quinta-feira, 17 de abril de 2014

O orgulho de quebrar coco babaçu em Vila Criolis, Baixo Parnaíba maranhense, por Mayron Régis

[Territórios Livres do Baixo Parnaíba] Não é recomendável chegar em determinada cidade depois de um determinado horário por talvez não encontrar quem o receba assim como não é recomendável deixar essa mesma cidade em determinado horário por não haver quem o leve.

O povoado Vila Criolis se distancia treze quilômetros da cidade de Brejo, Baixo Parnaíba maranhense. Qualquer dificuldade, ele ligaria para dona Milagres que o aguardava em sua casa. Assim que chegaram, perguntou-se ao frentista qual era a distância entre Brejo e a Vila Criolis. O frentista calculou uns 30 quilômetros. Um rapaz guiou o carro pela estrada de piçarra em plena noite. Uma senhora o aconselhara a continuar o percurso a Vila Criolis pela manhã cedo. Ele gostaria de dormir na comunidade e por isso fazia questão de continuar. Além do motorista, seguia um outro rapaz no carro; eles perguntaram se o moço era professor. Ele respondeu que era jornalista. O conselho da senhora o inquietara. Ela o fez se sentir ameaçado. Os rapazes discorreram sobre roubos de celulares e de motos nos interiores da cidade de Brejo. Bem ali, mora não sei quem que rouba motos.

No ano passado, quando viera, a prefeitura anunciava a reforma da estrada que liga Brejo aos assentamentos do Incra. A reforma ficou só no anúncio. Sorte que não chovera tudo que tinha que chover, senão passariam por maus bocados. Simplesmente, a prefeitura “esquecera” de reformar a estrada que passa pela Vila Criolis. Ocorreu, apenas, a instalação dos tubos por onde a água corre. A prefeitura, simplesmente, aboliu a Vila Criolis do seu planejamento. As razões para não cumprir com as obrigações constitucionais não ficaram claras.

A Vila Criolis se caracteriza por ser uma região de Baixo. Os babaçuais predominam em vários trechos. Desde sempre, ouvia-se das bocas de várias pessoas, que provieram da Vila Criolis e de áreas próximas, o quanto suas vidas dependeram do extrativismo do babaçu. O deputado Domingos Dutra e o professor Luis Alves expõem suas dívidas e raízes históricas com a cultura do babaçu sempre que possível.

A sua ida a Vila Criolis se configurava como uma excelente oportunidade não só para apresentar o PAIS, ou Produção Agroecologica Integrada e Sustentável, uma tecnologia social que congrega no mesmo espaço diferentes atividades produtivas como a criação de galinha caipira e o plantio de verduras, para a comunidade como também uma excelente oportunidade para rememorar as histórias pelas quais essa gente toda passou e ainda passa. A casa de dona Milagres era uma casa de agricultores. Eles plantavam um pouco de mandioca, arroz, feijão e abóbora. O filho dela disse desse jeito: “ aqui vivemos da roça”. Em sua fala, havia muita sinceridade e muita tristeza. A irmã veio em seguida para desembestar outros dizeres e afazeres. Ela compunha um dos grupos que cultivavam uma área com verduras. Apanhava-se cheiro verde e cebolinha. A Girlene também quebrava coco e vendia o azeite. Depois de escutar a Girlene, ele inquiriu a família de dona Milagres dos porquês das pessoas deixarem que as coisas boas se percam. A dona Milagres respondeu que por medo.

A Capacitação em meio ambiente, organizada pelo Aconeruq, iniciou-se as oito horas da manhã. A dona Maria do Rosário se deslocou de mansinho na manhã para avisar que não ficaria por muito tempo na oficina e que enviaria o marido para ficar em seu lugar. Ficou por muito mais tempo do que previra. A primeira conversa da capacitação girou em torno do que representava para eles viver na Vila Criolis, data Saco das Almas. A dona Maria do Rosário recordou a sua infância e as ameaças de despejo desferidas pelo proprietário de terras à sua família e aos outros agregados. O agregado pagava uma renda ao proprietário como forma de obediência e também como forma de garantir a sua permanência na propriedade. Caso não pagasse a renda, o proprietário enviava a polícia militar para retirar a família e os seus pertences. A obrigação de pagar renda ofendia a família de duas formas: pela humilhação com os tratamentos dispendidos e pelo empobrecimento já que os agregados destinavam seu tempo e sua produção para o proprietário.

O senhor José de Fátima, como dona Rosário, viveu boa parte de sua vida agregado em propriedades dos outros. No caso dele, foram três as propriedades: a dona Vitória, o senhor Wilson e o doutor Carlos. Quanto tempo existe a Vila Criolis? Ninguém soube responder ao certo. As respostas raspavam os trinta anos. A Ana Lina discordou de imediato porque ela nasceu na Vila Criolis e já tinha 37 anos. Para tirar a dúvida, chegou a dona Ana Lurdes, mãe de Ana Lina. A dona Ana Lurdes também não soube precisar a idade da Vila Criolis, mas soube cravar que se orgulha de ser quebradora de coco babaçu. Depois que ela declarou esse orgulho, as demais mulheres responderam no mesmo tom que se orgulhavam de serem quebradoras. O Antonio, delegado sindical, relatou que as áreas de babaçuais na data Saco das Almas alcançam mais de quinze mil hectares e que o Vicente um dos proprietários da área quis implantar um projeto industrial de extração do palmito do babaçu na cidade de Brejo. O projeto só não foi em frente porque os quilombolas fizeram denúncias ao Ibama.

De acordo com o Antonio, o babaçu é a vida dos quilombolas porque dele se tira o azeite, o palmito, o mesocarpo e se queima a casca. Essa declaração do Antonio e as declarações das mulheres se chocam um pouco com a percepção que o babaçu, de tanto fazer parte da vida dos quilombolas da Vila Criolis, perdeu um pouco a sua importância econômica e social nesses tempos modernos. As mulheres quebram o coco e vendem o azeite, só que o babaçu não aparece em primeiro lugar na lista de espécies florestais importantes para a comunidade.

Os participantes da capacitação em meio ambiente se depararam durante a caminhada pelo leito do riacho da Ponte, na Vila Criolis, município de Brejo, com a dona Maria Inês em seu momento de banho. Eles caminhavam por dentro da propriedade do senhor Candin. A dona Maria Inês chegou aos seus setenta anos. O senhor Candin prometeu doar um hectare para ela se manter. Uma cerca torna difícil a caminhada até o riacho na propriedade do senhor Candin. Verificam-se cercas por toda a extensão do riacho. Apenas dois trechos se livraram das cercas e nestes a comunidade se banha e lava as roupas. Nesses dois trechos as criações de animais também se molham e bebem. Tem dois anos que o riacho da Ponte seca depois que as chuvas acabam. Isso se deve, segundo os moradores, ao desmatamento que o senhor Candin realizou para o plantio de capim.

Além do desmatamento, o plantio de capim traz consigo o despejo de agrotóxicos. O senhor Francisco, marido de uma das participantes, despejou agrotóxico quinze anos da sua vida. Apresentaram-se dores da cintura para baixo o que pode ser resultado da aspersão de agrotóxico. Na casa do senhor Francisco, depois da caminhada, as pessoas conversaram sobre mudanças climáticas e o comportamento dos agricultores referente ao meio ambiente e a urgência em mudar esse comportamento.

Os agricultores esperam que a floresta se regenere depois que utilizaram aquele solo para os seus plantios. É bem provável que ela não regenere a contento porque o agricultor voltará a essa área mais cedo ou mais tarde. A hora do almoço se aproximava. As mulheres saíram cedo de suas casas sem aprontarem nada. De uma próxima vez, o almoço se dará no mesmo lugar da oficina. Por conta disso, a esposa do senhor Francisco ofereceu goiabas. Alguns comeram mais e outros menos. As pessoas paparam as goiabas e, por fim, escolheram três deles (Girlene, Valdemar e Zé de Fátima) para formarem um grupo que encetará uma discussão com os proprietários, que impedem os moradores de carregarem água de seus terrenos e que despejam agrotóxicos para plantar capim, para que mudem suas atitudes que causam danos ambientais na vida de todos os moradores da Vila Criolis.

* Mayron Régis, Colaborador do EcoDebate, é Jornalista e Assessor do Fórum Carajás e atua no Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Fórum Carajás, SMDH, CCN e FDBPM).

** Crônica enviada pelo Autor e originalmente publicada no blogue Territórios Livres do Baixo Parnaíba.

EcoDebate, 17/04/2014

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