Por Karina Toledo*
Agência FAPESP – Um protocolo de treino simples e de curta duração criado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) pode ajudar a desenvolver em bebês típicos e atípicos, de 3 a 5 meses de idade, a habilidade de alcançar (estender o braço até a mão tocar um objeto), podendo ou não apreendê-lo.
De acordo com as pesquisadoras, esse tipo de intervenção pode prevenir problemas no desenvolvimento motor e cognitivo de crianças prematuras, com síndrome de Down, paralisia cerebral e mielomeningocele (espinha bífida).
“O alcance manual é fundamental para que o bebê adquira habilidades manipulativas, como pegar e explorar um brinquedo ou um alimento, e para se apoiar nos móveis e ficar em pé. É por meio da exploração dos objetos e do espaço, da percepção da textura, do peso e da maleabilidade ou rigidez do objeto que o bebê vai formando conceitos. O atraso no desenvolvimento da destreza manual pode resultar em problemas na idade pré-escolar, como dificuldades para segurar o lápis, compreender ou desenhar formas, calcular a força para manusear um objeto”, explicou Eloisa Tudella, pesquisadora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) da UFSCar.
“A técnica usada no estudo foi desenvolvida na prática, durante os atendimentos que realizamos no programa de intervenção precoce oferecido pelo Núcleo de Estudos em Neuropediatria e Motricidade (Nenem), da UFSCar. Decidimos levar essa metodologia ao laboratório, para constatar a efetividade daquilo que era observado clinicamente”, contou Tudella.
O trabalho de investigação foi, até o momento, realizado por três estudantes de doutorado. Andréa Baraldi Cunha avaliou, com apoio de
Bolsa da FAPESP, o efeito do treino em condição de prática variada seriada em 30 bebês nascidos a termo, ou seja, entre 37 e 41 semanas e 6 dias.
Também com
Bolsa da FAPESP, Daniele de Almeida Soares avaliou o efeito do treino em condição de prática variada seriada em bloco em 36 prematuros tardios, nascidos entre 34 e 36 semanas e 6 dias.
Os efeitos do treino também foram verificados em 18 prematuros extremos, com 33 semanas de vida ou menos, durante o doutorado de Elaine Leonezi Guimarães.
As pesquisadoras explicaram para as mães o que era o alcance manual e pediram para ficarem atentas e avisarem quando os bebês começassem a manifestar esse tipo de movimento. “Entrávamos em contato via telefone com os pais dos bebês quando eles estavam com cerca de 2 meses. Além do contato telefônico com os pais, fazíamos visitas semanais, de uma a duas vezes por semana, para checar o início do alcance. Quando confirmado que o bebê iniciava o alcance manual, ele era trazido ao laboratório”, contou Tudella.
Os bebês nascidos a termo manifestaram os primeiros movimentos com, em média, 14 semanas de vida. A média dos prematuros foi de 16 semanas. “Embora os prematuros não demonstrassem atraso nas habilidades motoras grossas, como controlar a cabeça e o tronco, percebia-se um atraso nas habilidades motoras finas. Pode acontecer de esse bebê tentar pegar um objeto, não conseguir, se frustrar e desistir. Com o tempo, esse déficit no desenvolvimento vai se acumulando e, com mais idade, pode apresentar uma dificuldade maior que a observada aos 4 meses. Queremos prevenir que isso ocorra”, disse Tudella.
De acordo com Guimarães, quando se calcula a idade dos prematuros de acordo com a data prevista de nascimento, observa-se que esses bebês iniciam o alcance no período adequado, mas a qualidade do movimento é inferior. “Os movimentos não são tão fluentes, a posição das mãos não é a mais adequada. Não sabemos se eles vão se recuperar sozinhos pelo estímulo ambiental, mas por que esperar para ver o que acontece, se podemos prevenir e estimular um alcance mais habilidoso?”, questionou.
O treinamento
Nos estudos, os bebês eram divididos em dois ou três grupos. Um ou dois grupos eram submetidos à intervenção e outro grupo recebia apenas um “treino social”, ou seja, interagiam com as pesquisadoras sem estimulação dos membros superiores.
O treino pode ser realizado por um terapeuta ou pela mãe. O bebê deverá estar posicionado reclinado a 45°, em um bebê conforto ou no colo, para favorecer o alcance manual e a visualização dos objetos. É importante que o objeto seja leve e maleável para facilitar a apreensão. Ele deve ser colocado no campo visual do bebê. Deve-se então esperar que o bebê tenha percepção do objeto e tente praticar a ação de alcançar.
O protocolo de treino apresentado pelas pesquisadoras inclui três atividades. A primeira consiste em levar o objeto no campo visual e conduzir a mão dele até o objeto.
A segunda atividade consiste em posicionar a mão do bebê no campo visual, a fim de que ele toque o objeto. Caso o bebê não o toque, devem ser realizados estímulos táteis com o próprio objeto na mão do bebê a fim de estimular a ação de tocar e apreender o objeto.
Na terceira atividade, os membros superiores do bebê devem ser posicionados ao longo do corpo. A seguir, são realizados estímulos táteis com o brinquedo no braço, no antebraço e na mão do bebê. Deve-se apresentar o brinquedo em sua linha média para que a criança possa alcançá-lo. Espera-se que o bebê estenda o braço em direção ao objeto e o toque.
“É preciso colocar o objeto a uma distância que o bebê possa alcançar e na linha média de seu corpo. O treino deve ser curto, pois crianças nessa faixa etária se cansam facilmente das atividades. Dessa forma, pode ser repetido várias vezes ao dia. O tempo de treino em nossos estudos foi de quatro e de cinco minutos de duração e com diferentes números de repetições. Ainda estamos estudando qual é a intensidade ideal para obter o melhor resultado, mas parece que o treino com maior número de repetições apresentou o maior efeito”, contou Tudella.
Os bebês eram avaliados antes e depois do treino. No grupo nascido a termo foram feitas, em dois dias, três sessões de treinamento de quatro minutos cada. Os prematuros tardios passaram por uma sessão de quatro minutos e os prematuros extremos, por uma sessão de cinco minutos.
As sessões de treino eram gravadas e, posteriormente, as pesquisadoras avaliavam variáveis qualitativas (alcance com uma ou com as duas mãos e se a mão estava na posição horizontal, oblíqua ou vertical, se estava aberta ou fechada e se o toque do objeto era feito com o dorso ou a palma da mão).
Avaliavam-se também as variáveis cinemáticas (duração do movimento, velocidade de movimento, índice de retidão, índice de desaceleração e número de correções no movimento feitas pelo bebê).
“A posição da mão deve variar de acordo com o objeto e a forma como este é apresentado. O bebê tem de aprender a moldar sobre o objeto de forma funcional. O bebê também precisa desacelerar o movimento quando a mão está próxima ao objeto para não derrubá-lo. Essas variáveis nós comparamos antes e após o treinamento”, explicou Tudella.
De maneira geral, contou a pesquisadora, o treino aumentou a frequência do alcance manual e o número de alcances bimanuais. Também aumentou o número de vezes que o bebê levava a mão ao objeto na posição vertical, considerada uma forma mais madura e efetiva de alcance por facilitar a apreensão do objeto. “Além disso, os bebês ficaram mais rápidos e com movimentos mais direcionados e precisos, com menor necessidade de correções”, contou Tudella. Entretanto, estudos futuros devem ser realizados para verificar a retenção dessa aprendizagem.
Segundo Cunha, um dos objetivos da pesquisa era mostrar que, com apenas uma sessão de treino, era possível obter resultados. “É um período de grande plasticidade no sistema nervoso central dos bebês, no qual a aprendizagem ocorre de forma muito rápida. É um método simples e que pode ser feito em casa sem gastos”, comentou.
De acordo com Tudella, a ideia é alertar e capacitar os profissionais de saúde e educadores para que eles possam detectar precocemente atrasos do desenvolvimento do alcance manual e, então, orientar os familiares a fazer o treinamento. “Estamos disseminando esses dados por meio de artigos, congressos, palestras, cursos e capítulos de livros”, contou.
Resultados parciais já foram divulgados em três artigos na revista Motor Control e um na Research in Developmental Disabilities. No momento, o grupo investiga o efeito do treino em bebês abrigados.
“Pretendemos ainda realizar novos estudos com bebês com síndrome de Down, paralisia cerebral e mielomeningocele”, contou Tudella.
* Com Fernando Cunha
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