sábado, 5 de março de 2016

Estudo identifica novos remédios da tradição indígena no tratamento da malária (agencia.fapesp.br)

04 de março de 2016

Peter Moon | Agência FAPESP – A malária é um problema de saúde muito sério no Brasil. A doença, que por décadas esteve circunscrita à região amazônica, começa a avançar em direção das demais regiões do país. Entre 2007 e 2014, foram registrados 6.092 casos de malária fora da região amazônica, sendo 90% dos casos importados de pacientes que passaram pela Amazônia e 10% de casos autóctones com transmissão local (Leia mais em agencia.fapesp.br/22396/).

Muito embora os levantamentos mais recentes apontem queda na incidência de novos casos de malária fora da região amazônica, o combate à proliferação do mosquito transmissor deve andar pari passu na busca de novos medicamentos e tratamentos. Daí a importância da pesquisa desenvolvida pela etnobotânica Carolina Weber Kffuri, pós-doutoranda no Departamento de Horticultura da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, com supervisão de Lin Chau Ming. O trabalho, que teve apoio da FAPESP, foi publicado no Journal of Ethnopharmacology.

Carolina Kffuri passou um ano e meio na região do alto rio Negro, no Amazonas, entre 2010 e 2012, período em que conviveu com moradores e indígenas da região. Essa convivência permitiu que ela conhecesse a realidade da malária no local, assim como as plantas da região usadas pela medicina tradicional no tratamento da doença. Ela documentou o uso de 46 espécies de plantas, das quais apenas 18 já tinham sido estudadas por suas propriedades antimaláricas; 26 delas eram desconhecidas da ciência. Seus efeitos no combate da doença nunca foram investigados. São 26 espécies com potencial para o desenvolvimento de novas drogas e que ninguém nunca tinha ouvido falar – exceto os índios.

A pesquisadora iniciou seu trabalho com uma viagem a São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Estado do Amazonas, para apresentar o projeto às comunidades indígenas. De acordo com Carolina Kffuri, os líderes das comunidades entenderam e aceitaram participar do projeto. Ela planejara começar o estudo em poucos meses, mas foi preciso aguardar que o projeto fosse aprovado pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN).

Por fim, em setembro de 2013, a pesquisa de campo deslanchou com cinco comunidades indígenas: Cunuri e Tapira Ponta, ambas no rio Uaupés, um afluente do rio Negro; Ilha das Flores, na confluência do Uaupés com o Negro; São Jorge, no rio Curicuriari, outro afluente do Negro; e a comunidade Curicuriari, na confluência do Curicuriari com o Negro. As comunidades são multiétnicas: Tukano, Desano, Baré, Tariano, Piratapuia, Arapaço, Baníua (Baniwa), Hupda, Curripaco e Bará.

Foram entrevistados, ao todo, 89 índios, 49 homens e 40 mulheres, cujas idades variavam dos 22 até os 74 anos. A todos ela indagou, por exemplo, “quais plantas você usa para tratar malária e quais você conhece ou ouviu falar?”. A maioria dos entrevistados respondeu em português, espanhol e em outros dez idiomas nativos.

As respostas permitiram identificar as plantas usadas no tratamento da malária, as formas de preparo e a posologia. Carolina Kffuri descobriu onde aquelas 46 plantas crescem e quais partes são usadas como remédio. Em todo o trabalho, a pesquisadora contou com a ajuda de Moisés Ahkáutó Lopes, um estudante da etnia tukano da comunidade Cunuri, nas entrevistas, na coleta do material e na tradução e transcrição dos nomes na língua Tukano.

Remédio amargo

Entre as 46 plantas utilizadas pelos índios contra a malária, “a maioria era composta por árvores grandes e raízes, principalmente de herbáceas”, diz Carolina Kffuri. Das árvores geralmente se retira a casca, mas também são usados raízes, folhas, frutos, a planta inteira, caules e sementes. O preparo dos remédios envolve cozimento de cascas, fervura de chás, maceramento de folhas e sementes e queima de plantas até obter cinzas utilizadas in natura em banhos de vapor. Pelo menos em um caso as plantas são administradas na forma de enemas.

“A dose normal é de um copo, três vezes ao dia, de manhã, ao meio-dia e à tarde”, diz a pesquisadora. “As plantas usadas para banho são tóxicas. Neste caso, a dose é de uma colher na água do banho, duas vezes por dia. Utilizam também um cipó muito amarelo, que é uma das características das plantas usadas contra a malária; a outra é o amargor. São remédios muito amargos.”

De acordo com a pesquisadora, “os índios estão deixando de usar os remédios tradicionais. Eles começam a preferir o remédio industrializado dos brancos. São drogas cuja ação é mais rápida, mas, segundo os entrevistados, têm mais efeitos colaterais”.

As 46 plantas documentadas na pesquisa crescem em vários ambientes: perto das casas, dentro da floresta, em terra firme ou em igapós, e em terrenos baixos, próximos aos rios e frequentemente inundados. Apenas uma espécie é endêmica da região, a tachia , ou canela-de-veado.

Segundo Carolina Kffuri, 26 espécies jamais tinham sido estudadas em laboratório. “ Não conseguimos determinar a espécie de outras duas. São do gênero Swartzia e Piper. Não há nenhum registro publicado. Provavelmente são espécies novas”, revela.

De todas as plantas citadas, sete tiveram um alto consenso de uso contra a malária, a saber: carapanaúba (Aspidosperma schultesii), saracura-mirá (Ampelozizyphus amazonicus), açaí-da-catinga (Euterpe catinga), açaí-do-mato (E. Precatoria), camapu (Physalis angulata); acuti-cabari ou cabari-de-cotia (Swartzia argentea) e o coco-da-bahia (Cocos nucifera).

Cinco delas já eram conhecidas da ciência por suas propriedades antimaláricas. Até a publicação da pesquisa nada se conhecia sobre a ação antimalárica do açaí-da-catinga e do cabari-de-cotia.

Uma questão suscitada pelas respostas dos índios intrigou a pesquisadora: eles dizem que alguns remédios não servem para todas as pessoas. Depende do sangue, dizem os índios. “Teria isto a ver com o tipo sanguíneo do doente?”, indaga Carolina Kffuri.

Cabe aos bioquímicos, farmacologistas e à indústria farmacêutica a tarefa de verificar se as plantas têm de fato emprego no combate à malária e se é possível extrair delas princípios ativos que resultem em novos medicamentos. Quanto à pesquisadora, ela pretende retornar à Amazônia com um novo projeto: identificar quais são as plantas da floresta usadas na alimentação tradicional das comunidades indígenas. A permissão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que autoriza o acesso ao conhecimento tradicional indígena, já foi aprovada.

O artigo de Carolina Kffuri, Moisés Ahkáutó Lopes e outros, Antimalarial plants used by indigenous people of the Upper Rio Negro in Amazonas, Brazil, publicado no Journal of Ethnopharmacology, pode ser acessado no endereçowww.sciencedirect.com/science/article/pii/S0378874115302506
Foram documentadas 46 espécies de plantas na Amazônia, 18 com propriedades antimaláricas comprovadas pela ciência e 26 ainda desconhecidas (foto: Cipó pacarão (Abuta grisebachii), com casca amarela e amarga, é usado no tratamento da malária )

Link:

OMS define novos parâmetros para alimentos processados que têm açúcar, sal ou gordura em excesso

Agência da ONU publicou critérios para definir o que seriam quantidades excessivas de sal, açúcar e gordura em produtos industrializados. OPAS/OMS quer alertar os países e a população das Américas para os riscos do consumo de alimentos processados e ultraprocessados, responsável por taxas crescentes de diabetes, câncer, doenças do coração e obesidade.
Consumo de produtos industrializados em países das Américas estaria ligado a taxas crescentes de sobrepeso, obesidade e doenças crônicas, como diabetes, câncer e doenças do coração. Foto: WikiCommons/lyzadanger/Diliff

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) – representação da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas – publicou na última sexta-feira (19) critérios inéditos para a classificação dos alimentos processados e ultraprocessados. Com os novos parâmetros, a agência da ONU quer mudar conceitos anteriores sobre o que seriam quantidades excessivas de sal, açúcar e gordura em produtos industrializados.

O objetivo é fornecer orientações aos Estados-membros para que estes implementem políticas públicas de incentivo à alimentação saudável. “Temos dados que mostram que o consumo de alimentos pobres em nutrientes, ricos em calorias e ultraprocessados nos países das Américas está diretamente relacionado a taxas crescentes de sobrepeso e obesidade”, afirmou a conselheira sênior da OPAS sobre Alimentos e Nutrição, Chessa Lutter.

Segundo a agência, dietas pouco saudáveis estariam contribuindo para uma epidemia cada vez maior de doenças crônicas, como diabetes, câncer e doenças do coração.

O novo Modelo de Perfil de Nutrientes da OPAS define os alimentos processados como produtos alimentícios que são produzidos industrialmente usando sal, açúcar ou outros ingredientes para preservá-los ou torná-los mais palatáveis.

Já as comidas ultraprocessadas são aquelas industrialmente formuladas que contêm substâncias extraídas de alimentos – como caseína, soro de leite e proteínas isoladas – ou substâncias sintetizadas a partir de constituintes alimentares – como óleos hidrogenados, amidos modificados e sabores.

De acordo com os critérios estabelecidos pela OPAS, ambos os tipos de produtos apresentam quantidades excessivas de açúcar, sal e gordura quando: a quantidade de açúcares adicionados ou de gorduras saturadas representar 10% ou mais do total de calorias; ou as calorias associadas a todas as gorduras somarem 30% ou mais de toda a carga energética do alimento em questão; ou as calorias da gordura trans forem igual a 1% ou mais do total de calorias; ou ainda quando a proporção de sódio, em miligramas, em relação às calorias for de um para um ou mais.

Esses parâmetros devem ser aplicados a todos os alimentos processados e ultraprocessados, desde vegetais em conserva até ‘frios’, batatas fritas, sorvetes, iogurtes com sabor, cereais e barras de cereais. As classificações não servem para comidas não industrializadas ou minimamente processadas, como vegetais frescos ou congelados, legumes, grãos, frutas, raízes, tubérculos, carnes, peixes, leite, ovos e pratos preparados com esses alimentos.

A OPAS acredita que, com as novas definições, países poderão elaborar regulações mais efetivas para, por exemplo, determinar que tipo de alimento poderá ser vendido ou servido em escolas. Restrições à publicidade infantil de alimentos pouco saudáveis também estão entre as medidas recomendadas.

Outras políticas públicas podem envolver a exigência de rótulos específicos nos produtos industrializados, que alertem para a presença de sal, açúcar ou gordura em excesso.

Segundo a OPAS, os Estados-membros podem ainda criar impostos distintos para alimentos processados pouco saudáveis, como refrigerantes à base de açúcar, além de redistribuir subsídios para a agricultura, a fim de estimular a produção e o consumo de produtos frescos.

Fonte: ONU Brasil

in EcoDebate, 03/03/2016

Biodiversidade e Biotecnologia, parte II, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] O projeto, já mencionado em manifestos precedentes, denominado “BIOTA-FAPESP” contribuiu substancialmente para a melhoria do conhecimento básico de ciência dos estudantes brasileiros, criando uma mentalidade sobre a importância da ciência para o Brasil e motivando a cidadania a olhar o conhecimento científico como um instrumento maravilhoso para desvendar os segredos do mundo, e não como uma obrigação curricular (JOLY et al., 2008).

RACANICCHI et. al. (2014) asseveram que numa área de 8,5 milhões de km², o Brasil tem 55 mil espécies de plantas, 524 espécies de mamíferos, 517 espécies de anfíbios, 1622 espécies de pássaros, 468 espécies de répteis e 3000 espécies de peixes (MMA, Relatório Nacional sobre a biodiversidade, 1998).

Cientistas brasileiros anunciaram a descoberta de 15 novas espécies de aves na Amazônia, sendo 11 endêmicas do Brasil. Foi a maior descoberta da ornitologia brasileira em 140 anos. As novas descobertas representam 1% na biodiversidade nacional de aves.

De acordo com matéria publicada no site da FAPESP, o Dr. Roberto Berlinck enfatizou, que a pesquisa em biotecnologia e biodiversidade cresce no Brasil desde o fim dos anos 90, mas hoje é preciso novas abordagens para investigar questões locais e gerar ciência e tecnologia.

Existem muitos dados de pesquisas armazenados, muita informação, mas as pessoas não têm acesso, como ressalta o professor Dr. Miragaia “Na área da Biologia, por exemplo, são muitos trabalhos sobre Manguezais, a maioria relatórios que não estão publicados por falta de interesse do pesquisador. Dados foram coletados para teses e dissertações e não havia cobrança para publicação nas universidades”.

De acordo com o jornal SCImago Journal & Country Rank, o Japão publicou cerca de 2.500 artigos por ano entre 1996 e 2011 e o Brasil pouco mais de 400 artigos no mesmo período. (SCIMAGO JOURNAL & C. R., 2013)

Hoje, apenas 2% da produção de artigos científicos de todo o planeta são do Brasil, apesar de estarmos entre as 10 maiores economias. Existe ausência de incentivo e de recursos para a pesquisa no Brasil.

O Brasil pode crescer em tecnologia ampliando os índices de parceria com o setor privado e os intercâmbios com grandes grupos de pesquisa de outros países considerados como referência nas áreas de Tecnologia, como ocorre com a Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Laboratórios multinacionais têm investido nos últimos anos, de maneira velada, grandes montantes financeiros para o desenvolvimento de estudos com produtos naturais e tais recursos servem como grande fonte para obtenção de novas moléculas com potencial farmacológico, tornando-se deste modo uma importante biblioteca para o surgimento de novos tratamentos no futuro.

RACANICCHI et. al. (2014) detecta que estudos da Consultoria IMS Health indicam que no ano de 2015 a venda de Fitoterápicos no mundo deverá girar em torno de 110 milhões de reais, tendo como suposição que o Brasil esteja na sexta colocação em relação ao consumo mundial.

Estes dados fazem com que os grandes laboratórios multinacionais vejam o mercado de produtos naturais, especialmente os fitoterápicos, com grande potencial financeiro.

Esta empresa faz auditorias sobre o consumo e venda de medicamentos em todo o mundo. “Os dados são utilizados pelas indústrias farmacêuticas, para a elaboração de projetos. Que sejam viáveis, de acordo com as vendas registradas, em determinado país ou região” (IMS Health, 2013). O percentual de pesquisas brasileiras que geram produtos e tecnologias aplicadas, no entanto, ainda é pequeno.

BEGON, Michael, TOWSEND, Colin R., HARPER, John L. “Ecologia” – De indivíduos a Ecossistemas. 4ª Ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. p.633

BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Cria o Conselho Nacional de Biossegurança, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança . Disponível em: http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/11992.html., acesso em 25 de Setembro de 2013.

BRASIL. MMA (Ministério do Meio Ambiente), Relatório Nacional sobre a Biodiversidade, 1998. http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_arquivos/cap2a.pdf, acesso em 02.09..2013 FAPESP. Fundação e Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. www.fapesp.br, acesso em 15.08.2013

IMS Health, Consultoria. Empresa de auditorias sobre o consumo e venda de medicamentos do mundo. Disponível em http://www.imshealth.com/portal/site/imshealth), acesso em 04.10.2013

JOLY, C. A. e BICUDO, C. E. M. Biodiversidade do Estado de São Paulo, Brasil: síntese do conhecimento ao final do século XX – vol.7. Infra- estrutura para conservação da biodiversidade. 1.ed. São Paulo.FAPESP, 1999. v.1. 150 p.

JOLY, C. A. et al. Diretrizes para a conservação e restauração da biodiversidade no estado de São Paulo. 1.ed. São Paulo: Secretaria do Meio Ambiente & Programa BIOTA, 2008. V1. 245p.

MILLER, G. Tyler Jr. “Ciência Ambiental”. São Paulo: Editora Thomson Learning. 2007 p.476 PORTUGAL. Portal da Escola Superior Agrária. Instituto Politécnico de Viana do Castelo. http://portal.ipvc.pt/portal/page/portal/esa/esa_noticias_agenda/2011/esa_biotecnologia_motiv a_publicacao, acesso em 27.09.2013

RODRIGUES, Ana Cristina e FERRAZ Ana Isabel. Biotecnologia, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. e-book ed. Porto: Editora Publindustria. 2011. 282p.

SCIMAGO JOURNAL & COUNTRY RANK – Portal com indicadores para avaliar e analisar domínios científicos. Disponível em http://www.scimagojr.com , acesso em 22.09.2013

RACANICCHI, Wanda Schumann, BASTOS, Robson e GIORDANO, Fabio Um diagnóstico crítico de especialistas sobre biodiversidade e biotecnologia no Brasil UNISANTA BioScience – p. 33 – 38; Vol. 3 nº 1, 2014

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Civilização Instantânea ou Felicidade Efervescente numa Gôndola ou na Tela de um Tablet [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, 03/03/2016
"Biodiversidade e Biotecnologia, parte II, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 3/03/2016, http://www.ecodebate.com.br/2016/03/03/biodiversidade-e-biotecnologia-parte-ii-artigo-de-roberto-naime/.

quinta-feira, 3 de março de 2016

tocando em frente - Maria Bethânia

Farming our future -- The urban agriculture revolution | David Gingera |...

TEDxMasala - Dr Vandana Shiva - Solutions to the food and ecological cri...

The Street: An Urban Ecology | Vikas Mehta | TEDxUCincinnati

A micropolítica da Agricultura Urbana e as grandes transformações coletivas (cartamaior.com.br)

A rápida urbanização pela qual passamos nos fez desaprender sobre os ciclos da natureza e enxergá-la como algo estranho ao nosso cotidiano.

Lya Porto, Gustavo Nagib, Giulia Giacchè - Membros do Grupo de Estudos em Agricultura Urbana (GEAU)
Vivemos uma era de transformação, onde podemos encontrar ações e visões completamente opostas em espaços comuns: competição e cooperação, criação de hortas comunitárias e demandas por mais concreto na cidade, meditações coletivas e aumento do consumo de antidepressivos, explosão da culinária natural e dos fast foods. Nosso velho sistema econômico está na UTI e levou junto com ele os recursos naturais de nosso planeta Terra. Mas, afinal, quais são as resistências para transformar os nossos modos de vida que não deram certo?

É interessante observar que as dinâmicas da micropolítica têm muito a nos dizer sobre as lógicas dos níveis meso e macro do nosso sistema econômico, político e social. Um exemplo são os conflitos que ocorreram no espaço É Hora da Horta, no bairro da Casa Verde (zona norte), na cidade de São Paulo – espaço de trabalho com o cultivo de alimentos orgânicos em um terreno da Eletropaulo desde agosto de 2014.

A horta é cuidada diariamente por três agricultores e há mais de 50 espécies comestíveis, entre frutas, legumes, verduras, ervas medicinais e Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC). Além do cuidado com o cultivo de alimentos, há uma fiscalização constante para que não haja água parada com o objetivo de evitar a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, do zika e da chikungunya.

Frequentada por pessoas do bairro e de outras regiões de São Paulo, há sete casas ao redor da horta e as atividades de agricultura passaram a incomodar alguns vizinhos. No final do ano passado, alguns deles fizeram uma denúncia contra a horta alegando que há falta de limpeza e risco de proliferação do mosquito transmissor da dengue. A Subprefeitura da Casa Verde, por sua vez, traduziu essa denúncia em uma multa de R$ 15 mil e enviou um fiscal no local pedindo para que uma das agricultoras retirasse todas as PANC.

Tendo em vista o ocorrido, nos perguntamos: quais são os sentidos envolvidos na ideia de falta de limpeza e risco de contaminação de dengue para os vizinhos e para os fiscais e técnicos da subprefeitura? Espinafre silvestre, ora pro nobis, beldroega, batata doce, trapoeraba, rúcula silvestre, feijão orelha de frade, vinagreira, amaranthus, bertalha, salsinha silvestre. Todas essas espécies são plantas alimentícias que se desenvolvem espontaneamente e se estabelecem no imaginário de algumas pessoas como ideias relacionadas à sujeira e doença.

Curiosamente, o próprio município assegura (e deveria promover) a Agricultura Urbana e Periurbana Agroecológica, conforme estabelecido na Lei no 13.727/04, regulamentada por meio do Decreto 51.801/10. Com base nessas regulamentações é papel da prefeitura promover o cultivo da diversidade das espécies, considerando que os fundamentos das práticas agrícolas de base ecológica são, entre outras, a agrobiodiversidade.

Depois do ocorrido, ao acionar a Coordenadoria de Segurança Alimentar e Nutricional do município, a coordenação do programa entrou em contato com a subprefeitura para esclarecer que não havia irregularidade nas atividades da horta. Ainda assim, esse fato demonstra que há despreparo para lidar com o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana (PROAURP) no nível local.

O que há de errado nisso?

Por que chegamos ao ponto de plantas alimentícias serem consideradas perigosas e daninhas? Qual seria o sentido envolvido entre os vizinhos que se satisfazem em fazer denúncias e buscar culpados? E fiscais do poder público que se sentem úteis em prescrever multas e punir cidadãos? Por que não conseguimos sedimentar transformações no nosso sistema político, social e econômico?

A rápida e excessiva urbanização pela qual passamos no Brasil, especialmente em São Paulo, nos fez desaprender sobre os ciclos da natureza e nos colocou em uma situação de estranhamento a ela, como se não fizéssemos mais parte de um sistema integrado. Passamos a ter certa aversão do contato direto com a terra e considerar este envolvimento sinônimo de sujeira e promotor de possíveis doenças. Além de ser uma visão equivocada, este comportamento pode impossibilitar o tratamento dos problemas urbanos com iniciativas mais criativas e menos dependentes de produtos industriais que comprometem em larga escala não só o meio ambiente, mas a saúde humana.

O desafio de controlar o mosquito Aedes aegypti está diretamente associado à nossa péssima relação com as águas urbanas. O aterramento de rios e córregos da cidade de São Paulo transformou-se em dutos subterrâneos coletores e transportadores de esgoto. Além da falta de saneamento básico, que tornou os principais rios metropolitanos absurdamente poluídos e contaminados – hoje, o Tietê, o Pinheiros e o Tamanduateí são rios “mortos” na cidade de São Paulo. Essas são as causas reais da insalubridade do meio urbano e da propagação de doenças em escala tão alarmante.

Há um distanciamento e rechaço das pessoas em relação à natureza e esse posicionamento é refletido e reforçado pelas ações públicas.

Sucessivas gestões governamentais de diversos níveis federativos continuam sendo permissivas para a não preservação de áreas verdes e de mananciais, como é o caso da liberação de construção no Parque dos Búfalos, localizado em área particular. Nesse caso, tanto o governo federal, quanto o estadual e o municipal flexibilizam essas construções através de ações conjuntas.

A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), órgão estadual, concede licenciamento para construção nessa área de preservação e o município de São Paulo segue mantendo a lógica de leis antigas sob nova roupagem, restringindo construção em áreas de preservação apenas para propriedades públicas e não para propriedades particulares.

Assim, embora a atitude dos vizinhos denunciarem uma horta alegando que o plantio de alimentos significa falta de limpeza não pareça ter alguma relação com a diminuição dos espaços verdes da nossa cidade, há uma forte relação entre as mesmas. É o distanciamento cada vez maior das pessoas e da natureza que gera doença, depressão, falta de sentido na vida, competição e consumo como fuga de um grande vazio. O vazio do distanciamento da essência de cada um de nós que está assassinando os recursos naturais do nosso planeta.

Nesse contexto, as hortas comunitárias se apresentam como solução a nível micro para despertarem a consciência ambiental e resgatarem o contato das pessoas com a natureza, que pode ter efeitos progressivos. As hortas urbanas não apenas nos indicam outro caminho para melhor gerir e cuidar das nossas cidades de maneira mais participativa, democrática e ambientalmente sustentável, como nos ensinam a controlar doenças na vida cotidiana.

O cultivo consciente de PANC (verdadeiros “matos de comer”) e o manejo responsável da água, que vêm sendo realizado nas hortas comunitárias de São Paulo, são exemplos desta ampliação de consciência cidadã. Por meio de uma nova forma de se relacionar com as pessoas e com a natureza, podemos transformar nossos hábitos, nossas cidades e nosso planeta.

Data: 03.03.2016

Créditos da foto: Rita Cavalieri
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Óleo de pequi previne aparecimento de câncer no fígado

Por Antonio Carlos Quinto - acquinto@usp.br
Publicado em 2/março/2016 
Óleo do pequi promoveu a regressão das lesões até a aparência de um fígado normal

O óleo de pequi (Caryocar brasiliense Camb) é capaz de reduzir lesões pré-neoplásicas (que antecedem o câncer) em até 51%, como mostraram testes realizados com camundongos na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. Os resultados destes experimentos estão descritos no artigo Chemopreventive effects of pequi oil (Caryocar brasiliense Camb.) on preneoplastic lesions in a mouse model of hepatocarcinogenesis recentemente veiculado na revista European Journal of Cancer Prevention.

De acordo com o professor Francisco Javier Hernandez Blazquez, do Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química da FMVZ, além das reduções, o óleo do pequi conseguiu promover a regressão das lesões até a aparência de um fígado normal. Os testes foram realizados em animais onde o processo canceroso foi induzido. Os camundongos que, ao mesmo tempo, foram tratados com o óleo de pequi por via oral apresentaram menos lesões, sendo que muitas estavam em processo de reversão, conta Hernandez Blazquez. A pesquisa teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Ele descreve que os resultados vêm comprovar os efeitos benéficos deste fruto nativo do cerrado brasileiro. O extrato do óleo do pequi possui propriedades anti-inflamatórias, antioxidante e anticâncer, entre outros. “O que nos levou a investigar os efeitos do óleo no tratamento do câncer de fígado foram os resultados obtidos em estudos realizados pelo professor César K. Grisólia, na Universidade de Brasília”, conta Hernandez Blazquez. “Em seus estudos foram comprovadas reduções de lesões em tecidos de atletas, causadas por estresse oxidativo , entre os que consumiram este óleo rico em carotenoides”, descreve o cientista, ressaltando que o óleo de pequi já pode ser encontrado em capsulas.

Vias metabólicas

Mesmo com a comprovação dos efeitos positivos do óleo, os cientistas agora empreenderão estudos no sentido de conhecer as vias metabólicas pelas quais o óleo atua. “Tais resultados poderão nos permitir investigar os efeitos do óleo no câncer já estabelecido”, antecipa Simone Morais Palmeira, doutoranda do laboratório e que também assina o artigo recém-publicado.

Os estudos com o óleo de pequi acontecem desde 2012, quando a pesquisadora investigou tais efeitos em seu mestrado na FMVZ e utilizou a estereologia para avaliar o tamanho das lesões pré-cancerosas.

A estereologia é uma ciência que possibilita medir lesões teciduais por meio de cálculos estatísticos e matemáticos espaciais levando em conta altura, largura e profundidade (3D), além da quarta dimensão, o tempo (4D). A vantagem em relação à morfometria (análise em duas dimensões – altura e largura) é a grande acurácia e o fato de estimar o número e o volume total das lesões (entre outros). Já a morfometria mede apenas os contornos (perfis) das partículas analisadas.

Fruto rico

O pequi, nativo do cerrado, é bastante consumido em estados como Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Trata-se de um fruto rico que contém proteínas, fibras alimentares , vitaminas, minerais e substâncias não nutritivas, como os carotenoides, que são conhecidos como antioxidantes. “O pequi tem fontes de vitaminas A e C, além das gorduras com efeito antioxidante. Todas estas substâncias agindo em conjunto potencializam o efeito do óleo”, descreve Simone Palmeira.

Foto: José Antônio da Silva / Revista Biotecnologia

Mais informações: (11) 3091-1366; e-mail: palmeira@usp.br

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quarta-feira, 2 de março de 2016

La dégustation de l'huile d'argane

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Álcool na gravidez, substâncias químicas ou desnutrição também podem provocar microcefalia, diz OMS

Lembrete foi dado pela porta-voz da OMS em Genebra, destacando que a suspeita de ligação entre o vírus zika, a microcefalia e outras desordens neurológicas – declarada emergência pública internacional – está sendo investigada, com foco nos casos do Brasil

Uma porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS) disse a jornalistas durante uma coletiva em Genebra que a agência da ONU está preparando quatro informes que seriam lançados em breve.

Segundo Fadela Chaib, são eles: a gestão da gravidez no contexto da doença do vírus zika; o apoio psicossocial para as mulheres grávidas e suas famílias com microcefalia e outras complicações neurológicas no contexto da infecção pelo vírus zika; uma declaração de “consenso provisório” sobre a avaliação da microcefalia no contexto da infecção pelo vírus zika; e uma declaração similar sobre avaliação a da Síndrome de Guillain-Barré no contexto da infecção pelo vírus zika.

No caso da microcefalia, Chaib destacou que era importante para os profissionais médicos ter orientações detalhadas sobre como medir a cabeça de um bebê e diagnosticar microcefalia devido ao vírus zika, diferenciando o diagnóstico de bebês prematuros com uma cabeça menor, ou microcefalia, devido a outras causas não relacionadas ao zika. Cada um desses informes contará com uma coletiva de imprensa com os especialistas responsáveis.

Ainda sobre as orientações para avaliar a microcefalia, Chaib acrescentou – em resposta a perguntas dos jornalistas – que havia uma forte demanda para a OMS por essas orientações, reivindicadas sobretudo por profissionais de saúde, e uma necessidade de maior padronização, tendo em conta as diferenças regionais.

A porta-voz da OMS ressaltou que o vírus zika é em grande parte desconhecido, e que a agência estava se concentrando em descobrir as causas do aumento dos casos microcefalia no Brasil, em particular, bem como em investigar a ligação entre o zika e outras desordens neurológicas como a Síndrome de Guillain-Barré, encontrada em pelo menos seis países, incluindo o Brasil e a Polinésia Francesa.

A microcefalia poderia ser causada por uma variedade de outros fatores que não a zika, tais como o consumo de álcool durante a gravidez, a exposição a substâncias químicas ou a desnutrição. Chaib também informou que a zika está atualmente presente em 48 países e territórios, incluindo em dois países da África: Cabo Verde e Gabão.

No entanto, acrescenta a porta-voz da OMS, o impacto foi mais forte nas Américas, já que o vírus zika era bem conhecido na África e havia, portanto, uma imunidade natural entre as populações neste continente, enquanto que o vírus era novo na América do Sul. Ainda assim, alertou a OMS, a prevenção é necessária em todos os países, que devem agir para reduzir as populações de Aedes aegypti, limitando assim as infecções.

Diretoras da OMS e da OPAS se reúnem com autoridades brasileiras sobre zika e suas possíveis consequências

A diretora-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Margaret Chan, e a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne, se reúnem esta semana com autoridades brasileiras para conhecer em profundidade ações tomadas pelo Brasil para resposta à infecção pelo vírus zika e suas possíveis consequências.

No contexto da declaração de emergência de saúde pública de importância internacional, Chan e Etienne, junto com o ministro da Saúde, Marcelo Castro, concedem uma coletiva de imprensa nesta quarta-feira (24), às 17h, na sede da Representação da OPAS/OMS, em Brasília. (saiba como participar aqui)

Antes da coletiva, as duas se reúnem na terça-feira (23) com a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, às 15h, no Palácio do Planalto. Em seguida, Chan e Etienne seguem para uma reunião, no Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD), com os ministros da Saúde, da Integração Nacional, da Defesa, das Relações Exteriores, do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e da Secretaria de Governo da Presidência da República, além do secretário executivo do Ministério da Educação. Depois, viajam para Recife, em Pernambuco, onde visitarão na quarta de manhã (24) o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP).

No final de 2015, o Ministério da Saúde do Brasil estabeleceu a relação entre o aumento de microcefalia no Nordeste do país e a infecção por zika. A doença do zika é causada por um vírus transmitido pelos mosquitos Aedes. Atualmente, não há qualquer tratamento específico nem vacina. A melhor forma de prevenção é a proteção contra a picada do mosquito.

O vírus circula na África, nas Américas, na Ásia e no Pacífico. A OPAS/OMS tem trabalhado com os países membros afetados, ajudando-os a detectar e rastrear o vírus, conter sua propagação, aconselhar sobre manejo clínico e investigar os picos de microcefalia e Síndrome de Guillain-Barré em áreas onde ocorreram surtos de zika.

Em 1o de fevereiro de 2016, a OMS declarou que os casos crescentes de distúrbios neonatais e neurológicos, em meio ao crescente surto de zika nas Américas, constituem uma emergência de saúde pública de importância internacional. No dia 16 de fevereiro de 2016, a OMS lançou um plano estratégico global de resposta e operações conjuntas.

Representante da FAO no Brasil acompanha visita

O representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no Brasil, Alan Bojanic, acompanhou a chegada das diretoras e disse que os dois organismos de saúde da ONU e a FAO estão empenhados em trabalhar em conjunto e apoiar os principais países afetados pelo surto de zika.

“Essa é uma luta que todos devem se engajar. Temos que evitar a reprodução e a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como a dengue, chikungunya e o zika. A FAO está trabalhando com a OMS no sentido de recomendar e propor alternativas que visem o controle dos mosquitos como uma das medidas de defesa mais imediata”, ressaltou Bojanic.

Em um comunicado publicado recentemente, o diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, disse que a Organização está pronta para contribuir com os esforços contra o zika. “A FAO, com os seus recursos e capacidade técnica, está preparada para fazer o que lhe compete para dar resposta a esta emergência que continua a se alastrar”, disse Graziano.

Um dos pontos recomendados pela FAO é o uso consciente de inseticidas para garantir a segurança humana e para proteger a cadeia dos alimentos da contaminação.

Por meio de um programa em conjunto com a OMS, a FAO desenvolveu uma série de recomendações sobre a boa gestão do uso de inseticidas. Por exemplo, é importante o uso de pesticidas de alta qualidade, misturados de acordo com as instruções do fabricante, para promover igualmente a eficácia e a segurança.

“O custo humano desta emergência é potencialmente devastador e devemos trabalhar em conjunto para garantir que tudo será mantido sob controle”, enfatizou o chefe da FAO.

Saiba tudo sobre a emergência da zika/microcefalia em https://nacoesunidas.org/tema/zika

Fonte: ONU Brasil

in EcoDebate, 26/02/2016

Projeto da Fiocruz é alternativa no controle de Aedes

Por Nathane Dovale (Fiocruz Amazonas)

O projeto de pesquisadores do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazonas) e do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR/ Fiocruz Minas), que utiliza mosquitos no combate de doenças como dengue, chikungunya e zika, foi o único escolhido, pelo Ministério da Saúde (MS), como uma das principais novas alternativas para o controle do Aedes aegypti no Brasil. A metodologia será incorporada, ainda sem data, nas diretrizes nacionais de controle do vetor.
Projeto consiste em usar baldes com um pouco de água e suas paredes internas cobertas de um pano preto aveludado, no qual é aplicado larvicida triturado até a consistência de um pó (foto: Nathane Dovale / Fiocruz Amazonas)

A escolha do projeto ocorreu na Reunião Internacional para Implementação de Novas Alternativas para o Controle do Aedes Aegypti no Brasil, que ocorreu em Brasília, nos dias 17 e 18 de fevereiro. Além da iniciativa das unidades da Fundação, foram apresentados projetos do Emory University, dos EUAs, do International Atomic Energy Agency, da Áustria, do QIMR Berghofer Medical Research Institute e da James Cook University, ambas da Austrália, da Universidade Autonoma de Yucatan, do México, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual do Ceará (UFCE).

O projeto consiste em usar baldes com um pouco de água e suas paredes internas cobertas de um pano preto aveludado, no qual é aplicado larvicida triturado até a consistência de um pó. A estrutura cria uma armadilha que permite que as fêmeas sejam atraídas até o recipiente. “Quando pousam no balde, os mosquitos ficam impregnados com inseticida e levam para outros criadouros, aumentando assim o combate às larvas”, explicou o diretor da Fiocruz Amazonas e um dos pesquisadores do projeto, Sérgio Luz.

Segundo o pesquisador, o método é de extrema importância pois alcança criadouros de difícil acesso. “Um dos maiores problemas no controle dos mosquitos vetores é que a muito dos criadouros não são tratados durante as ações de controle, pelo difícil acesso. Ficamos bastante felizes de terem escolhido o método, pois foi um projeto que trouxe bastante resultado onde foi implantado”, disse Luz.

Na fase inicial do projeto, que começou em novembro de 2013, no município amazonense de Manacapuru, os criadouros positivos de larvas nas casas eram presentes em 98% das residências. Até outubro de 2015, a equipe registrou apenas 2% de casas positivas. Além disso, as notificações das doenças no município, segundo o subgerente de Endemias da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa), Mário Fernandes da Silva, em 2015, foram 79. Em 2014, o número chegou a 200. O projeto conta ainda com as participações dos pesquisadores Fernando Abad-Franch, da Fiocruz Minas, Elvira Zamora e os técnicos de campo, Ricardo Mota e Sebastião Dias, todos da Fiocruz Amazonas.

Da AFN, in EcoDebate, 26/02/2016

Mortalidade elevada do boto-cinza na baías de Sepetiba e da Ilha Grande pode levar a sua extinção em menos de 10 anos

Mamífero estritamente costeiro, o boto-cinza dispensa grandes migrações durante toda a sua vida, tornando-se bioindicador das condições ambientais. Fotos: Marco C. O. Santos

O Ministério Público Federal (MPF) em Angra dos Reis (RJ) vem atuando, por meio de sucessivas recomendações, para que os órgãos públicos ambientais e de fiscalização tomem providências para paralisar a mortalidade de boto-cinza na baías de Sepetiba e da Ilha Grande. Caso o número alarmante de mortes persista, em menos de dez anos a espécie estará completamente extinta na região. Paralelamente, o MPF também cobra ações para preservação das comunidades pesqueiras nos municípios de Mangaratiba e Itaguaí que, há muito, tiveram suas áreas de pesca invadidas por grandes empreendimentos.

O boto-cinza (Sotalia guianensis), que consta no brasão do Rio de Janeiro como símbolo da cidade, é considerada uma espécie ameaçada pelo Ministério do Meio Ambiente, com status de vulnerável na Lista da Fauna Brasileira de Espécies Ameaçadas de Extinção, conforme Portaria MMA n. 444, de 17 de dezembro de 2014. A área da Baía de Sepetiba e de Ilha Grande abarca a maior população de boto-cinza do estado do Rio de Janeiro e do mundo. Contudo, a partir de 2010, com o aumento das atividades portuárias no local, dragagens e derrocagens, e pesca predatória descontrolada, o número de mortes de botos atingiu níveis insustentáveis. Hoje, existem pouco mais de 800 espécimes no local, que desaparecerão em menos de dez anos.

As comunidades pesqueiras também são afetadas. Com a diminuição das áreas de pesca, em virtude dos empreendimentos locais, aumento do tráfego de embarcações e áreas de fundeio, tais pescadores são cada vez mais deslocados de seus locais originais de pesca.

Desde 2015, a procuradora da República Monique Cheker expede recomendações, tanto para aumentar a fiscalização na área, quanto para pedir aos órgãos ambientais estudos específicos em relação ao boto-cinza. No dia 10 de fevereiro de 2016, o MPF de Angra dos Reis expediu a recomendação nº 5/2016 que, após contextualizar todo o histórico de atuação, recomenda aos órgãos públicos a criação de um grupo formal de fiscalização e combate à pesca irregular e predatória, entre Delegacia da Capitania dos Portos em Itacuruçá, Polícia Federal, Ibama, Inea e Secretaria de Meio Ambiente de Mangaratiba, com apresentação obrigatória de cronograma de fiscalização e com presença semanal na Baía de Sepetiba/Ilha Grande.

Caso isto não seja apresentado no prazo máximo de 30 dias, o MPF entenderá que os órgãos públicos não conseguirão resolver a problemática de forma administrativa, sendo necessário o ajuizamento de ação civil pública, com pedido liminar e fixação de multas pelo Poder Judiciário em face da União, do Estado e das respectivas autarquias.

O MPF cobra ainda a realização pelo Ibama, com o auxílio dos demais órgãos públicos, de estudo técnico que verifique a necessidade de mudanças nos critérios e padrões para o ordenamento da pesca praticada na região de habitat do boto-cinza no Baía de Sepetiba/Ilha Grande, em harmonia com a existência na localidade das comunidades tradicionais. O MPF pede que o Inea institua, tendo em vista que é o principal licenciador da área, um Grupo formal para georreferenciar, catalogar todas as medidas compensatórias e mitigatórias que tangenciem a sobrevivência do boto-cinza, reavaliá-las, com o intuito de saber quais são genéricas, repetitivas ou ineficazes; tratar especificamente do Gerenciamento Costeiro do local e dos impactos cumulativos dos empreendimentos, inclusive em relação à diminuição das áreas de pesca, de coleta de marisco e aumento das rotas para a pesca, com imposição de medidas aos empreendimentos que possam resultar na aferição efetiva e concreta das causas e redução das mortes dos botos (colocando obrigatoriamente esse o parâmetro de análise sobre a eficácia ou não das medidas). O MPF entende como essencial, para dar legitimidade a esse processo, a participação do Instituto Boto-Cinza e do MAQUA, o Laboratório de Mamíferos Aquáticos e Bioindicadores da UERJ.

O Inea deve ainda estruturar, dentro dos mecanismos existentes nos licenciamentos das diversas atividades empresariais no local, o Instituto Boto-Cinza para promover o turismo de base comunitário com os pescadores da Baía de Sepetiba/Ilha Grande, e realizar estudos de capacidade de suporte na Baía de Sepetiba/Ilha Grande, tendo como principal foco o boto-cinza e a subsistência das comunidades tradicionais pesqueiras, não realizando mais qualquer outro licenciamento no local que possa causar impactos no boto-cinza e na comunidade pesqueira.

Na recomendação, o MPF pede o Início imediato dos trâmites, pela Companhia Docas do Rio de Janeiro, junto com a Delegacia da Capitania dos Portos de Itacuruçá, para revisão das áreas de fundeio, sobrepostas com áreas de pesca e áreas de agregação do boto-cinza (Solatia guianensis), com participação obrigatória do Ibama e do Inea, no que tange à preservação do boto-cinza, bem como inclusão dos planos de gerenciamento costeiro e de pesca.

Para a procuradora da República Monique Cheker, responsável pelo caso, “o Rio de Janeiro está diante de uma situação emergencial. Trata-se da extinção completa de espécie símbolo do Estado e também da luta de pescadores locais que foram deslocados de suas áreas originais pela presença descontrolada da ampliação portuária. São fatos graves que não admitem mais postergações, e exigem uma atuação concreta”.


(Inquérito civil PRM-Angra dos Reis n. 1.30.014.000082/2014-52)

Fonte: Procuradoria da República no Rio de Janeiro

in EcoDebate, 26/02/2016

Aedes aegypti: Um único agente transmissor e várias doenças transmitidas, por Jan Carlo Delorenzi e Gabrielle de Souza Mury

[EcoDebate] O Aedes aegypti tornou-se uma das principais ameaças ao bem-estar das pessoas nos últimos tempos, sendo transmissor de doenças como Zika, Chikungunya, Dengue e Febre Amarela. O Aedes está extremamente adaptado às áreas urbanas, onde a fêmea consegue facilmente se alimentar e ainda encontra muitos criadouros para depositar seus ovos.

Após uma intensa campanha de extermínio, com o objetivo de reduzir os casos de Febre Amarela, o mosquito foi totalmente erradicado do Brasil no final da década de 1950. Entretanto, por descaso e devido ao trânsito global, o Aedes foi reintroduzido no país, estando, atualmente, presente em todos os Estados. A grande capacidade de adaptação e facilidade de reprodução permite essa disseminação intensa.

As principais doenças transmitidas pelo Aedes têm, em geral, manifestações clínicas muito semelhantes: o paciente apresenta febre, mal-estar, dores musculares e nas articulações e manchas vermelhas pelo corpo. Alguns sintomas podem ser mais marcantes em determinado vírus, como a dor articular e, até mesmo, a artrite (com edema, calor e eritema), no caso da Chikungunya, ou a suspeita de microcefalia associada à Zika, no primeiro trimestre da gestação. Porém, exatamente pela semelhança de seus sinais e sintomas, na maioria das vezes, não é possível fazer diagnósticos sem exames laboratoriais específicos.

Esse diagnóstico confirmatório não é essencial para definir o tratamento inicial, que é basicamente o mesmo para essas doenças: hidratação e medicamentos sintomáticos, como analgésicos e antitérmicos. No entanto, uma avaliação médica é fundamental para detectar precocemente sinais de gravidade e evitar ou minimizar possíveis complicações.

O vírus Zika e o vírus Chykungunya têm apenas um sorotipo identificado até o momento, o que não permitiria a uma pessoa adoecer mais de uma vez. O vírus da Dengue tem quatro sorotipos, o que significa que uma pessoa pode ter mais de um episódio.

O Ministério da Saúde busca esclarecer de maneira efetiva as principais dúvidas sobre as doenças, em seu site. O quadro abaixo é elaborado a partir das informações da Pasta:

DENGUE 

A infecção por dengue pode ser assintomática, leve ou causar doença grave, levando à morte.

Normalmente, a primeira manifestação da dengue é a febre alta (39° a 40°C), de início abrupto, que geralmente dura de 2 a 7 dias, acompanhada de dor de cabeça, dores no corpo e articulações, prostração, fraqueza, dor atrás dos olhos, erupção e coceira na pele.

Perda de peso, náuseas e vômitos são comuns. Na fase febril inicial da doença pode ser difícil diferenciá-la.

A forma grave da doença inclui dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, sangramento de mucosas, entre outros sintomas. 

ZIKA 

Cerca de 80% das pessoas infectadas pelo vírus Zika não desenvolvem manifestações clínicas.

Os principais sintomas são dor de cabeça, febre baixa, dores leves nas articulações, manchas vermelhas na pele, coceira e vermelhidão nos olhos.

Outros sintomas menos frequentes são inchaço no corpo, dor de garganta, tosse e vômitos.

No geral, a evolução da doença é benigna e os sintomas desaparecem espontaneamente após 3 a 7 dias. No entanto, a dor nas articulações pode persistir por aproximadamente um mês.

Formas graves e atípicas são raras, mas quando ocorrem podem, excepcionalmente, evoluir para óbito, como identificado no mês de novembro de 2015, pela primeira vez na história. 

CHIKUNGUNYA

Os principais sintomas são febre alta de início rápido, dores intensas nas articulações dos pés e mãos, além de dedos, tornozelos e pulsos. Pode ocorrer ainda dor de cabeça, dores nos músculos e manchas vermelhas na pele.

Os sintomas iniciam entre dois e doze dias após a picada do mosquito. O mosquito adquire o vírus CHIKV ao picar uma pessoa infectada, durante o período em que o vírus está presente no organismo infectado.

Cerca de 30% dos casos não apresentam sintomas.


Estamos vivenciando uma época de muitas dúvidas e poucas certezas. Como se não bastasse, boatos infundados espalham-se, desviando o foco do que realmente importa e que está ao alcance de todos: a prevenção.

Todos nós já sabemos que não se pode deixar água acumulada. Qualquer objeto com água parada, ainda que inusitado, seja uma tampinha de garrafa ou uma folha caída no quintal, é um possível criadouro.

Outro tema é relativo ao acúmulo de lixo. Resíduos descartados de maneira inadequada são veículos de contaminação do ambiente e quando acumulam água podem servir de criadouro para o mosquito transmissor da Dengue. Isso ocorre principalmente nos chamados pontos viciados, locais onde as pessoas utilizam muros, esquinas e terrenos desocupados para colocar o lixo.

No que diz respeito ao lixo domiciliar, sua coleta na Capital paulista tem frequência diária ou em dias alternados. Segundo o Instituto Oswaldo Cruz e a Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, o ciclo de desenvolvimento do mosquito até a sua forma adulta ocorre em 10 dias. Assim, considerando a frequência da coleta e o ciclo reprodutivo do Aedes aegypti, a associação do descarte de lixo com a sua proliferação não é direta.

Como cidadãos, devemos cuidar do lixo, para reduzir o impacto ambiental, separando o que é passível de reciclagem. No descarte, o material deve ser acondicionado em sacolas próprias, fechadas, e disposto no horário correto.

Na outra ponta, estão a coleta e a destinação. É imperativa uma ação eficiente do poder público na gestão desses dois serviços e da limpeza pública. Também é essencial que a prefeitura agilize a limpeza dos pontos viciados, com frequências similares às da coleta domiciliar, realizados diariamente ou a cada dois dias.

O uso de repelentes, independentemente da substância ativa (Icaridina, DEET ou IR3535), é eficaz e seguro, inclusive para gestantes e crianças acima de seis meses de idade, se respeitadas as orientações do fabricante quanto à faixa etária indicada e tempo de ação/ necessidade de reaplicação. É importante ressaltar que os doentes também devem usar repelentes. Em primeiro lugar, existe a possibilidade de a pessoa ser infectada por outro vírus. Além disso, esses indivíduos são os reservatórios para novos mosquitos, pois quando o Aedes pica um doente, suga o sangue e também os vírus que ali estão, infectando-se e, após alguns dias, tornando-se transmissor daquele vírus.

A Organização Mundial de Saúde e a Organização Pan-Americana de Saúde reconhecem a eliminação de criadouros do mosquito como a mais importante providência a ser tomada. E não adianta esperar que ações isoladas do governo ou do vizinho resolvam o problema. Todos temos de estar engajados nessa luta.

*Gabrielle de Souza Mury – Médica Infectologista da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

*Jan Carlo Delorenzi, PhD – Farmacêutico, Mestre e Doutor em Ciência Biológicas (Biofísica). Professor de Imunologia e Saúde Pública – Universidade Presbiteriana Mackenzie. Investigador Sênior em Pesquisa Clínica. Líder do Grupo de Pesquisas em Saúde Pública da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Conferencista na área de Doenças Tropicais Negligenciadas.

in EcoDebate, 26/02/2016
"Aedes aegypti: Um único agente transmissor e várias doenças transmitidas, por Jan Carlo Delorenzi e Gabrielle de Souza Mury," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2016,http://www.ecodebate.com.br/2016/02/26/aedes-aegypti-um-unico-agente-transmissor-e-varias-doencas-transmitidas-por-jan-carlo-delorenzi-e-gabrielle-de-souza-mury/.

Desafios da pesquisa em controle biológico na agricultura

Amazônia: grandes números, grandes contrastes, artigo de Rinaldo Segundo

“… a grandeza sabe se reconhecer.” Shakespeare, Henrique IV.

[EcoDebate] A Amazônia é grande em todos os sentidos. Territorialmente, mais de 60% do território brasileiro é ocupado pela Amazônia Legal. Isso é meia Europa. Ambientalmente, 42% da Amazônia brasileira é área protegida (Onde o desmatamento é menor. Por isso, criar áreas de proteção tem sido estratégia eficaz para reduzir o desmatamento) Isso representa 2,15 milhões km².

Embora tenha diminuído nos últimos 10 anos, o desmatamento histórico também impressiona. Em 1994, o número do desmatamento foi de 14.896 km2 e em 1995, esse número foi de 29.059 km2. Nesses dois anos, mais de uma Suíça foi desmatada.

Todos esses números nos remetem a algumas questões: como os números acima se relacionam com a melhoria de vida da população amazônica? Para que tem servido o desmatamento na Amazônia?

O Censo de 2000 mostrou que os indicadores sociais melhoram com o desmatamento. Todavia, os ciclos de desenvolvimento não duram mais que 15 anos. Assim, os municípios com área desmatada – excetuando-se os destinados à soja (agricultura mecanizada) –, tendem aos mesmos índices sociais dos que iniciam o processo de colonização. Ou seja, social, ambiental e economicamente, a exploração é pouco sustentável.

Para entender isso, é preciso compreender a dinâmica das principais commodities amazônicas, a saber, madeiras, grãos, com destaque para soja e carne. Obviamente, essa análise é impossível de ser realizada aqui.

Analise-se, porém, o ciclo da madeira. Extrai-se madeira da Amazônia há mais de três séculos, e intensivamente desde 1970. Hoje, a Amazônia é uma das principais fontes brasileiras de produtos florestais. Isso se explica, dentre outras razões, pelo baixo preço da madeira amazônica; pela extração de madeiras de áreas públicas; pela existência de menos madeiras em outras regiões brasileiras.

De modo geral, o caráter predatório predomina na exploração florestal amazônica. Na prática, isso significa abrir pequenas estradas no meio da mata, permitindo explorar determinada área. A seguir, essa área é exaurida, através do corte raso das árvores, impossibilitando-se a recomposição da área florestal desmatada.

O desperdício alcança 40%, e ele seria muito maior com a inclusão no cálculo de árvores desnecessariamente destruídas devido à insustentabilidade da própria extração (potencial futuro de extração). Eis aí um grande contraste amazônico: de um lado, a riqueza amazônica, de outro, o desperdício dessa riqueza.

Outro contraste: a falta de maximização de lucros diante de um sistema econômico, o capitalista, cuja maximização é a regra. Prova disso são os impressionantes 6,9 milhões de hectares de terras produtivas sem utilização na Amazônia (desperdício de capital).

Embora pouco difundidos, contrastes também existem entre diferentes atividades econômicas. Assim, enquanto grãos são produzidos num modelo empresarial associado à tecnologia e produtividade em regra, a pecuária não segue similar padrão produtivo, acelerando desmatamentos desnecessários.

Isso se reflete nos índices de ocupação da terra. Assim, 4,8% dos estabelecimentos amazônicos são ocupados por agricultura, representando 5,75 milhões de hectares, enquanto as pastagens totalizam 42,3% da área dos estabelecimentos, ou seja, 51,15 milhões de hectares.

Isso significa que a área ocupada pela pecuária é quase 9 vezes a área ocupada pela agricultura. Logo, a pecuária impacta 9 vezes mais sobre o meio ambiente que a agricultura.
Outro contraste: o PIB e o IDH da maioria dos Estados da Amazônia Legal estão abaixo da média nacional. Numa terra farta de recursos naturais, incluindo alimento, comprar comida é caro na Amazônia. De 70 à 80% da renda da população pobre é gasta na alimentação.

Se reconhecida é a grande riqueza amazônica, grande também são os seus contrastes a serem corrigidos.

*Artigo 4 da série de artigos Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.

Rinaldo Segundo, promotor de justiça no MPE/MT e mestre em direito (Harvard Law School), é autor do livro “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia: menos desmatamento, desperdício e pobreza, mais preservação, alimentos e riqueza,” Juruá Editora.

in EcoDebate, 26/02/2016
"Amazônia: grandes números, grandes contrastes, artigo de Rinaldo Segundo," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2016,http://www.ecodebate.com.br/2016/02/26/amazonia-grandes-numeros-grandes-contrastes-artigo-de-rinaldo-segundo/.

GRAMÍNEAS (El mundo de los vegetales)

Café com Limão Siciliano | Tá com Sede?

Consequências de agrotóxicos na saúde pública, parte III (Final), artigo de Roberto Naime

Agrotóxicos. Foto de Gervásio Lima

[EcoDebate] CASSAL et. al. (2014) concluem sua reflexão assegurando que no Brasil, os casos de intoxicação por agrotóxicos apresentam grande subnotificação e descentralização de informações, decorrentes de fatores diversos, como dificuldade de acesso dos agricultores às unidades de saúde, inexistência de centros de saúde em regiões produtoras importantes, dificuldade de diagnóstico e de relacionar os problemas de saúde com a exposição a agrotóxicos, escassez de laboratórios de monitoramento biológico e inexistência de biomarcadores precoces ou confiáveis.

Para CASSAL et. al. (2014), apesar das deficiências de registro, o Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológica (SINITOX) e o Sistema Nacional de Informação de Agravos Notificáveis (SINAN) são uma referência importante. Embora o maior consumo de agrotóxicos ocorra nos países desenvolvidos, grande parte de envenenamentos e mortes causados por agrotóxicos ocorre nos países em desenvolvimento, sendo preocupantes os quadros de contaminação humana e ambiental observados no Brasil.

Esta realidade pode estar associada à utilização desses produtos em excesso, à ocorrência de inadequados padrões ocupacionais e de segurança, ao desconhecimento dos riscos associados a sua utilização e consequente ineficiente uso de equipamentos de proteção individual, a elevados níveis de analfabetismo, à regulamentação e rotulagem insuficientes, a inadequadas ou inexistentes infraestruturas para lavagem dos utensílios, ao manuseio inadequado dos resíduos e das embalagens, ao aproveitamento dos recipientes para armazenar alimentos e água, bem como à grande pressão comercial por parte das empresas distribuidoras e produtoras.

Pode-se acrescentar também a existência de uma fiscalização precária do cumprimento das leis, uma deficiente assistência técnica ao homem do campo e a baixa atenção à saúde (CAMPANHOLA e BETTIOL, 2002; MOREIRA et al., 2002). Como já mencionado anteriormente, o Brasil é o oitavo maior consumidor de agrotóxicos por hectare do mundo, sendo os herbicidas (utilizados na destruição de plantam que impedem o desenvolvimento da cultura desejada) e inseticidas (produto próprio para matar insetos) responsáveis por 60% dos produtos comercializados no país.

LEVIGARD e ROZEMBERG (2004), em trabalho realizado em Nova Friburgo (RJ), a partir de entrevistas com profissionais da área da saúde, onde foram analisadas as formas de tratamento prestado às queixas de “nervos” dos agricultores. Se ressalta o fato dos profissionais na área da saúde estarem preocupados com os hábitos da população no consumo indiscriminado de calmantes, caracterizando a automedicação.

O uso de remédios sem prévia consulta com especialista, com o uso dos agrotóxicos utilizados nas lavouras, acaba por agravar o processo de intoxicação dos indivíduos. Investigações no estado do Rio Grande do Sul também apontam os malefícios da utilização de agrotóxicos para o meio ambiente e população humana.

FARIA et al. (2004), em estudo realizado com trabalhadores rurais cultivadores da fruticultura dos municípios de Antônio Prado e Ipê, constataram que das famílias entrevistadas, 95% informaram utilizar algum tipo de agrotóxico, 73% faziam uso regular de agrotóxicos na agricultura, e que, em média, 75% dos trabalhadores rurais relataram trabalhar regularmente com os agrotóxicos.

Estes autores constaram que a prevalência de exposição agroquímica foi maior entre os homens, estes em 86% dos casos, enquanto em 68% de casos com mulheres. Entre os agricultores, 35% disseram nunca terem usado luvas, máscaras ou roupas de proteção. Em um grupo considerado pelos autores sem escolaridade esse índice foi maior.

Também se percebeu que as intoxicações ocorreram, na maioria das vezes, entre outubro e janeiro, pois neste período devido às temperaturas elevadas, o organismo absorve mais as toxinas liberadas pelos agrotóxicos e também pelo fato das aplicações serem mais intensas nessa época do ano.

A gravidade destas intoxicações foi considerada leve-moderada em 80% dos casos e como grave em 20% das ocorrências (FARIA et al., 2004). Segundo o IBGE (2012), cerca de 70 milhões de brasileiros vivem em estado de insegurança alimentar e nutricional, sendo que 90% desta população, consome frutas, verduras e legumes abaixo da quantidade recomendada para uma alimentação saudável.

Segundo o dossiê ABRASCO (2012) a superação deste problema, seria por meio da conversão do modelo agroquímico tradicional e mercantil para um modelo de base agroecológica, baseado no controle social e na participação popular. No entanto, isso se trata de decisão política, de longo prazo, onde a educação continuada e a pesquisa também deverão ser fortalecidas nessa perspectiva.

Apesar da grande importância das atividades agrícolas, há pouco interesse no estudo de aspectos da saúde e segurança na agricultura. Existe grande interesse em desenvolver novas tecnologias para aumento da produção na agropecuária, sem levar em consideração os impactos à saúde e à segurança do trabalhador (FRANK et al., 2004).

Diante do exposto, no consumo de alimentos vegetais, o primeiro cuidado é saber a procedência dos produtos, optando sempre pelos que possuem origem identificada. Segundo a ANVISA (2011), a identificação aumentará o comprometimento dos produtores em relação à qualidade dos alimentos. Optar por orgânicos e sazonais também são procedimentos recomendados pela ANVISA para obter um produto livre de agrotóxicos. A lavagem correta dos alimentos e a retirada de cascas e folhas externas ajudam na redução dos resíduos de agrotóxicos presentes apenas nas superfícies.

CASSAL et. al. (2014) observam que no mundo todo, os efeitos dos impactos na saúde pública, bem como no meio ambiente vêm sendo percebidos. Em relação à saúde pública, o uso crescente desses compostos tem causado severos efeitos, sejam eles agudos ou crônicos, em vários trabalhadores, embora outros setores também sejam afetados.

O produtor rural é e será diretamente afetado. Ele tem que ser o primeiro a tomar providências, pois o seu ramo de atividade depende da adoção de práticas que conservem o meio ambiente e a sua própria saúde. É fato que para se produzir alimentos em larga escala, é indispensável o uso consciente dos agrotóxicos como uma ferramenta a mais para assegurar a proteção, contra baixas produtividades ou perdas de culturas.

Mas o controle químico só deve ser empregado após aplicação de todos os métodos de controles disponíveis, para se evitar problemas toxicológicos tanto para o homem quanto para o meio ambiente. Relatórios recentes de institutos de pesquisa demonstram que, caso nada seja feito, o clima será alterado em proporções drásticas, prejudicando especialmente aqueles setores da economia que dependem da natureza, como é o caso da agricultura.

ALMEIDA, V. S; CARNEIRO, F. F; VILELA, N. J. Agrotóxicos em Hortaliças: Segurança Alimentar e Nutricional riscos socioambientais e políticas públicas para a promoção da saúde. Tempus Actas de Saúde Coletiva, v.4, p.84-99, 2009.

ALAVANJA, M. C. Characteristics of persons who self reported a high pesticide exposure event in the Agricultural Health Study. Environ Res., 80:180-186, 1999.

ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Programa de Análise de Resíduo de Agrotóxico em Alimentos (PARA), dados da coleta e análise de alimentos de 2011. Brasília

ANVISA, UFPR. Seminário de mercado de agrotóxico e regulação. Brasília: ANVISA. Acesso em: 11 abr. 2013.

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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

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in EcoDebate, 26/02/2016
"Consequências de agrotóxicos na saúde pública, parte III (Final), artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2016,http://www.ecodebate.com.br/2016/02/26/consequencias-de-agrotoxicos-na-saude-publica-parte-iii-final-artigo-de-roberto-naime/.