quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Composto extraído do aipo combate a leishmaniose cutânea

Administrada por via oral, molécula natural presente em vegetais combateu lesões, reduziu carga parasitária e não apresentou toxicidade em estudo com animais

Uma substância extraída do aipo pode ser a base para o desenvolvimento de novos medicamentos contra a leishmaniose cutânea. Em laboratório, a molécula apigenina demonstrou ação contra o parasito Leishmania amazonensis – uma das espécies causadoras da doença – e conseguiu reduzir as lesões e a carga parasitária durante estudo com animais. Além de ser administrada por via oral, o que facilitaria seu uso em pacientes, a substância não apresentou efeitos tóxicos. Coordenador do estudo, Elmo Almeida-Amaral, pesquisador do Laboratório de Bioquímica de Tripanossomatídeos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), afirma que muitos testes ainda são necessários para que a apigenina se torne, de fato, um novo medicamento. Porém, os experimentos indicam que ela é uma substância promissora, que deve ser investigada como candidata para o desenvolvimento de novas terapias contra a leishmaniose cutânea.

“Os resultados no modelo animal foram superiores aos do antimonial pentavalente, que é o medicamento de primeira escolha para o tratamento da infecção atualmente. A apigenina foi mais eficaz tanto na redução da lesão, quanto na diminuição da carga parasitária”, diz o cientista acrescentando que, após a identificação de uma molécula promissora, leva-se cerca de dez anos para elaborar um novo remédio. O estudo foi publicado na revista científica ‘Plos Neglected Tropical Diseases’.

Foto: Gutemberg Brito
Entre os flavonóides analisados pelo grupo do pesquisador Elmo Almeida-Amaral, a apigenina apresentou os melhores resultados

Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doença negligenciada, a leishmaniose é endêmicas em 98 países. De acordo com a entidade, cerca de 1,2 milhão de novos casos da forma cutânea da doença ocorrem anualmente. No Brasil, o Ministério da Saúde contabilizou 21 mil novos casos por ano, nos últimos cinco anos, o que coloca o país entre as dez nações com mais registros no mundo. Elmo ressalta que a criação de novas terapias é fundamental para aumentar a qualidade de vida dos pacientes. “Os medicamentos antimoniais pentavalentes começaram a ser utilizados na década de 1940 e são a melhor opção até hoje. Os pacientes precisam ficar internados por até um mês para receber a medicação por via venosa ou intramuscular e podem sofrer efeitos colaterais consideráveis, incluindo danos ao coração e aos rins. Desenvolver remédios orais, com menos efeitos adversos, traria um grande benefício para essas pessoas e também reduziria custos para o sistema de saúde”, avalia ele.

Efeito seletivo

Na pesquisa, o efeito da apigenina contra a leishmaniose cutânea foi verificado em duas etapas. A primeira foi a avaliação da atividade da molécula em culturas de células infectadas por L. amazonensis. A maior dose utilizada reduziu em 71% a proliferação dos parasitos, sem afetar as células hospedeiras. Esta característica de seletividade é justamente um dos resultados mais destacados: a substância atua 18 vezes mais sobre os parasitos do que sobre as células hospedeiras. Investigando o mecanismo de ação da substância, os pesquisadores verificaram que a apigenina parece não agir diretamente sobre os parasitos. O efeito da molécula está ligado à ativação de vias oxidativas nas células hospedeiras, o que leva à destruição dos patógenos. As propriedades químicas da apigenina também foram analisadas a partir de uma ferramenta digital que reúne informações de estudos científicos já publicados. Os dados apontaram alta probabilidade de boa absorção por via oral e baixo risco de toxicidade.

Considerando os achados, os cientistas decidiram prosseguir com o estudo em modelo animal. Os testes feitos com camundongos mostraram que a apigenina, administrada por via oral, pode ser mais eficaz no tratamento da leishmaniose cutânea do que o antimonial pentavalente, administrado por injeção. Além de medir o tamanho das lesões na pele dos animais após o início do tratamento, os cientistas avaliaram a quantidade de parasitos presente nas feridas. Na maior dose utilizada, a apigenina apresentou resultados superiores para redução das lesões e da carga parasitária. Ao mesmo tempo, não foram detectados sinais de danos ao fígado ou aos rins dos animais.

À esquerda, células infectadas com L. amazonensis apresentam grande quantidade de parasitos [pequenos pontos roxos, alguns apontados por setas]. À direita, células tratadas com apigenina exibem carga parasitária reduzida

Segundo Elmo, os testes feitos com diferentes doses de apigenina reforçam o potencial da substância. “Tanto nos experimentos em cultura de células como nos testes com o modelo animal, verificamos um efeito dose-dependente. Isto é, quanto maior a dose administrada, maior o efeito observado. Essa relação é importante para comprovar que os resultados percebidos – como a redução das lesões e da carga de parasitos – são causados pela molécula e não por outros fatores”, comenta o pesquisador.

Encontrada em diversos frutos e vegetais – como limão e salsa, além do aipo –, a apigenina faz parte do grupo dos flavonóides, substâncias produzidas pelo metabolismo de plantas que são cada vez mais estudadas pelo potencial terapêutico. De acordo com Elmo, estudos com diferentes compostos desse grupo já revelaram ação anti-inflamatória, antioxidante, antiparasitária e anticancerígena. No Laboratório de Bioquímica de Tripanossomatídeos, o primeiro trabalho sobre o efeito leishmanicida de uma molécula flavonóide foi publicado em 2011. Desde então, diferentes substâncias foram investigadas, sendo que a apigenina é a segunda a chegar até a fase de estudos em modelo animal e aquela que apresentou melhores resultados.

Sobre a leishmaniose cutânea

Os parasitos do gênero Leishmania são transmitidos para os pacientes pela picada de diversas espécies de pequenos insetos chamados de flebotomíneos e popularmente conhecidos como mosquitos-palha. Estes vetores são infectados ao sugar o sangue de animais que atuam como reservatórios dos parasitos, o que inclui diversas espécies de roedores, marsupiais, edentados e canídeos silvestres. Diferentemente do que ocorre na leishmaniose visceral, não existe comprovação de que os cães domésticos tenham participação fundamental no ciclo da leishmaniose cutânea. Geralmente, a doença é transmitida em florestas, regiões rurais ou áreas periurbanas, nas quais habitações são construídas próximo de matas.

A infecção cutânea se manifesta por meio de lesões na pele, geralmente em formato de úlceras. Mesmo sem tratamento, estas feridas tendem a evoluir para a cura em um prazo que poder durar desde alguns meses até poucos anos. A doença não é transmitida diretamente de uma pessoa para a outra e não há risco de contágio pelo contato com as lesões. O tratamento é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). As medidas de prevenção incluem o uso de repelentes e mosquiteiros nas áreas com transmissão da doença. A limpeza de quintais e terrenos também é recomendada para combater os criadouros do vetor, assim como o descarte adequado do lixo orgânico com o objetivo de reduzir a aproximação de animais que podem ser reservatórios do parasito.

Reportagem: Maíra Menezes
15/06/2016

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