sábado, 10 de setembro de 2016

Chocolate e os benefícios cardiovasculares..quando tem cacau!

9 de setembro de 2016

Chocolate e os benefícios cardiovasculares... quando tem cacau!

Antonione Araújo Coelho, Karla Silva Ferreira e Luiz Fernando Miranda
O consumo do chocolate tem sido incentivado por conter diversas substâncias com efeitos medicinais provenientes do cacau. Portanto, seu efeito benéfico depende da quantidade de cacau utilizada em sua fabricação. A Legislação Brasileira não estabelece uma quantidade mínima de cacau a ser colocada no chocolate. Apenas define chocolate como o produto preparado com cacau obtido por processo tecnológico adequado e açúcar, podendo conter outras substâncias alimentícias aprovadas (1).

Desde a Antiguidade, as sementes de cacau já eram utilizadas de forma terapêutica pelos maias e astecas como estimulante, pomada analgésica e bebida energética consumida pelos guerreiros antes das batalhas. Os incas consideravam a bebida à base de cacau como uma bebida dos deuses(2). Atualmente seus atributos medicinais são comprovados. Ele possui substâncias antioxidantes (polifenóis), que atuam na prevenção de câncer, doenças neurodegenerativas e cardiovasculares. Os efeitos na prevenção das doenças cardiovasculares são obtidos por meio da redução do colesterol LDL (colesterol ruim), aumento do colesterol HDL (colesterol bom) e estímulo da produção de substâncias precursoras do óxido nítrico, importante para a redução da pressão arterial (3,4). 
Os benefícios do cacau foram comprovados por diversos estudos científicos. Por exemplo, um destes estudos foi realizado com mulheres no período da menopausa, sem diagnóstico de doenças cardiovasculares. Estas mulheres foram observadas durante 16 anos e, neste período, houve redução do risco de morte por doenças cardiovasculares associado ao alto consumo de alimentos ricos em polifenóis (5). Outro estudo envolvendo homens idosos, saudáveis, mostrou redução da mortalidade por doença cardiovascular e por todas as outras causas no grupo com maior ingestão de cacau (6).

Os derivados do cacau presentes no chocolate são a massa de cacau e a manteiga de cacau (que é a gordura do cacau). A massa de cacau é oriunda da semente do cacau, que é fermentada e seca. Ela é que contém os compostos benéficos para a saúde, por sinal em quantidade superior à encontrada em chás e vinho tinto (7,8,9). Quanto à gordura do cacau, ela não é prejudicial ao coração. Porém, como todas as gorduras, possui valor energético elevado, o que contribui para o ganho de peso quando consumida em excesso, e não contem polifenóis.

Entretanto, nem todos estes benefícios estão nos chocolates que consumimos. Algumas indústrias colocam muito mais açúcar e outros ingredientes do que massa de cacau em seus chocolates. Pela lista de ingredientes é possível ter uma ideia da quantidade de massa de cacau presente em cada tipo de chocolate. A legislação brasileira estabelece que os ingredientes utilizados nos alimentos industrializados sejam colocados em ordem decrescente de quantidade. Portanto, o ingrediente citado em primeiro lugar na lista de ingredientes é o que está em maior quantidade no referido alimento e o último em menor quantidade.

As figuras abaixo são fotos da informação nutricional e lista de ingrediente de alguns tipos de chocolate comercializados no Brasil. Observa-se que os ingredientes colocados em maior quantidade são o açúcar, o leite em pó e a manteiga de cacau (Figura 1). O chocolate branco nem contém massa de cacau. Nele, de cacau, apenas a manteiga (Figura 2)
Os chocolates de melhor qualidade possuem maior quantidade de cacau e, normalmente, especificam o teor de cacau presente. Alguns chegam a conter até 85% de massa de cacau. Nos chocolates em que o cacau é o ingrediente majoritário, a massa de cacau deve ser o primeiro ingrediente citado na lista de ingredientes. A figura 3 é de um chocolate que alega conter 70% de massa de cacau. Em sua lista de ingredientes pode-se observar que a massa de cacau foi o ingrediente citado em primeiro lugar.
Deve-se atentar também para outros ingredientes, como a gordura vegetal presente em muitos chocolates. Dentre as gorduras vegetais industrializadas, há o tipo hidrogenada, que contém altos teores de gordura trans e é extremamente prejudicial para a saúde. O fato de não haver especificação sobre o tipo de gordura que está sendo colocado nos chocolates levanta dúvida de que possa ser hidrogenada. Observe nas figuras 1 e 2, nas listas de ingredientes, que há presença de gordura vegetal. Já na lista de ingredientes mostrada na Figura 3 não há menção de gordura hidrogenada.

Agora consumidor, na hora de escolher o chocolate, leia a lista de ingredientes. Dê preferência ao que contém maior teor de massa de cacau e nenhuma gordura vegetal. Seu corpo vai agradecer!

REFERÊNCIAS

1 - BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 12, de 24 de jul. 1978, Normas técnicas especiais, revistas pela CNNPA, relativas a alimentos (e bebidas). Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/legis/resol/12_78_bombons.htm>. Acessado em: 12 abr. 2009.

2 - Corti R, Flammer Aj, Holemberg NK, et al. Cocoa and cardiovascular health. Circulation 2009; 119 (10): 433-1441.

3 - Schenarr O, Brassette T, Mammo TY, et al. cocoa flavonoles lawer vascular orgenase acivity in human endothelial cells in vitro and in erythraeytes in vivo.Arch Beachem Beophys 2008, 476(2):211-215.

4 - Fraga CG,Littero MC, Princ PD, et al. Cocoa flavonoles: effect on vascular nitric oxide and bland pressure. J clin Beachim Nutr 2011, 48(1): 65-67.


5 - Mink PJ, Scrafford CG,Borraj LM, et al. Flavonoid intact and cardiovascular disease mortality: a prospective study in partmenapousal women. Am J clen Nutr 2007, 85(3) 895-909.

6 - Buijsse b, weikert C,Bragan D, et al. chocolat consumpetian in relation to blood pressure and resk of cardiovascular deseare in German adult, Eur Heart J. 2010;31(13)1616-1623.

7 - BRITO, E. S. Estudo de Mudanças Estruturais e Químicas Produzidas Durante Fermentação, Secagem e Torração do Cacau (Theobroma cacao L.); e Propostas de Tratamento Para o Melhoramento de Sabor. 2000. Tese (Doutor em Tecnologia de Alimentos)-Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas,Campinas.

8 - ZUMBÉ, A. Polyphenols in cocoa: are there health benefits? BNF Nutrition Bulletin, London, v. 23, n. 1, p. 94-102, 1998. http:// dx.doi.org/10.1111/j.1467-3010.1998.tb01088.x

9 - Manoel C, Scalbert A, Morand C, et al. Polyphenols; food sources and bioavailability Am J clin Nutr. 2004; 79(5): 727-747.

Postado por Ciência UENF

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sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Os 25 Anos das Práticas Integrativas em Saúde no Sistema Único de Saúde ...

Nomenclatura científica - 19


Tese atesta poder antioxidante do óleo e da semente de chia

Campinas, 29 de agosto de 2016 a 11 de setembro de 2016 – ANO 2016 – Nº 667

Pesquisadora conclui que alimento pode contribuir na prevenção e no controle de desordens metabólicas

Texto: Patrícia Lauretti Fotos: Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: André Vieira
O consumo da semente ou do óleo de chia pode não favorecer o emagrecimento como muitos acreditam, mas, ainda assim, faz muito bem à saúde. A conclusão é de uma tese de doutorado desenvolvida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp pela pesquisadora Rafaela da Silva Marineli Campos, com orientação do professor Mário Maróstica Junior. Os estudos foram desenvolvidos em animais que tiverem a chia acrescida na dieta. Além de verificar os efeitos benéficos no organismo dos animais, a tese também fez a caracterização química da semente e do óleo de chia e identificou a capacidade antioxidante das matérias-primas. 

Embora a semente já tenha se tornado popular entre aqueles que buscam uma dieta mais saudável, ainda não havia nenhum estudo sobre o óleo de chia, conforme Rafaela apurou, e inclusive as investigações sobre a semente ainda precisavam ser aprofundadas em aspectos que o trabalho focou.

Os animais usados na pesquisa foram divididos em 6 grupos: controle magro, controle obeso, animais alimentados com dieta adicionada de semente de chia em período longo de 12 semanas e curto de 6 semanas; e animais alimentados com dieta adicionada de óleo de chia em período longo e curto. “Trabalhamos dois grupos em duas frentes, com o óleo e a semente, além dos grupos de controle”, resume Rafaela.

Com o objetivo de aferir se apenas o consumo do alimento ajudaria a emagrecer, as dietas continuaram oferecendo gorduras e açúcares. “Deixamos todas as dietas com o mesmo teor de energia e substituímos a quantidade de óleo comum de soja, pelo óleo de chia ou semente de chia. A quantidade de fibra ficou igual para todos os animais e, da mesma forma, o teor lipídico e energético ficou semelhante”.
As diferenças no tempo de introdução da semente e do óleo durante seis ou doze semanas teve como objetivo simular a prevenção e o tratamento das comorbidades, ou implicações da obesidade, a partir da ingestão do alimento na dieta. “Dois grupos receberam a chia o tempo todo concomitantemente à dieta obesogênica para ver se a semente ou o óleo preveniam complicações relacionadas à obesidade, e outros foram ‘engordados’ primeiramente com uma dieta obesogênica sem chia para depois receber a semente ou óleo com o objetivo de tratamento”.

Foram avaliados vários parâmetros nos animais, como ingestão alimentar, ganho de peso, peso de tecidos adiposos e órgãos, perfil lipídico e hormonal séricos, perfil de ácidos graxos plasmático, marcadores inflamatórios séricos, conteúdo de lipídeo hepático e fecal, resistência à insulina, tolerância à glicose, estresse oxidativo, peroxidação lipídica, capacidade antioxidante plasmática e hepática.

A obesidade gera uma inflamação. Trata-se de uma doença crônica não transmissível e alguns alimentos têm o poder de diminuir essa inflamação. A pesquisa comprovou que a chia é um deles. A inflamação decorrente da obesidade foi reduzida bem como os marcadores anti-inflamatórios foram aumentados. Em relação ao estresse oxidativo, responsável pelo envelhecimento, o efeito é semelhante: houve redução da peroxidação lipídica, que é a acumulação de lipídios em alguns órgãos, e aumento da capacidade do sistema de defesa antioxidante.

Outros resultados positivos referem-se à resistência à insulina, tolerância à glicose e aos níveis de colesterol, problemas que também podem estar relacionados com a obesidade. “A dieta ‘obesogênica’ fez com que os animais desenvolvessem dislipidemia, que é o aumento do colesterol ‘ruim’, redução do colesterol ‘bom’ e aumento do colesterol total. Esse desequilíbrio está relacionado às doenças cardiovasculares e a chia reverteu isso”, comemora a pesquisadora. As análises apontaram aumento da concentração de ácidos graxos ômega-3 no sangue dos animais, sobretudo aqueles relacionados à redução do risco de doenças cardiovasculares”.

Os resultados entre os grupos que receberam a semente ou o óleo entre seis ou doze semanas foram os mesmos, ou seja, o estudo mostrou que seis semanas já são suficientes para que as alterações nos marcadores aconteçam.
Interesse

O interesse pela chia para esta pesquisa de doutorado deve-se a muitos fatores. “A semente tem várias frações que são de interesse. Dos alimentos de origem vegetal é, por exemplo, o que mais tem ômega 3, em concentração de até 68% em sua composição. Além disso, tem alta concentração de fibra, principalmente insolúvel, e também de proteínas. Da mesma forma, a concentração de aminoácidos é alta em relação a outros alimentos como trigo, milho, etc...”, salienta o orientador. A pesquisa também identificou compostos fenólicos antioxidantes na semente e no óleo de chia.

De acordo com Maróstica, a escolha da chia também foi motivada pelo crescimento da busca por alimentos funcionais que se deu na última década. “Percebemos que o consumo de chia começou a aumentar e muito se falava sobre a qualidade da chia baseada em sua composição e menos em estudos de atividade funcional fisiológica. Daí a necessidade da prova de conceito, que é mostrar que esse conceito de ‘fazer bem’ é comprovado por estudos científicos. Você pode ter muitas hipóteses, conhecimento popular, mas é necessário que haja uma evidência científica, e isso vai de encontro a nossa linha de pesquisa”. O grupo ao qual o trabalho está relacionado vincula doenças à ação de alimentos. “Nós estudamos muito a ação de alimentos na melhora da obesidade”, acrescenta Maróstica.

A conclusão do trabalho sugere que há “subsídios à introdução destes compostos na dieta habitual da população, podendo atuar como coadjuvante na prevenção e no controle de desordens metabólicas crônicas”. Porém recomenda precaução antes de extrapolar os resultados para humanos ou estipular quantidades de ingestão.

Publicação

Tese: “Avaliação do potencial da semente e do óleo de chia (Salvia hispanica L.) na prevenção e no tratamento da obesidade e comorbidades induzidas por dieta hiperlipídica e hiperglicídica in vivo”
Autora: Rafaela da Silva Marineli Campos
Orientador: Mário Roberto Maróstica Junior
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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Microgéis na ‘receita’


Campinas, 15 de agosto de 2016 a 21 de agosto de 2016 – ANO 2016 – Nº 665


Pesquisadora testa técnicas de microencapsulação de probióticos e prebióticos para alimentos funcionais

Texto: Carmo Gallo Netto Fotos: Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: André Vieira
O consumo de alimentos funcionais tem se intensificado nos últimos anos. Eles se distinguem por propriedades benéficas à saúde, melhorando as funções fisiológicas, potencializando o valor nutricional dos alimentos, auxiliando o equilíbrio e a atividade da microbiota intestinal, reduzindo o risco de determinadas doenças. Probióticos e prebióticos são exemplos de ingredientes funcionais que vêm sendo empregados pela indústria de alimentos com vistas à oferta de produtos mais saudáveis, nutritivos e funcionais.

Entretanto, as condições de processamento, armazenamento e ingestão dos alimentos em que os probióticos são adicionados podem provocar uma redução em sua viabilidade, fazendo com que não alcancem o sítio de ação em quantidades adequadas para conferir benefícios desejados. Neste contexto, o acondicionamento em sistemas de microencapsulação oferece proteção, além de proporcionar a liberação controlada deste ativo no local de atuação.

Com o objetivo de conferir maior resistência a estes microrganismos ao longo dos processos de produção e armazenamento e garantir ainda sua atuação no intestino, onde devem chegar em quantidades adequadas, vêm sendo utilizadas técnicas de microencapsulação, que consistem em revestir materiais de interesse, proporcionando proteção às condições adversas a que são expostos.

Nessa direção se orientou o trabalho desenvolvido pela mestra em engenharia de alimentos Karen Cristina Guedes Silva, no Laboratório de Engenharia de Processos, orientada pela professora Ana Carla Kawazoe Sato, do Departamento de Engenharia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp.

Em sua dissertação, Karen avalia a influência da adição de prebióticos e probióticos na produção de microgéis de alginato e gelatina e também a eficiência da técnica de encapsulação na sobrevivência e viabilidade dos microrganismos probióticos encapsulados isolada e conjuntamente com prebióticos. Ela estuda ainda a viabilidade e a cinética de liberação dos microrganismos probióticos após a passagem pelos fluidos gástricos e intestinais por simulação in vitro, além de avaliar a estabilidade e viabilidade dos probióticos microencapsulados adicionados em iogurte ao longo de 28 dias de armazenamento.

A microencapsulação é uma técnica que permite proteger compostos de interesse utilizando diferentes tipos de materiais poliméricos, convertendo-os em produtos de maior conveniência e aplicabilidade, além de possibilitar sua liberação controlada e melhorar a biodisponibilidade dos ativos, sendo largamente empregada pela indústria farmacêutica.

A microencapsulação voltada para aplicação em alimentos deve garantir a utilização de polímeros biodegradáveis, pois estes não apresentam toxicidade e degradam-se em determinadas condições.

A microencapsulação de compostos ativos apresenta grande potencialidade na indústria de alimentos e, por isso, estudos que visam a melhoria de processos, a caracterização da cinética de liberação, através de testes de simulação in vitro das condições gastrointestinais e viabilidade, podem contribuir para evolução do setor e possibilitar sua aplicação em escala industrial em alimentos diversificados.

O que foi feito

Primeiramente, a pesquisadora selecionou uma combinação de biopolímeros e produziu a partir destes as soluções biopoliméricas que dariam origem aos microgéis. Na solução formada a partir dos biopolímeros foram adicionados o probiótico e o prebiótico. Mas antes disso, a pesquisadora avaliou diferentes concentrações de prebióticos a serem adicionadas à matriz biopolimérica para determinar aquela que proporcionaria a formação de microgéis mais resistentes. Nos testes preliminares foram avaliadas então propriedades reológicas como viscosidade e textura, para que pudesse ser definida a concentração ótima do prebiótico mais adequada à encapsulação.

A partir então da solução dos biopolímeros que continha o probiótico e o prebiótico produziram-se os microgéis, que foram caracterizados por microscopia eletrônica e ótica, para determinar a distribuição do probiótico na cápsula, além do tamanho das partículas formadas. Constatou-se a sua dispersão em todo o interior do invólucro, embora parte dele possa dispor-se na superfície. A propósito, a pesquisadora explica: “Visto que o prebiótico melhora a atuação do microrganismo ativo, optamos por produzir microgéis simbióticos, para poder avaliar inclusive essa ação conjunta. Com a microencapsulação, pretendíamos que o probiótico resistisse à passagem pelo trato gástrico, ao qual é sensível, chegando ao intestino, local em que a desintegração da cápsula deve ocorrer para que o ativo seja liberado, exercendo assim sua ação”.

Após a caracterização dos microgéis, a etapa seguinte concentrou-se na viabilidade de sua aplicação. Nessa fase a pesquisadora produziu um iogurte e avaliou nele o comportamento dos sistemas de encapsulação por 28 dias, a 4º C, período em que um alimento com adição de probióticos deve manter-se ativo, a fim de ser caracterizado como um alimento funcional. O que efetivamente verificou-se com o microrganismo encapsulado.

No passo seguinte foram realizadas as simulações gastrointestinais in vitro. Para tanto, os microgéis foram adicionados em soluções que simulavam as condições gástricas e intestinais para avaliar como seria a liberação do ativo após seu consumo.

Resultados

Para estas simulações foram utilizadas três formulações: a adição de probiótico livre, do microgel contendo apenas o probiótico e do microgel constituído por ele e pelo prebiótico.

Na estocagem do iogurte os resultados mostraram-se melhores no caso dos microgéis simbióticos, o que era esperado, uma vez que o prebiótico atua como fonte de substrato para o microrganismo, fazendo com que ele se mantenha ativo.

Em relação à simulação in vitro observou-se que os microgéis resistiram bem à passagem pelo trato gástrico. No entanto, os microgéis simbióticos foram mais resistentes, sendo capazes de liberar o probiótico por uma extensão maior do intestino. Neste caso, em condições intestinais, observou-se uma ruptura progressiva dos microgéis, proporcionando uma liberação gradual dos microrganismos no sítio de ação desejado.

Em última análise, a encapsulação permite a utilização de menor quantidade de microrganismos nos alimentos para atingir atividade semelhante à empregada em suas formas livres em produtos alimentícios. No laboratório essa tecnologia está sendo testada em produtos lácteos. Visando ainda o universo de pessoas que não podem consumir estes produtos, a professora Ana Carla lembra que, em projeto com a Embrapa-RJ, estão sendo desenvolvidos também estudos, dentro da mesma linha de pesquisa, com vistas a estender a aplicação para produtos não lácteos, caso dos sucos. E conclui: “Com a utilização deste microgel em diferentes alimentos, procuramos viabilizar aplicações práticas, indo além da pesquisa básica, o que certamente abrirá novos espaços para as indústrias de alimentos, propiciando maiores benefícios para os consumidores”.

O que são e como agem

Os probióticos são microrganismos vivos presentes naturalmente na flora intestinal, sendo essenciais à manutenção do equilíbrio desta microbiota para garantir uma vida saudável. Fatores como alimentação desequilibrada, uso de antibióticos, entre outros, podem reduzir o número de bactérias benéficas e aumentar a proliferação de bactérias indesejáveis nessa flora. A suplementação de probióticos em quantidades adequadas nos alimentos possibilita a recomposição da microbiota intestinal, conferindo benefícios à saúde dos consumidores.

Estudos mostram que a capacidade de sobrevivência de bactérias probióticas durante os processos de produção, período de armazenamento e trânsito no trato gastrointestinal é baixa. Isso decorre de vários fatores, como condições ácidas a que são expostas, presença de sais biliares, temperatura, entre outros.

Produtos que associam probióticos e prebióticos são conhecidos como simbióticos. Como o próprio nome indica, a associação proporciona uma relação de simbiose, em que os prebióticos potencializam a sobrevivência e a colonização de bactérias probióticas, por atuarem como substrato, ou seja, fonte de energia para os probióticos.

Na realidade os prebióticos são componentes alimentares não digeríveis, como fibras, que apresentam maior poder de atividade no intestino grosso ao serem metabolizadas pelos probióticos, afetando beneficamente os consumidores, por estimularem seletivamente a proliferação e a atividade das bactérias benéficas no cólon e inibir a multiplicação de patógenos.

Os prebióticos são componentes alimentares essenciais, por atuarem como substrato para a proliferação de Lacibacillus e Bifidobacterium, sendo responsáveis, juntamente com os probióticos, pelo aumento na absorção de água pelas paredes intestinais, nutrição das células do cólon, propiciando aumento do volume fecal e redução do tempo de trânsito intestinal, além de estarem associados à redução no risco de doenças colorretais, infecções e intolerância a lactose.

Devido à baixa viabilidade dos microrganismos probióticos frente às condições digestivas, o uso de técnicas de microencapsulação torna-se uma alternativa para o problema. A microencapsulação constitui um processo em que partículas são incorporadas em uma matriz que proporciona uma barreira física para o material aprisionado, oferecendo proteção, reduzindo a permeabilidade e exposição do ativo durante sua exposição a condições que não lhe são propícias. Visto que a ação dos probióticos se dá no intestino, os sistemas matriciais para a veiculação destes compostos devem ser resistentes à passagem pelo estômago, devido às condições de elevada acidez.

Publicação

Dissertação: “Produção de microgéis simbióticos de gelatina-alginato e simulação da liberação controlada em condições gastrointestinais”
Autora: Karen Cristina Guedes Silva
Orientadora: Ana Carla Kawazoe Sato
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: CNPq e Faepex

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Em busca da batata frita mais saudável

Campinas, 27 de junho de 2016 a 03 de julho de 2016 – ANO 2016 – Nº 661

Redução de substância nociva ocorre depois de tubérculo in natura ser tratado com enzima

Texto: Carmo Gallo Netto Fotos: Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: André Vieira
Além das condenáveis gorduras, a batata frita tem ainda um produto potencialmente tóxico e cancerígeno: a acrilamida. Com efeito, a batata crua é rica em um aminoácido chamado L-asparagina. Quando esse tubérculo é frito, ou mesmo processado a temperaturas mais altas, esse aminoácido reage com açúcares redutores nele presentes, dando origem à acrilamida, através da conhecida reação de Maillard, que confere sabor e aroma aos alimentos fritos, assados e torrados.

Se a acrilamida formada quando certos alimentos são torrados, assados, cozidos ou fritos constitui uma substância tóxica e cancerígena, seria desejável que ela fosse eliminada antes de seus processamentos, embora a mesma reação que leva à sua formação também possa originar paralelamente produtos agradáveis quanto à cor e ao sabor, como no caso da batata frita.

Esse foi o escopo principal da pesquisa desenvolvida pela engenheira de alimentos Fernanda Furlan Gonçalves Dias junto à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientada pela professora Hélia Harumi Sato, do Departamento de Ciência de Alimentos. E ela efetivamente conseguiu o que pretendia utilizando uma das enzimas L-asparaginases, que catalisam a hidrólise do aminoácido L-asparagina, formando ácido aspártico e amônia. O ácido aspártico não se transforma em acrilamida. Nesse processo em que a batata crua é submetida ao tratamento com a enzima, em que ocorre a transformação do aminoácido L-asparagina, a redução da acrilamida presente na batata frita é de 72%. Trata-se de uma excelente notícia para os consumidores de batatas.

O trabalho desenvolvido é muito mais complexo do que pode ser equivocadamente inferido deste breve resumo. Ele envolveu primeiramente a seleção da melhor enzima fúngica, o estudo para sua efetiva produção, a purificação do produto, certamente a etapa mais complexa e trabalhosa, a caraterização bioquímica do composto obtido e sua aplicação na batata.

Paralelamente, a pesquisadora estudou ainda o efeito da enzima no ataque a células cancerígenas, pois há mais de três décadas as L-asparaginases têm sido utilizadas em tratamentos quimioterápicos de doenças malignas do sistema linfático, tais como leucemia linfoblástica aguda infantil, linfoma, linfossarcoma de Hodgkin e melanossarcoma. Além desse uso clínico, as L-asparaginases têm sido empregadas com êxito na inibição da formação de acrilamida em alimentos amiláceos aquecidos a elevadas temperaturas.

A acrilamida

A acrilamida é considerada como provável carcinógeno em humanos segundo a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer, além de tóxica ao sistema nervoso e reprodutivo em determinadas doses. Em vista disso, a Organização Mundial da Saúde e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura recomendam a redução de sua concentração em alimentos. Uma publicação, de 2015, da Autoridade Europeia em Segurança Alimentar, mostra que a ingestão de acrilamida aumenta potencialmente o risco de desenvolvimento de cânceres em todos os grupos etários.

Com base no conhecimento dos mecanismos de formação de acrilamida, vários parâmetros relacionados ao seu nível em alimentos já foram investigados, mas os métodos mais eficazes envolvem a remoção de seus precursores como o aminoácido L-asparagina. Apesar das L-asparaginases revelarem-se promissoras para reduzir o aminoácido L-asparaginase e, consequentemente a acrilamida, a sua aplicação ainda é dispendiosa em comparação com outras estratégias que possam ser utilizadas. Daí a necessidade de reduzir os custos de produção das L-asparaginases com vistas ao seu emprego na segurança dos alimentos produzidos em países que não são autossuficientes nestas enzimas. A aplicação no Brasil de uma L-asparaginase nativa, sem tecnologia de clonagem, poderia aumentar a possibilidade de reduzir os custos decorrentes da importação dessas enzimas. Frise-se que em alguns países, inclusive o Brasil, apenas a L-asparaginase deAspergillus oryzae é permitida para utilização em alimentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Caminho seguido

Diante deste quadro, o caminho seguido pela pesquisa foi o de inicialmente selecionar entre oito linhagens de fungos aquele que se revelasse a melhor produtor de L-asparaginase para, depois, estudar a otimização de sua produção, determinar as características bioquímicas do produto obtido, purificar a enzima a partir do fungo selecionado, para então aplicá-la em batatas cruas para verificar a capacidade de reduzir a formação de acrilamida e, paralelamente, avaliar a L-asparaginase purificada quanto ao potencial antiproliferativo de células tumorais.

Em consequência, o trabalho se iniciou com o estudo da produção de L-asparagina por oito linhagens de fungos Aspergillus, sendo selecionada para a pesquisa a linhagem A. oryzae CCT 3940 devido às características bioquímicas da enzima obtida.

Para comparar a eficácia da redução da enzima obtida com sua versão comercial, amostras de batatas cortadas na forma de cubos foram submetidas à imersão, por 30 minutos a 50 graus Celsius, em três tratamentos: em apenas água destilada, em água destilada com L-asparaginase purificada e em água destilada com a enzima comercial. A L-asparaginase purificada promoveu uma redução de 72% na formação de acrilamida, enquanto que a enzima comercial apresentou 92% de redução em comparação com o sistema controle.

No trato sobre células cancerígenas selecionadas a L-asparagina purificada apresentou atividade antiproliferativa contra várias linhagens de células tumorais humanas sem inibir completamente o crescimento de linhagens não tumorais.

Segundo a autora, os resultados indicam que a enzima L-asparaginase de A.oryzae CCT 3940 possui características bioquímicas e atividades biológicas atrativas para as indústrias de alimentos e farmacêuticas. 

Explicações necessárias

Em relação às células cancerígenas, Fernanda explica que através da administração endovenosa a enzima retira as asparaginas do sangue inviabilizando a sobrevivência das células doentes, enquanto as células sadias têm capacidade de produzi-las para se manterem vivas, o que torna a enzima bem seletiva.

Para teste de eficiência da enzima produzida a pesquisadora, em parceria com o CPQBA, se valeu de uma gama de células tumorais. E de fato, no estudo in vitro, ela conseguiu reduzir e inibir a formação das células doentes.

Em geral os medicamentos utilizam enzimas de origem bacteriana, mas a utilizada por ela é de origem fúngica. Embora as conclusões dependam de maiores estudos, existem indícios da possibilidade de que os medicamentos que utilizassem enzimas de origem fúngica possam produzir menos efeitos colaterais. Estes se manifestam principalmente por causa de uma atividade chamada de glutaminase, pois a enzima bacteriana atua em outro aminoácido chamado glutamina, e quando o faz pode causar alergias e uma série de efeitos colaterais. A enzima empregada pela pesquisadora não apresentou atividade de glutaminase.

Por outro lado, a aplicação da L-asparaginase na batata não afetou os níveis de glutamina, diferentemente do que ocorre com o emprego da enzima comercial utilizada para comparação, embora esta leve à maior redução da acrilamida (92%).

Outra grande vantagem do emprego da L-asparagina é a de não afetar as propriedades sensoriais da batata. A redução da acrilamida poderia ser conseguida em uma batata geneticamente modificada, ou com menor conteúdo de açucares redutores ou com menos L-asparagina, mas isso levaria a um produto de perfil sensorial alterado. Outra alternativa seria fritar a batata em temperaturas e em tempos menores, mas certamente poucos se interessariam por um alimento menos crocante.

Os procedimentos foram realizados em escala de bancada, fazendo-se agora necessário um estudo para mensurar a viabilidade comercial. Para cumprir a etapa seguinte a pesquisadora vai, durante o pós-doutorado, ampliar a escala, passando a utilizar reator de bancada. Destaque-se, ainda, que essa pesquisa básica abre caminho para outros trabalhos que podem conduzir a resultados práticos muito significativos para a indústria de alimentos com vistas a torna-los mais saudáveis.

Fernanda conclui: “Conseguimos selecionar o microrganismo produtor, otimizar sua produção aumentando-a em mais de 200%, purificá-lo, comprovar sua atuação efetiva em batatas fritas reduzindo-lhe em 72% o teor de acrilamida. Ele se mostrou também antiproliferativo quando aplicado em células tumorais como as leucêmicas. Essas são as duas principais conclusões, embora nosso enfoque maior fosse a redução da formação de acrilamida durante o processamento de alimentos”.

Publicação

Tese: “Produção, caracterização bioquímica e aplicação de L-asparaginase fúngica”
Autora: Fernanda Furlan Gonçalves Dias
Orientadora: Helia Harumi Sato
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)

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Pistas na folha de eucalipto

Campinas, 13 de junho de 2016 a 19 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 659

Pesquisa investiga ação do fluoreto no meio ambiente na produção de alumínio

Texto: Carmo Gallo Netto Fotos: Antoninho Perri Edição de Imagens: André Vieira
São conhecidos as pesquisas e os trabalhos desenvolvidos pelo professor Jaime Aparecido Cury, da Faculdade de Odontologia (FOP) de Piracicaba, relacionados aos benefícios da adição do flúor nas águas tratadas destinadas ao consumo humano, nos cremes dentais e nas aplicações tópicas realizadas nos consultórios dentários. Nesses casos, e estudos o comprovam, o emprego do flúor, na forma de íon fluoreto (F-), não provoca quaisquer efeitos colaterais danosos à saúde dos indivíduos.

Embora reconhecidos os benefícios do íon fluoreto no controle da cárie dentária, e apesar de encontrado naturalmente no solo, nas águas subterrâneas, nas águas dos rios e dos mares, ele é considerado um poluente quando advindo de atividades industriais na forma de gás, caso do fluoreto de hidrogênio (HF) ou de material particulado. Nestes casos as principais fontes de poluição são as indústrias de alumínio, fertilizantes, cerâmica, vidro, aço, entre outras. Este fato levou o docente, já há algumas décadas, a se dedicar também ao estudo da poluição ambiental por fluoreto e suas consequências.

Na década de 90 o professor preocupou-se, de forma assistemática, a determinar o grau de contaminação a que pudessem estar sendo submetidos funcionários de uma fábrica de alumínio. Posteriormente, em 1996 e 2006, se dedicou à determinação da poluição por flúor, decorrente da fabricação de fertilizantes, na região de Cubatão. Recentemente ele orientou tese, do dentista Fabricio Narciso Olivati, que teve o objetivo de avaliar eventual poluição ambiental por fluoreto na cidade de Alumínio, São Paulo, sede da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), a maior indústria de produção desse metal no Brasil e uma das mais importantes do mundo no setor. Situada a sudeste do Estado de São Paulo, o município de Alumínio pertence à região administrativa de Sorocaba e está a 74 km da capital.

Para determinar a presença de fluoreto o pesquisador se valeu de folhas de eucalipto como biomarcador, selecionado pela disponibilidade desse vegetal a diferentes distâncias da indústria. Como biomarcadores são utilizadas espécies vegetais que possuem maior sensibilidade para a detecção de substâncias químicas potencialmente contaminantes. Embora existam vários compostos de flúor gerados como poluentes, o trabalho centrou-se na ação de gases de flúor liberados na fabricação de alumínio e que, absorvidos pela planta, dão origem ao íon fluoreto.

As análises basearam-se na quantificação da concentração de fluoreto encontradas nas amostras de folhas de eucalipto existentes na região, em cinco diferentes pontos de coleta, e foram realizadas no Laboratório de Bioquímica da FOP, dirigido pelo professor Jaime. Para tanto, as folhas foram desidratadas, pulverizadas e o fluoreto solúvel em água foi extraído a 37 °C, sendo então o extrato resultante submetido a processos analíticos adequados.

Frise-se que os limites de ingestão de fluoretos pelo ser humano envolvem duas situações distintas: a toxidade aguda e a toxidade crônica. A aguda, hoje muito rara e acidental, decorre da ingestão por via oral de uma quantidade muito grande de fluoreto, acima da dose provavelmente tóxica (DPT) que é de 5 mg F/kg de peso do indivíduo. Já a toxidade crônica resulta da ingestão diária de pequenas quantidades de fluoreto por via oral ou respiratória. É o que ocorre com o consumo diário por crianças de água fluoretada na concentração ótima - cujo único efeito é fluorose dental, que neste caso não provoca qualquer prejuízo ao organismo. Entretanto quando pessoas são expostas durante toda a vida a altas concentrações de flúor pode haver o desenvolvimento de fluorose esquelética, provocada pela poluição ambiental decorrente de atividades industriais locais. 

Nos dentes o fluoreto em excesso interfere na sua mineralização, tornando-os opacos e mais fragilizados. Esta hipomineralização ocorre somente durante a formação dos dentes e, portanto, acomete apenas crianças até mais ou menos os sete anos de idade. Já no osso o excesso de fluoreto leva à hipermineralização tornando-o frágil e mais sensível a fraturas. Como o tecido ósseo está em constante renovação, o efeito crônico da toxidade se manifesta no adulto desde que a quantidade de fluoreto absorvida pelo organismo seja alta e por períodos muito prolongados.

A pesquisa

Embora um dos objetivos do trabalho fosse o de verificar as concentrações de fluoreto em amostras de folhas do eucalipto disponível no entorno da indústria, Fabricio pretendia inicialmente determinar também, através de exames de urina, a quantidade de fluoreto absorvido por moradores da cidade e até a situação dentária de crianças locais, propostas inviabilizadas pela pouca disponibilidade das pessoas em participar. Ele entende que em uma cidade de pequeno porte, com pouco mais de 17 mil habitantes, em que tudo gira em torno de uma única indústria, os fatores inibitórios e os receios são grandes.

Em vista disso, ele delimitou o foco do estudo à contaminação atmosférica, colhendo amostras de folhas de eucalipto da espécie híbrida Eucalyptus grandis x Eucalyptus urophilla, disponíveis no local, nos meses de março e agosto. Ou seja, no período mais chuvoso e por consequência de maior dispersão atmosférica, em que se poderiam esperar teoricamente menores concentrações do poluente, e no período menos chuvoso, portanto de menor dispersão atmosférica e, presumivelmente, de maior concentração de poluentes. A escolha de dois períodos visou também a confirmação de resultados e a eliminação de eventuais sazonalidades de produção, já que ele não dispunha de informações sobre possíveis períodos de maior ou menor atividade da fábrica.

A colheita das folhas foi feita às distâncias de 250, 350, 600, 700 e 1.700 metros da indústria e amostras de controle foram colhidas, nas mesmas épocas, na cidade de Capão Bonito, a 150 km do local, onde reside o pesquisador, comprovadamente livre de poluição por fluoreto de origem industrial, e que se distingue ainda por possuir o maior reflorestamento de eucaliptos no Estado de São Paulo, de propriedade do mesmo grupo empresarial. Com a colheita de amostras a várias distancias procurava-se saber se a poluição concentrava-se no entorno da fábrica ou se disseminava além.

A constatação foi a de que a presença de poluição não tem relação direta com a distância da indústria, pois foram encontradas concentrações acima dos valores normais em plantas em todos os pontos estudados, mas sem que se verificasse uma tendência padrão. Esse achado contrariava de certa forma o que era inicialmente esperado, ou seja, que a concentração de fluoreto fosse máxima próximo à fábrica e que diminuísse com o distanciamento dela. Ele considerou, então, a possibilidade deste aparente disparate decorrer da ação dos ventos predominantes na região, explicação a ser confirmada por outras pesquisas.

Segundo a literatura especializada, as concentrações de fluoreto estão dentro da normalidade quando na faixa 1 a 10 ppm - que corresponde à mg F/kg de vegetal, mas podem ser potencialmente tóxicas para as plantas quando atingem de 20 a 80 ppm. No caso, houve pontos da coleta que atingiram mais de 450 ppm, ou seja, 450 miligramas de flúor em 1 000 gramas do vegetal, ou ainda, 0,45 miligramas de fluoreto em um grama do vegetal. Os valores detectados no entorno da fábrica foram 5 a 100 vezes maiores que os encontrados no grupo de controle (Capão Bonito). A propósito Fabricio ressalva: “Os resultados em média mostraram que as concentrações de íon fluoreto nas folhas de eucaliptos localizados ao redor da fábrica na cidade de Alumínio foram da ordem de 8 a 54 vezes maiores que os encontrados em Capão Bonito, evidenciando a emissão de fluoreto de hidrogênio na atmosfera. Não determinamos os possíveis impactos dessa emissão de fluoreto nos trabalhadores da fábrica, na população, na fauna e flora da região, que devem ser pesquisados”.

O professor Jaime lembra que para efeitos comparativos, de controle analítico e validação da técnica, foram analisadas as concentrações de fluoreto nas folhas da espécie Camellia sinensis, da qual é obtido o chá preto ou verde, por se tratar de planta que consegue captar o fluoreto contido no solo. No chá preto o fluoreto tem origem natural atingindo concentrações de até 1000 ppm. Uma xícara de chá preto chega a contribuir com uma ingestão de fluoreto equivalente a 1 litro de água fluoretada na concentração ótima de 0,7 ppm.

Explicações
O professor Jaime explica que se levou em conta no ar do entorno da indústria principalmente a presença de fluoreto gasoso, que entra na folha e libera no seu interior o íon fluoreto. Mas esse mesmo gás é absorvido pelos vegetais e respirado pelos animais e humanos e uma vez nestes, na forma iônica, chega ao sangue que o conduz aos vários tecidos do organismo. O seu efeito cumulativo ocorre ao encontrar os tecidos mineralizados nos quais se junta ao cálcio solidificando-se na forma de minerais.

O docente esclarece ainda que, embora as empresas disponham de filtros para retenção de gases nocivos, ela não é total e uma parte deve escapar para o ambiente, como sugerem os dados do trabalho. Então ele se pergunta: “Se gases de fluoreto estão contaminando a atmosfera o que deverá estar acontecendo com os que trabalham dentro da fábrica? É uma pergunta que merece resposta, pois se trata de uma questão de saúde ocupacional. A legislação (NR 7, 2013) exige análises periódicas de urina em ambiente industrial em que há possibilidade de contaminação por fluoreto, o que imagino deve estar sendo feito em Alumínio. Valores de excreção de fluoreto na urina, em termos do Índice Biológico Máximo Permitido (IBMP) de 3,0 mg F/g creatinina antes do início da jornada de trabalho e de 10,0 mg F/g creatinina ao final dela são parâmetros previstos por lei. Dados, da década de 90, de que confidencialmente disponho, mostraram que essa contaminação existia. Resta verificar se continua e quanto ela pode estar afetando a saúde do trabalhador”.

Fabricio enfatiza que os dados obtidos mostram que existe poluição ambiental por fluoreto em certo espaço em torno da fábrica, embora não permitam determinar o impacto dela nos vegetais, nos animais e nos seres humanos. “Tínhamos ideia de fazer um trabalho até com as crianças para detectar o efeito dessa poluição na fluorose dental, mas não conseguimos por falta de receptividade. Nossa pesquisa acabou tendo caráter prospectivo e exploratório. Os possíveis impactos dessa poluição na saúde dos trabalhadores, dos moradores da cidade e sobre os animais e vegetais da região sugerem novas pesquisas, a exemplo do que é rotineiramente feito em países como Alemanha, Austrália, Nova Zelândia”, conclui ele.

Publicação

Tese: “Concentração de íon flúor em folhas de eucalipto localizadas ao redor de uma indústria de alumínio”
Autor: Fabricio Narciso Olivati
Orientador: Jaime Aparecido Cury
Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)

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Trabalho etnográfico detalha relações de troca em reserva extrativista no Acre


Campinas, 17 de junho de 2016 a 26 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 660

Antropólogo chegou a morar seis meses em comunidade amazônica para desenvolver tese

Texto: Luiz Sugimoto Fotos: Divulgação: Antoninho Perri Edição de Imagens: André Vieira
Uma economia peculiar vigente em uma comunidade amazônica, marcada por características morais, racionais e também por relações de afeto, é o tema de tese de doutorado defendida na Unicamp pelo antropólogo Roberto Sanches Rezende. O trabalho etnográfico na Reserva Extrativista do Alto Juruá, situada no extremo oeste do Acre, tem foco inédito nas relações de troca, mais especificamente nas relações de “ajuda”, como são chamadas localmente, e que abarcam uma diversidade de trocas econômicas, desde trocas de dias de trabalho até doações de bens. Intitulada “Camponeses da bacia do rio Tejo: economia, política e afeto na Amazônia”, a tese foi orientada pelo professor Mauro William Barbosa de Almeida e defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Para sua pesquisa de campo, Roberto Rezende morou seis meses com uma família da comunidade Iraçu, localizada na foz do rio Tejo, um afluente do alto Juruá. O autor já guardava na bagagem muitas informações sobre a bacia do Tejo, para onde viajou sete vezes desde 2006. “O professor Mauro Almeida é meu orientador desde a iniciação científica e, já no primeiro ano da graduação, convidou alunos para um projeto de transcrição de cadernos produzidos por seringueiros da região: eram cerca de 900 diários temáticos sobre atividades cotidianas como de trabalho, caça, pesca e agricultura. Por se tratar da primeira reserva extrativista criada no Brasil, havia preocupação com o monitoramento da qualidade de vida e da biodiversidade, e os diários serviam para avaliar as condições ambientais e também sociais, como a dieta alimentar da população.”

O autor da tese conta que seu orientador iniciou pesquisas na região antes da demarcação da Reserva, tendo assessorado o movimento dos seringueiros para que a criação se concretizasse em 1990. “Patrões que se diziam proprietários das terras arrendavam os seringais e controlavam a comercialização tanto da borracha como de mercadorias. O movimento dos seringueiros dos anos 1980 foi contra esta relação com os patrões: no Juruá, não queriam ser mais obrigados, por exemplo, a pagar pelo uso das estradas de seringa (33 quilos de borracha por ano como ‘renda’); em outra frente, em Xapuri (região de Chico Mentes), lutavam contra as ocupações de madeireiros e fazendeiros. Este movimento em todo o Acre resultou na criação das primeiras reservas extrativistas, sendo a primeira delas a do Alto Juruá, onde atualmente moram cerca de cinco mil pessoas.”

A partir dos anos 90, porém, a produção da borracha começou a ser gradualmente abandonada, levando Rezende a analisar, em seu mestrado, o processo de concentração populacional em localidades às margens do Tejo, particularmente na comunidade Restauração. “Antes as pessoas viviam espalhadas pela floresta, em pequenas colocações de três ou quatro casas, extraindo o látex das seringueiras naturalmente dispersas (não eram plantadas). Com a queda do preço pago pela borracha iniciou-se uma transição para atividades agropastoris. As pessoas começaram a ir para a beira do rio a fim de facilitar o escoamento dessa produção. Ao mesmo tempo, a prefeitura municipal instalava escolas e postos de saúde em localidades à beira do rio, o que incentivava ainda mais as pessoas a se concentrar nas margens. Formaram-se comunidades de até uma centena de casas.”

O pesquisador explica que sua dissertação tratou deste movimento e de como as transformações econômicas estavam ligadas a mudanças políticas e sociais importantes: “A Reserva Extrativista do Alto Juruá representa hoje cerca de 65% do território de Marechal Thaumaturgo, um município criado depois da reserva e que a engloba. Há muito interesse e ingerência da prefeitura, além de certa ausência dos órgãos federais responsáveis pela reserva – antes era o Ibama, agora o ICMBio [Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade]. O município possui um total de 14 mil habitantes e os cinco mil da reserva representam porcentagem importante de votos. Após a crise da borracha, muitas pessoas procuraram empregos oferecidos pela prefeitura nas escolas e postos de saúde que ela criava. Era mais uma alternativa econômica”.
Foco inédito

Tendo acompanhado o final desta transição, Roberto Rezende focou seu doutorado nas relações econômicas, mais especificamente nas relações de troca: “Até onde sei, não existe um estudo específico e detalhado sobre essas relações de ajuda na Amazônia. Teses sobre populações amazônicas abordam esse aspecto, mas não como tema central. Além das pesquisas de campo, foram fontes importantes as teses e dissertações orientadas pelo professor Mauro Almeida desde os anos 90, sobre as condições de vida dos habitantes do Alto Juruá.”

Nos capítulos iniciais, Rezende oferece um panorama do comportamento econômico dos camponeses amazônicos e da história da região, com ênfase na transição do modelo de ocupação territorial baseado emcolocações para o modelo de comunidades, acompanhada pela transição do extrativismo para as atividades agropastoris. “Ao longo dos anos 2000, a borracha desapareceu de Marechal Thaumaturgo dando lugar à farinha de mandioca como produção principal, e ao milho, como base da dieta animal (gado, caprinos e aves). A farinha e a carne compõem a base alimentar da população. Tivemos assim a substituição de uma economia para exportação (de borracha) por uma economia local, no máximo regional.”

O pesquisador afirma que, neste período de transição, programas de distribuição de renda como o Bolsa Família tiveram grande impacto junto às famílias de seringueiros. “Todos já eram agricultores de subsistência, mantendo o seu roçado e comprando no mercado apenas itens como sal, óleo, sabão e munição para caça. Com a crise da borracha, começaram a produzir mais arroz, feijão e farinha para vender. Eles dizem que as coisas só melhoraram com os primeiros programas sociais, ainda no governo FHC, e que o Bolsa Família foi essencial para a economia doméstica. Passando os anos, o município foi crescendo e dando emprego para muitas pessoas, o que gerou um mercado local: quem não plantava arroz, comprava do vizinho, as famílias tinham mais dinheiro para comprar roupas, calçados, alimentos industrializados, TVs, motores.”

De acordo com Roberto Rezende, entre os moradores tradicionais da reserva extrativista, a vida material é bastante parecida. “Obviamente, algumas pessoas possuem mais bens domésticos que outras. Um dos aspectos que pode diferenciá-las é o momento do ciclo de desenvolvimento familiar: um pai com muitos filhos precisa trabalhar muito para alimentá-los, mas quando os filhos crescem, ele conta com vários trabalhadores para ajudar no sustento da casa. Também conta o gosto individual: há quem goste de ter uma casa grande, um sofá confortável, enquanto outro prefere usar seu tempo para caçar e comer carne fresca de queixada, veado ou paca. Depende da perspectiva que a pessoa tem de uma vida boa.”

Códigos peculiares norteiam o cotidiano
De agosto de 2013 a fevereiro de 2014, Roberto Rezende morou na casa de Hilarino Lima Nogueira, sua esposa Iza e as filhas Roseli (14 anos), Rosimar (10), Roseane (8) e Rosângela (1). O período foi planejado para que pudesse acompanhar as principais fases do ciclo agrícola na bacia do rio Tejo, desde o preparo dos terrenos para plantio até a colheita. “É justamente nesse período que as casas dos ribeirinhos se envolvem em um número maior de trocas, recorrendo a trabalhadores externos para os picos de demanda de trabalho nos roçados. Boa parte desses trabalhadores externos vem de casas vizinhas, que pertencem a um mesmo grupo de casas. Faço uma etnografia da comunidade Iraçu, que tem o nome do seu líder, senhor Iraçu. Ao redor de sua casa moram os cinco filhos, conformando o grupo de casas principal, ao qual se somam outros grupos de casas aparentadas formando a comunidade. Meu anfitrião, Hilarino, é um dos filhos do senhor Iraçu.”

O pesquisador observa que a conformação de um grupo de casas, com a liderança de uma casa mais velha e as mais novas associadas, é um padrão no rio Tejo, mas que não representa um patriarcado. “Cada casa tem sua autonomia produtiva e de consumo. O grupo de casas funciona principalmente para o ordenamento territorial: onde abrir o roçado, as áreas de caça e de pesca. Cabe às casas fazer o planejamento do trabalho dos seus membros e das trocas em que se envolvem”.

Quanto às trocas entre as casas do grupo, o pesquisador constatou que suas observações em campo não batiam com trabalhos de outros pesquisadores sobre trocas no interior de comunidades amazônicas. “Em outras regiões a relação de troca chamada de ajuda é definida como uma relação entre parentes, desinteressada e natural, limitando-se ao espaço da comunidade. Ou seja, quem é parente se ajuda. Isso não serve para o caso do Tejo. Mesmo entre irmãos, não se trata de uma relação de troca generalizada, toda troca é contada: a pessoa sabe com quem está endividada, quem está em dívida com ela e o tipo de dívida. Se o irmão e mais três pessoas o ajudaram a abrir o roçado, ele vai se dividir para ajudá-los em alguma atividade posteriormente, retribuindo a ajuda originalmente prestada.”

Ajuda e consideração

A partir dessa constatação, Rezende procurou entender qual o sentido da “ajuda” para os moradores da reserva extrativista, interpretando que a peculiaridade desta relação não estava nas características do que era trocado, ou mesmo no parentesco entre quem trocava, mas no efeito causado sobre os sentimentos das pessoas. “Os aspectos econômicos e afetivos são indissociáveis, já que as redes de troca acabam sendo impactadas pela questão da consideração. As relações de ajuda são, afinal, relações de aproximação e de confiança. Mesmo nas modalidades de troca mediadas por dinheiro, notei que se trata de parceria preferencial: sempre que é necessário contratar alguém, procura-se a pessoa com quem já se teve uma relação de troca anterior. Isso vai criando e aumentando relações de proximidade e, por vezes, a relação de ajuda se transforma em parentesco, quando acaba em casamento.”

A partir de uma análise mais detalhada da relação entre a ajuda e a construção da consideração entre as pessoas, Rezende analisou as relações no interior das casas das famílias de ribeirinhos, mostrando como a ajuda, enquanto uma relação especial da socialidade local, era ensinada às crianças desde cedo. “A ajuda é uma categoria central da socialidade. Na casa de Hilarino, a filha de 14 anos já ajudava na cozinha, a irmã de 10 cuidava da bebê, enquanto a de 8 ajudava carregando água. O trabalho de Iza no roçado e em casa também era ajuda, pois ‘trabalho’ mesmo era considerado apenas o de Hilarino, o chefe da casa.”

Na opinião do autor da tese, a ênfase dada durante a criação às relações de ajuda como uma relação primordial para a manutenção das casas é também uma forma de criar consideração e afeto entre as pessoas. “Se alguém cuida de mim quando pequeno, quando eu crescer vou olhar por ela, ficar ao seu lado na doença. Quando o filho cresce, normalmente fica morando perto do pai e dos irmãos, por conta da cadeia de relações entre eles e por saber que, quando precisar, vão olhar por sua necessidade.”

Nem tudo é harmonia

O autor reservou um capítulo da tese para mostrar, por outro lado, que as relações de ajuda e criação não implicavam em total harmonia dentro das casas ou da comunidade Iraçu. “Um dos filhos do líder não concordava com a forma de criação, reclamando que o pai pegava pesado demais no trabalho do roçado. Quando completou 18 anos, casou-se com a professora da escola e foi morar na sede do município com emprego assalariado. As comunidades amazônicas não vivem uma harmonia naturalizada, há processos de separação, seja por expulsão ou por saída voluntária para solucionar tensões.”

Certa feita, um homem comprou um bode, que comia as plantas do vizinho. Como ambos não eram parentes, o vizinho resolveu morar em outro lugar para evitar uma briga. “As brigas envolvem a família toda e podem se tornar violentas. Há um capítulo em que analiso essas relações de desconsideração e desrespeito, que são o avesso da ajuda: se alguém age de maneira indevida na casa ou na comunidade de outro, o dono tem autoridade moral para usar de violência; o chefe deve pôr ordem na casa, até porque a presença do Estado é baixíssima. Conversei com pessoas que não davam festas em casa por medo de que acontecessem atritos e fossem obrigados a tomar providências, talvez ferindo ou mesmo matando uma pessoa, o que significa, muitas vezes, entrar em conflito com toda a família da vítima.”

Outro caso registrado por Rezende envolveu a chegada à comunidade Iraçu de um ex-presidiário de Cruzeiro do Sul, segunda maior cidade do Acre. Desconhecendo o regime local, o chamado “marginal” bebia, mexia com as mulheres e se metia em brigas. Em uma rodada dominical do torneio de futebol entre comunidades, os membros de Iraçu se reuniram para discutir o que fazer com o forasteiro inconveniente. “As opções iam de avisar o pessoal da comunidade que o trouxe que ali a falta de respeito não seria tolerada, até de ‘pegar de pau’ o indivíduo. Como a violência não era desejável, eles combinaram que, se algo mais acontecesse, iriam amarrá-lo e chamar a polícia.”

A relação com políticos

Segundo Roberto Rezende, as relações de ajuda não se limitam ao espaço das comunidades, podendo se estender a comerciantes e políticos da sede municipal. “A diferença está na assimetria da relação. Se o agricultor precisa de um gerador de energia e não pode pedir ao irmão igualmente sem posses, ele procura o político interessado em seu voto, o que coloca nesta economia um componente redistributivo importante: espera-se que quem tem mais, ajude com mais. A ajuda é uma relação caracterizada pelaprecisão de uma pessoa e a condição de outra.”

Uma característica peculiar apontada pelo antropólogo é que, no processo de formação do município de Marechal Thaumaturgo, os políticos buscavam votos em troca de empregos para membros das famílias das comunidades. “A expansão dos serviços do Estado permitiu a distribuição de muitos cargos. Praticamente todas as escolas precisavam de professores, zeladores e outros servidores. A partir de 2013, tanto o governo federal reduziu o repasse de verbas, como esse mercado de trabalho estava saturado. Os políticos, então, já não conseguiam cumprir suas promessas.”

O pesquisador registrou o caso de um morador da reserva que subiu o rio Tejo com um candidato a vereador, ajudando-o a conseguir votos em troca de um emprego para si e de um gerador de energia para sua comunidade. “O vereador foi eleito graças justamente à diferença de votos dos parentes dele, que depois virou motivo de piada por que as promessas não eram cumpridas. O gerador só foi entregue depois de várias idas à cidade para pressionar o vereador e o prefeito, ameaçando não mais votar no partido deles; quanto ao emprego, a solução encontrada foi que dividisse o salário com outro auxiliar geral de escola, com o político contemplando, assim, duas famílias.”

Rezende não vê neste regime de troca apenas uma atitude maquiavélica dos políticos para enganar a população. “É uma economia própria do Tejo, uma via de dois sentidos: as pessoas utilizam as relações deconsideração e ajuda para cobrar as promessas dos políticos, que na maioria também são da região e pensam da mesma maneira. Não se trata de pessoas politicamente mal formadas, e sim de uma forma bastante peculiar de entender as relações de troca e as relações políticas. Cada promessa política não cumprida vira também uma ofensa moral.”

Outro exemplo de política da ajuda e de seu componente redistributivo, lembrado por Roberto Rezende, é do presidente do sindicato de trabalhadores rurais que queria se eleger vereador e, através de um projeto com recursos do governo federal, subiu o rio distribuindo geradores, facões e outros bens para as comunidades. “Foi o mais votado nas eleições. No ano seguinte, durante um bingo no novenário da vila Thaumaturgo [a festa religiosa mais importante da região], ele e um morador da reserva preencheram ao mesmo tempo as cartelas com direito a um fogão e uma botija de gás. Os dois subiram ao palco, em frente a milhares de pessoas, e o vereador sugeriu que ficaria com a botija e o morador com o fogão, esperando a ovação por abrir mão do bem de maior valor. Mas acabou vaiado pelo povo, tido como miserável. Deixou de ser o político mais querido do município e provavelmente não será reeleito. Trata-se do componente redistributivo dessa economia: as pessoas esperam de quem tem que seja generoso com quem precisa.”

Publicação

Tese: “Camponeses da bacia do rio Tejo: economia, política e afeto na Amazônia”
Autor: Roberto Sanches Rezende
Orientador: Mauro William Barbosa de Almeida
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)

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Pesquisa alerta para adição de sucralose em alimentos quentes


Campinas, 04 de abril de 2016 a 10 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 651

Resultados demonstraram que, quando aquecido, adoçante torna-se quimicamente instável, liberando compostos tóxicos

Texto: Silvio Anunciação Fotos: Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: André Vieira
Um artigo científico publicado por pesquisadores da Unicamp num periódico online pertencente ao grupo Nature alerta para os riscos do uso do adoçante sucralose, especificamente, em alimentos e sobremesas quentes, como chás, cafés, bolos e tortas. Os principais resultados do estudo indicam que, quando aquecido, o adoçante torna-se quimicamente instável, liberando compostos potencialmente tóxicos e cumulativos ao organismo humano.

Derivado da sacarose, o nosso açúcar de mesa, a sucralose é o adoçante mais consumido no mundo e liberado irrestritamente pelos principais órgãos de segurança alimentar, incluindo o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, o Joint Expert Committee on Food Additivies (JECFA), da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Brasil.

No estudo que gerou a publicação no periódico online de acesso livre Scientific Reports (http://www.nature.com/articles/srep09598), o professor Rodrigo Ramos Catharino, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Unicamp, e os pesquisadores Diogo Noin de Oliveira e Maico de Menezes demonstraram que, quando aquecida, a sucralose torna-se quimicamente instável, liberando hidrocarbonetos policíclicos aromáticos clorados (HPACs), compostos tóxicos, cumulativos no organismo humano e potencialmente cancerígenos.

“Com a queima das moléculas da sucralose há a formação de HPACs, uma família de compostos que têm muita facilidade para se tornarem tóxicos e mutagênicos. Isso acontece na sucralose por conta de um rearranjo das moléculas, quando elas são aquecidas. Outro fator preocupante é que esta substância liberada pelo aquecimento da sucralose é extremamente cumulativa no nosso organismo”, explica o professor Rodrigo Ramos Catharino, que coordena o Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp e atua junto ao curso de Farmácia da FCF.
O docente da Unicamp assegura que o estudo é o primeiro, em nível mundial, a relatar o comportamento térmico da sucralose, abrangendo uma vasta gama de abordagens analíticas, como análises térmicas, espectroscopia no infravermelho e espectrometria de massas. Os HPACs estão associados ao aumento da incidência de diversos tipos de canceres no homem. A exposição humana aos HPACs se dá principalmente através da contaminação ambiental por meio da fumaça gerada a partir da queima de combustíveis fósseis.

“Os resultados da nossa pesquisa apontam dados novos na área de toxicologia de alimentos, indicando que a exposição crônica de seres humanos ao adoçante, caso, por exemplo, de diabéticos e de quem faz dietas especiais, pode causar efeitos nocivos à saúde. O uso deste edulcorante artificial merece, portanto, muita atenção dos consumidores, além do desenvolvimento de outras pesquisas por parte de órgãos de regulamentação”, indica.

O estudo da Unicamp, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), não determinou a quantidade liberada e o impacto direto da queima da sucralose no organismo humano. Foram utilizadas duas marcas do adoçante, adquiridas no comércio de Campinas e região. Devido a questões legais e éticas, os nomes dos fabricantes não foram revelados na pesquisa. As amostras foram submetidas a aquecimento em banho-maria, em temperaturas suaves para avaliar um amplo espectro de compostos perigosos formado na degradação do produto.

“Nós observamos uma liberação de HPACs a uma temperatura próxima a 98 graus célsius, um pouco abaixo da temperatura de ebulição da água. É uma temperatura muito próxima de um chá quente ou de um café”, revela o pesquisador Diogo Noin de Oliveira, que conduz doutorado na área sob a orientação de Catharino. O seu colega Maico de Menezes, que assina o artigo, também é orientado de Catharino em pesquisa de mestrado em andamento.

Ainda de acordo com o doutorando da FCM, a sucralose é produzida sinteticamente a partir da sacarose, o açúcar de mesa obtido, no Brasil, por meio da cana-de-açúcar. A principal diferença química entre este edulcorante e o açúcar comum é a existência de átomos de cloro presentes na sucralose. Tais átomos são capazes de aumentar o poder de doçura do adoçante, que chega a ser 400 vezes maior do que o da sacarose.

“O açúcar comum possui átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio (C12H22O11). Na sucralose (C12H19Cl3O8) alguns átomos de oxigênio foram substituídos pelo cloro. Dentre outras características, isso confere a ela um poder de dulçor maior. Observamos, porém, que estes átomos de cloro aumentam não só o poder adoçante dela, mas a reatividade. Quimicamente ela se transforma em algo que vai reagir mais facilmente. Isso, portanto, explica essa instabilidade da sucralose em temperaturas mais quentes”, conta Diogo de Oliveira.

Neste ponto, Rodrigo Catharino esclarece que a sucralose não decomposta é isenta de riscos ao nosso organismo. “Se não aquecer a sucralose não tem problema nenhum, ela é completamente inofensiva”, confirma. Ainda conforme Catharino, a reação verificada com o aquecimento da sucralose é muito similar ao que acontece com a queima da carne do churrasco. Neste último caso ocorre a liberação de HPAs, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, semelhantes aos HPACs, diferindo apenas pela presença do cloro.

“No churrasco, em produtos defumados e até no fumo é possível encontrar HPAs. A queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás de carvão, é uma das principais fontes de emissão destes compostos. Tantos os HPAs como os HPACs são bastante nocivos. No caso específico do churrasco, que já é bem conhecido, a formação dos HPAs ocorre quando a gordura da carne respinga no carvão por conta do calor. Com a fumaça, estes compostos aderem à carne trazendo riscos à saúde”, exemplifica.
Rótulo

Conforme os pesquisadores da Unicamp, muitos fabricantes informam, no rótulo do adoçante, que a sucralose é estável ao aquecimento, indicando e sugerindo, inclusive, receitas com alimentos quentes, como chás, bolos, tortas, entre outros. “Não foi isso que o estudo demonstrou”, rebate Rodrigo Catharino.

Ele situa que nos últimos anos outras pesquisas vêm chamando a atenção da comunidade científica sobre a segurança alimentar da sucralose e de suas aplicações industriais. Para Catharino, embora seja o adoçante artificial mais utilizado em alimentos e produtos farmacêuticos, muitas perguntas ainda precisam ser respondidas quanto ao potencial da sucralose em degradar e formar subprodutos clorados em temperaturas quentes.

“A sucralose é o adoçante artificial mais utilizado tanto para fins industriais e uso pessoal. Embora inicialmente considerado seguro para uso, a literatura recente aumentou a conscientização sobre o potencial de que a sua estrutura tem de gerar compostos tóxicos quando expostos a temperaturas altas. Importantes contribuições têm ampliado significativamente o conhecimento sobre as condições precisas em que estas moléculas indesejáveis surgem. Este é o caso da nossa pesquisa”, contextualiza.

Publicação 

de Oliveira, D.N., de Menezes, M. & Catharino, R.R. Thermal degradation of sucralose: a combination of analytical methods to determine stability and chlorinated byproducts. Sci. Rep. 5, 9598; DOI:10.1038/srep09598 (2015)

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