José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – “As pessoas só dão valor para aquilo que conhecem.” Foi este pensamento que inspirou a pesquisadora Giselda Durigan a coordenar a empreitada coletiva que resultou no livro Plantas pequenas do Cerrado: biodiversidade negligenciada.
Com 720 páginas, quase todas ilustradas com deslumbrantes fotos coloridas, o livro apresenta um levantamento exaustivo das plantas de pequeno porte, que são o sustentáculo do Cerrado.
Destinada à distribuição gratuita para bibliotecas, institutos de pesquisa e estudiosos, e também disponibilizada em arquivo PDF aberto para todos os interessados, a obra teve sua publicação financiada pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Durigan, pesquisadora do Instituto Florestal do Estado de São Paulo, explica que a publicação é resultado de quase uma década de trabalho a várias mãos, que se iniciou com uma pesquisa de doutorado sobre o impacto da invasão das fisionomias campestres do Cerrado por árvores de pinus e ganhou corpo ao longo de três outras pesquisas apoiadas pela FAPESP.
Foram elas: “Avaliação do potencial de remanescentes naturais como fontes de propágulos para a restauração de fisionomias campestres de cerrado”; “Invasão do campo cerrado por braquiária (Urochloa decumbens): perdas de diversidade e experimentação de técnicas de restauração”; e “Efeito da queima prescrita e da geada sobre a diversidade e estrutura do estrato herbáceo-arbustivo do Cerrado”.
“Quando nos engajamos nessas pesquisas, percebemos que o grande impacto causado pelas invasões biológicas [Saiba mais em agencia.fapesp.br/27156/] e pela supressão do fogo [Mais informações em agencia.fapesp.br/26325/] não se dava sobre árvores, mas sobre as plantas pequenas do campo. E isso constituiu um enorme desafio, porque a nomenclatura e a classificação dessas plantas eram largamente desconhecidas. Eu tinha passado toda a minha vida profissional olhando para cima, para as árvores. Tive, então, que olhar para baixo, e com muito respeito”, disse Durigan à Agência FAPESP.
Professora em programas de pós-graduação em Ciência Florestal na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e em Ecologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ela estuda o Cerrado há mais de 30 anos.
O grupo que coordenou na feitura do livro foi constituído por suas alunas Natashi Aparecida Lima Pilon e Geissianny Bessão de Assis, e por seus colegas Flaviana Maluf de Souza e João Batista Baitello.
“O que chamamos de ‘plantas pequenas’ são espécies que se tornam adultas e capazes de se reproduzir com menos de 2 metros de altura. Foi um critério arbitrário que adotamos. Começamos coletando essas plantas, e inventando nomes provisórios para elas, enquanto corríamos atrás de pessoas que pudessem nos ajudar na identificação”, contou Durigan.
Mas não foi nada fácil encontrar essas pessoas, conta a pesquisadora. Simplesmente, não havia especialistas em plantas pequenas. Foi preciso recorrer a manuais, monografias, livros antigos e ao famoso Dicionário das Plantas Úteis do Brasil, em seis volumes, publicado por Manoel Pio Corrêa no início do século passado.
“Encontramos plantas que nunca tinham sido registradas no Estado de São Paulo e outras que não eram coletadas há várias décadas. Mas não achamos nenhuma espécie nova, desconhecida pela ciência. Todas já tinham seus nomes científicos. Porém, foi uma busca tremenda descobrir os nomes populares. Muitas das plantas que encontramos estavam classificadas como ‘daninhas’ nesses livros antigos, porque a perspectiva adotada era a de quem queria cultivar o Cerrado com pastagens ou agricultura”, disse Durigan.
Um termo curioso encontrado foi o “mata-pasto”, que nomeava nada menos do que sete espécies diferentes, todas elas muito resistentes. Como essas plantas rebrotam inúmeras vezes depois de cortadas, eram consideradas daninhas. E o nome popular que receberam invertia a ordem cronológica, como se o pasto tivesse aparecido antes e as plantas surgissem depois para atrapalhar, quando havia sido exatamente o contrário.
“O que as pessoas não entendiam – e temos feito um esforço enorme para esclarecer – é que essas plantas de pequeno porte são fundamentais para a sobrevivência do Cerrado e da extraordinária riqueza que ele possui em termos de recursos hídricos e biodiversidade”, disse Durigan.
“Fala-se em desmatamento quando ocorre corte de árvores. Mas, se as plantas pequenas são erradicadas, todo o equilíbrio do Cerrado se rompe. E isso está acontecendo sem o menor impedimento porque a legislação não protege a vegetação que não tem árvores. Além disso, essa vegetação nem sequer aparece nos mapas, dadas as limitações tecnológicas para diferenciá-la de pastagens ou agricultura em imagens de satélite”, acrescentou.
Seis plantas pequenas para uma árvore
Durigan destaca que são as plantas pequenas que cobrem o solo, prevenindo a erosão pela chuva ou pelo vento.
“Elas possuem um emaranhado de raízes, facilitando a infiltração da água no solo e garantindo a saúde do ecossistema e a manutenção dos mananciais que alimentam os rios. Para ser savana, o Cerrado precisa possuir as duas camadas: a camada de árvores esparsas a meia altura e a camada de plantas pequenas cobrindo o solo”, explicou.
Segundo os autores do livro, a proporção é de seis espécies de plantas pequenas para cada espécie de árvore. Das 12.734 espécies vegetais que compõem o Cerrado, mais de 10 mil correspondem a plantas pequenas. Elas estão ameaçadas pelo adensamento das copas das árvores, resultante do manejo inadequado, e pela invasão por espécies exóticas, como o pinus e a braquiária.
O objetivo do livro é encantar os leitores com a beleza dessas plantas pequenas. E conscientizá-los acerca da necessidade de sua preservação.
O livro pode ser acessado integralmente em http://arquivo.ambiente.sp.gov.br/publicacoes/2018/12/plantaspequenasdocerrado.pdf.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.