Por Fabíola Ortiz.*
Plantas de feijão com micronutrientes incorporados.
Kigali, Ruanda, 16/4/2013 – A América Latina está na lista de regiões do mundo que sofrem “fome oculta”, pela deficiência de micronutrientes que evitam a anemia, a cegueira, as doenças imunológicas e o atraso no desenvolvimento. O Brasil encabeça uma iniciativa de biofortificação de alimentos na região para reverter essa situação. Nicarágua, Guatemala e Honduras são o objetivo do programa de biofortificação alimentar, depois de seis países africanos (Nigéria, Zâmbia, República Democrática do Congo, Ruanda, Etiópia e Uganda) e três asiáticos (Bangladesh, Índia e Paquistão).
A iniciativa é impulsionada pelo HarvestPlus, que integra o Programa de Agricultura para a Nutrição e a Saúde, do Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR), um consórcio independente que lidera os esforços para modificar os alimentos nas regiões em desenvolvimento, acrescentando a eles mais minerais e vitaminas. Na região, esse projeto é capitaneado pela Rede Brasileira de Biofortificação (BioFORT), que desde 2003 reúne 150 pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de universidades e centros especializados.
“Na América Latina, três países têm o mais alto índice de deficiência de micronutrientes”, assegurou à IPS a engenheira de alimentos da Embrapa, Marília Nutti, que coordena a rede BioFORT no Brasil e na região. O HarvestPlus estabeleceu o Índice de Prioridade de Biofortificação (BPI) para identificar os países do Sul em desenvolvimento cujas populações têm as maiores carências nutricionais na região. Dentro da América, a Nicarágua é o segundo país, após o Haiti, quanto a problemas na produção e disponibilidade de alimentos nutritivos, afirmou à IPS o agrônomo Miguel Lacayo, da Universidade Centro-Americana, de Manágua.
“A dieta da Nicarágua é baseada principalmente em milho e feijão, consumidos duas a três vezes ao dia. Se consome muita tortilha de milho acompanhada de feijões no desjejum, almoço e jantar”, contou esse especialista em alimentos. Lacayo conversou com a IPS durante a segunda Conferência Global de Biofortificação, promovida pelo HarvestPlus, que aconteceu em Kigali, capital de Ruanda, entre 31 de março e 2 deste mês.
“A ideia é que, ao utilizar esses dois alimentos, se aumente a concentração de ferro e zinco e se reduza o problema nutricional. Queremos incidir na redução da anemia”, afirmou Lacayo. Com seis milhões de habitantes, a Nicarágua enfrenta sérias deficiências nutricionais, especialmente nas crianças e na população rural. “É um problema que está em uma fase crônica na população rural menos favorecida, ou seja, 60% dos habitantes do país”, pontuou.
A biofortificação é um processo que cruza de forma convencional plantas da mesma espécie para gerar cultivos com mais micronutrientes incorporados. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) assegura que existem no mundo dois bilhões de pessoas com déficit de micronutrientes, e a cada segundo uma pessoa morre de desnutrição no mundo.
Um estudo de 2013 do Banco Mundial destaca que a América Latina e o Caribe devem priorizar a segurança alimentar de mães e crianças com menos de dois anos, para reduzir os elevados níveis de desnutrição que afetam a população mais pobre. Uma alimentação deficiente faz com que as pessoas percam mais de 10% da renda em toda sua vida, enquanto muitos países reduzem em 2% ou 3% seu produto interno bruto por esse motivo.
Segundo o Banco Mundial, na América Latina há 7,2 milhões de crianças menores de cinco anos com atraso no crescimento. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) indica que a Nicarágua tem desnutrição que varia de 10% a 19%, só superada pelo Haiti no continente, com índice de 35%.
A Nicarágua, na verdade, começou a biofortificar seus alimentos em 2005, com o projeto Agrosalud, cuja primeira fase terminou em 2010, com financiamento da Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional e do Centro Internacional de Agricultura Tropical. O Agrosalud também apoiou o acréscimo de micronutrientes na Bolívia, Colômbia, Cuba, Guatemala, Haiti, Honduras, Panamá, Peru e República Dominicana. Destes, o Panamá avançou com a biofortificação para um plano nacional, sem ajuda externa.
Agora, na segunda fase do projeto, a Nicarágua se converteu na prioridade, com apoio da BioFORT, centrado inicialmente no milho e no feijão. “Queremos apoiar os cultivos biofortificados. Vamos formar uma rede na Nicarágua com o HarvestPlus, governos, organizações não governamentais, universidades, organismos nacionais e internacionais”, explicou Lacayo a respeito do projeto. Está previsto que o plano nacional comece em junho, quando será implantada a aliança de organismos, com 125 pesquisadores de 25 instituições universitárias para promover a segurança e a soberania alimentar nicaraguense.
Lacayo ressaltou que um elemento do plano será apoiar os pequenos agricultores na produção de sementes “para o autoconsumo, com destaque para comercialização e capacidade de transformação. Queremos dar-lhe um valor agregado e fortalecer pequenas empresas rurais”. O agrônomo vislumbra uma aliança duradoura com o Brasil por meio da Embrapa, para que a Nicarágua reduza sua fome oculta.
Nutti apontou que a rede tem “o enfoque inovador” de unir nutrição, agricultura e saúde. “A biofortificação é uma ciência nova. A grande vantagem do projeto é que uniu agrônomos, economistas, nutricionistas e especialistas na ciência dos alimentos, com o único objetivo de conseguir um impacto na saúde”, acrescentou.
Inicialmente, o HarvestPlus pediu ao Brasil para ocupar-se apenas em biofortificar os cultivos de mandioca, mas a BioFORT decidiu que eram necessários micronutrinetes em oito alimentos essenciais na dieta brasileira, como milho, arroz, feijão, batata, abóbora e trigo. “O país é muito grande. É preciso demonstrar para as pessoas que essa dieta de alimentos biofortificados é melhor”, destacou Nutti.
O Brasil é trabalhado como um “país-programa”, porque opera com recursos técnicos próprios e é tido como exemplo de gestão. Algo muito diferente da média latino-americana, onde faltam recursos para avançar na potencialização dos micronutrientes nos alimentos. Já na África, o principal objetivo na iniciativa, serão destinados US$ 40 milhões à biofortificação, enquanto o orçamento para a América Latina durante os próximos cinco anos oscilará entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão.
Não é muito para a tarefa, admitiu à IPS o pesquisador de tecnologia da BioFORT, José Luis Viana de Carvalho. A seu ver, o Brasil conta com experiência para estabelecer alianças que contribuam para o desenvolvimento da região no setor. “O Brasil é um celeiro pela quantidade de cereais que produz e por sua tecnologia de ponta. Devemos pensar em um prazo de 20 anos para uma redução dos bolsões de fome oculta”, assegurou.
Para Carvalho, o investimento em biofortificação é menor do que o custo dos serviços públicos de saúde se o investimento não for feito. Devemos prevenir mediante alimentos de qualidade. A biofortificação não é um medicamento, é uma prevenção. É a alimentação cotidiana”, acrescentou.
Um índice para medir avanços
O índice de priorização da biofortificação é um ranking que avalia os avanços nacionais na incorporação de alimentos de primeira necessidade ricos em vitaminas e minerais para lutar contra as deficiências nutricionais. Foca-se nas dietas básicas. O potencial de biofortificação analisa a maior ou menor necessidade de investir em cultivos com micronutrientes incorporados, ao combinar produção, consumo de determinados alimentos e graus de deficiência nutricional. O índice é calculado com sete alimentos e avaliado em 127 países do Sul em desenvolvimento.
*Da IPS
Foto: Cortesia da BioFORT
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