamos mostrando esta cara. Aprendendo a importância de representar e ser representada. A importância da construção do pertencimento e de se reconhecer enquanto movimento. A forma como estas questões foram trabalhadas pela Sirlei ajudaram a gente compreender a história do movimento e seu significado de maneira muito fácil.” Segundo a jovem, que está terminando o curso de pedagogia, é importante a preocupação do MMC com a formação política e escolar das mulheres. “Quando estamos no movimento tudo que a gente aprende tem relação com este sentimento de pertencimento de retorno a base, por isto, estamos tão contentes vendo este retorno das jovens que foram a Cuba, agora como médicas.”
Josivânia Silva Aragão, do Pará, é a única integrante do MMC em sua família. Contou que entrou no Movimento “por influência de algumas amigas”, mas que mesmo sendo a única em sua casa, tem tido apoio familiar. A jovem está cursando licenciatura e formação no campo na Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA). Segundo ela, sua imagem do Movimento se transformou com a sua participação. “Estou achando tudo maravilhoso - estar aqui, conhecer mais a luta e o pensamento do Movimento. Está sendo muito importante para minha vida e crescimento pessoal. Os textos da Sirlei são usados em nosso curso e agora as falas dela aqui me ajudaram a compreender as formas de fazer educação na prática. Quero voltar para minha região e tentar formar grupos de jovens e passar o que aprendi.”
Parceria com o MMC em Oficinas de Formação de Lideranças
A parceria estabelecida entre o MMC, o DAGEP/SEGEP/MS e a Fiocruz/Brasília para realização do projeto das oficinas de formação de lideranças em saúde, conseguiu viabilizar desde 2014 a realização de oficinas em vários estados do Brasil. O projeto Mulher Camponesa Promovendo Saúde e Produzindo Alimentos Saudáveis tem como objetivo principal a realização de um amplo processo de educação permanente para o controle social como um dos instrumentos para a implementação da Política Nacional de Saúde das Populações do Campo, da Floresta, e das Águas (PNSPCFA). As oficinas, que vão ao encontro do eixo 3 dessa Política, através de um processo de educação popular em saúde, envolvem 21 unidades da federação que possuem representação do MMC.
Segundo Sheila Lima, coordenadora técnica do projeto pela Fiocruz, os principais objetivos das oficinas são: promover a capacitação para participação popular nos espaços de controle social da saúde, como conselhos e conferências; incentivar a soberania alimentar e a produção agroecológica; incentivar a produção e o uso de plantas medicinais; e colher informações sobre as atividades laborais e o acesso a políticas públicas. O projeto já realizou oficinas em nove estados, totalizando 412 mulheres camponesas formadas. Até sua conclusão, prevista para julho de 2015, tem como meta realizar mais s doze oficinas para formar mais 440 mulheres.
Sheila ressaltou a importância das oficinas serem adequadas ao contexto de cada região e suas realidades estaduais e locais em termos de acesso à saúde, produção de alimentos e história de participação política. “Em alguns locais onde já foram realizadas oficinas é possível notar a diferença entre demandas e do nível de informação sobre saúde, funcionamento do SUS e direitos básicos. Em alguns não existe tanto acúmulo, em outros a discussão sobre saúde já está mais amadurecida.”
A realização dessas oficinas e do I Encontro de Jovens Camponesas apontam para objetivos e desafios comuns que mostram a importância da continuidade de ações de formação política e em temas como saúde da mulher e alimentação, principalmente, no que diz respeito a atender a demanda de movimentos sociais e de incentivar a participação de novas gerações de militantes camponesas.
Para Sirlei Gaspareto, militante de movimentos de mulheres rurais desde 1986, as ações com a juventude são fundamentais. “O MMC se diferencia pela luta incondicional em defesa da vida, através do projeto de agricultura camponesa agroecológica e feminista e a proposta de outro modo de viver no campo. Isto significa acreditar e investir na potencialidade de nossa juventude e é neste sentido que o MMC vem atuando com todo empenho e dedicação. Temos a certeza de que a libertação das mulheres se combina com a transformação da sociedade, e é isto que nós já estamos vivenciando. Eu acredito na juventude!”
Márcia Tait
Fotos Daniela Diniz (divulgação MMC)
http://retisfito.org.br/
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