sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Microgéis na ‘receita’


Campinas, 15 de agosto de 2016 a 21 de agosto de 2016 – ANO 2016 – Nº 665


Pesquisadora testa técnicas de microencapsulação de probióticos e prebióticos para alimentos funcionais

Texto: Carmo Gallo Netto Fotos: Antonio Scarpinetti Edição de Imagens: André Vieira
O consumo de alimentos funcionais tem se intensificado nos últimos anos. Eles se distinguem por propriedades benéficas à saúde, melhorando as funções fisiológicas, potencializando o valor nutricional dos alimentos, auxiliando o equilíbrio e a atividade da microbiota intestinal, reduzindo o risco de determinadas doenças. Probióticos e prebióticos são exemplos de ingredientes funcionais que vêm sendo empregados pela indústria de alimentos com vistas à oferta de produtos mais saudáveis, nutritivos e funcionais.

Entretanto, as condições de processamento, armazenamento e ingestão dos alimentos em que os probióticos são adicionados podem provocar uma redução em sua viabilidade, fazendo com que não alcancem o sítio de ação em quantidades adequadas para conferir benefícios desejados. Neste contexto, o acondicionamento em sistemas de microencapsulação oferece proteção, além de proporcionar a liberação controlada deste ativo no local de atuação.

Com o objetivo de conferir maior resistência a estes microrganismos ao longo dos processos de produção e armazenamento e garantir ainda sua atuação no intestino, onde devem chegar em quantidades adequadas, vêm sendo utilizadas técnicas de microencapsulação, que consistem em revestir materiais de interesse, proporcionando proteção às condições adversas a que são expostos.

Nessa direção se orientou o trabalho desenvolvido pela mestra em engenharia de alimentos Karen Cristina Guedes Silva, no Laboratório de Engenharia de Processos, orientada pela professora Ana Carla Kawazoe Sato, do Departamento de Engenharia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp.

Em sua dissertação, Karen avalia a influência da adição de prebióticos e probióticos na produção de microgéis de alginato e gelatina e também a eficiência da técnica de encapsulação na sobrevivência e viabilidade dos microrganismos probióticos encapsulados isolada e conjuntamente com prebióticos. Ela estuda ainda a viabilidade e a cinética de liberação dos microrganismos probióticos após a passagem pelos fluidos gástricos e intestinais por simulação in vitro, além de avaliar a estabilidade e viabilidade dos probióticos microencapsulados adicionados em iogurte ao longo de 28 dias de armazenamento.

A microencapsulação é uma técnica que permite proteger compostos de interesse utilizando diferentes tipos de materiais poliméricos, convertendo-os em produtos de maior conveniência e aplicabilidade, além de possibilitar sua liberação controlada e melhorar a biodisponibilidade dos ativos, sendo largamente empregada pela indústria farmacêutica.

A microencapsulação voltada para aplicação em alimentos deve garantir a utilização de polímeros biodegradáveis, pois estes não apresentam toxicidade e degradam-se em determinadas condições.

A microencapsulação de compostos ativos apresenta grande potencialidade na indústria de alimentos e, por isso, estudos que visam a melhoria de processos, a caracterização da cinética de liberação, através de testes de simulação in vitro das condições gastrointestinais e viabilidade, podem contribuir para evolução do setor e possibilitar sua aplicação em escala industrial em alimentos diversificados.

O que foi feito

Primeiramente, a pesquisadora selecionou uma combinação de biopolímeros e produziu a partir destes as soluções biopoliméricas que dariam origem aos microgéis. Na solução formada a partir dos biopolímeros foram adicionados o probiótico e o prebiótico. Mas antes disso, a pesquisadora avaliou diferentes concentrações de prebióticos a serem adicionadas à matriz biopolimérica para determinar aquela que proporcionaria a formação de microgéis mais resistentes. Nos testes preliminares foram avaliadas então propriedades reológicas como viscosidade e textura, para que pudesse ser definida a concentração ótima do prebiótico mais adequada à encapsulação.

A partir então da solução dos biopolímeros que continha o probiótico e o prebiótico produziram-se os microgéis, que foram caracterizados por microscopia eletrônica e ótica, para determinar a distribuição do probiótico na cápsula, além do tamanho das partículas formadas. Constatou-se a sua dispersão em todo o interior do invólucro, embora parte dele possa dispor-se na superfície. A propósito, a pesquisadora explica: “Visto que o prebiótico melhora a atuação do microrganismo ativo, optamos por produzir microgéis simbióticos, para poder avaliar inclusive essa ação conjunta. Com a microencapsulação, pretendíamos que o probiótico resistisse à passagem pelo trato gástrico, ao qual é sensível, chegando ao intestino, local em que a desintegração da cápsula deve ocorrer para que o ativo seja liberado, exercendo assim sua ação”.

Após a caracterização dos microgéis, a etapa seguinte concentrou-se na viabilidade de sua aplicação. Nessa fase a pesquisadora produziu um iogurte e avaliou nele o comportamento dos sistemas de encapsulação por 28 dias, a 4º C, período em que um alimento com adição de probióticos deve manter-se ativo, a fim de ser caracterizado como um alimento funcional. O que efetivamente verificou-se com o microrganismo encapsulado.

No passo seguinte foram realizadas as simulações gastrointestinais in vitro. Para tanto, os microgéis foram adicionados em soluções que simulavam as condições gástricas e intestinais para avaliar como seria a liberação do ativo após seu consumo.

Resultados

Para estas simulações foram utilizadas três formulações: a adição de probiótico livre, do microgel contendo apenas o probiótico e do microgel constituído por ele e pelo prebiótico.

Na estocagem do iogurte os resultados mostraram-se melhores no caso dos microgéis simbióticos, o que era esperado, uma vez que o prebiótico atua como fonte de substrato para o microrganismo, fazendo com que ele se mantenha ativo.

Em relação à simulação in vitro observou-se que os microgéis resistiram bem à passagem pelo trato gástrico. No entanto, os microgéis simbióticos foram mais resistentes, sendo capazes de liberar o probiótico por uma extensão maior do intestino. Neste caso, em condições intestinais, observou-se uma ruptura progressiva dos microgéis, proporcionando uma liberação gradual dos microrganismos no sítio de ação desejado.

Em última análise, a encapsulação permite a utilização de menor quantidade de microrganismos nos alimentos para atingir atividade semelhante à empregada em suas formas livres em produtos alimentícios. No laboratório essa tecnologia está sendo testada em produtos lácteos. Visando ainda o universo de pessoas que não podem consumir estes produtos, a professora Ana Carla lembra que, em projeto com a Embrapa-RJ, estão sendo desenvolvidos também estudos, dentro da mesma linha de pesquisa, com vistas a estender a aplicação para produtos não lácteos, caso dos sucos. E conclui: “Com a utilização deste microgel em diferentes alimentos, procuramos viabilizar aplicações práticas, indo além da pesquisa básica, o que certamente abrirá novos espaços para as indústrias de alimentos, propiciando maiores benefícios para os consumidores”.

O que são e como agem

Os probióticos são microrganismos vivos presentes naturalmente na flora intestinal, sendo essenciais à manutenção do equilíbrio desta microbiota para garantir uma vida saudável. Fatores como alimentação desequilibrada, uso de antibióticos, entre outros, podem reduzir o número de bactérias benéficas e aumentar a proliferação de bactérias indesejáveis nessa flora. A suplementação de probióticos em quantidades adequadas nos alimentos possibilita a recomposição da microbiota intestinal, conferindo benefícios à saúde dos consumidores.

Estudos mostram que a capacidade de sobrevivência de bactérias probióticas durante os processos de produção, período de armazenamento e trânsito no trato gastrointestinal é baixa. Isso decorre de vários fatores, como condições ácidas a que são expostas, presença de sais biliares, temperatura, entre outros.

Produtos que associam probióticos e prebióticos são conhecidos como simbióticos. Como o próprio nome indica, a associação proporciona uma relação de simbiose, em que os prebióticos potencializam a sobrevivência e a colonização de bactérias probióticas, por atuarem como substrato, ou seja, fonte de energia para os probióticos.

Na realidade os prebióticos são componentes alimentares não digeríveis, como fibras, que apresentam maior poder de atividade no intestino grosso ao serem metabolizadas pelos probióticos, afetando beneficamente os consumidores, por estimularem seletivamente a proliferação e a atividade das bactérias benéficas no cólon e inibir a multiplicação de patógenos.

Os prebióticos são componentes alimentares essenciais, por atuarem como substrato para a proliferação de Lacibacillus e Bifidobacterium, sendo responsáveis, juntamente com os probióticos, pelo aumento na absorção de água pelas paredes intestinais, nutrição das células do cólon, propiciando aumento do volume fecal e redução do tempo de trânsito intestinal, além de estarem associados à redução no risco de doenças colorretais, infecções e intolerância a lactose.

Devido à baixa viabilidade dos microrganismos probióticos frente às condições digestivas, o uso de técnicas de microencapsulação torna-se uma alternativa para o problema. A microencapsulação constitui um processo em que partículas são incorporadas em uma matriz que proporciona uma barreira física para o material aprisionado, oferecendo proteção, reduzindo a permeabilidade e exposição do ativo durante sua exposição a condições que não lhe são propícias. Visto que a ação dos probióticos se dá no intestino, os sistemas matriciais para a veiculação destes compostos devem ser resistentes à passagem pelo estômago, devido às condições de elevada acidez.

Publicação

Dissertação: “Produção de microgéis simbióticos de gelatina-alginato e simulação da liberação controlada em condições gastrointestinais”
Autora: Karen Cristina Guedes Silva
Orientadora: Ana Carla Kawazoe Sato
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
Financiamento: CNPq e Faepex

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