O encontro de devolutiva do Inovagri visitou duas comunidades do nordeste paraense. – Foto: Kélem Cabral
Uma mudança de paradigma sobre o uso do fogo e o aumento da percepção do uso racional das propriedades rurais é o que se tem observado junto às 28 propriedades de agricultores familiares participantes do projeto “Conservação e recuperação de áreas degradadas em unidades de produção familiar na Amazônia Oriental brasileira”, conhecido como Inovagri, executado pela Embrapa Amazônia Oriental, com financiamento proveniente de cooperação internacional por meio da organização The International Tropical Timber Organization (ITTO).
Nos dias 13 e 14 junho, os responsáveis pelo Inovagri retornaram às comunidades atendidas nos municípios paraenses de Garrafão do Norte, Capitão Poço e Bragança, para realizar uma devolutiva e avaliação conjunta com os agricultores sobre os cerca de nove anos de atuação. O projeto se encerra no segundo semestre de 2016.
Iniciado em 2007, o Inovagri teve como objetivo contribuir para a recuperação de áreas degradadas (RAD) nas propriedades, visando o aumento do potencial produtivo florestal e subsidiar a adequação à legislação ambiental, com foco nas áreas de preservação permanente (APP) e reserva legal (RL). A devolutiva, conforme explicou a pesquisadora Socorro Ferreira, reitera um importante diferencial e possível indicativo da adoção pelas famílias ao projeto, que foi a construção participativa em todas as etapas.
Análise também defendida pelo líder do projeto, o pesquisador Silvio Brienza Júnior. Ele considera que a construção participativa teve impactos positivos na adesão ao Inovagri pelos comunitários, pois possibilitou a troca de experiências entre o saber tradicional praticado nas propriedades e as tecnologias difundidas pela Embrapa. Segundo Silvio Brienza, essa construção permitiu que o público-alvo acessasse diferentes áreas do conhecimento por meio da realização de diversos treinamentos em temas que já faziam parte do dia a dia produtivo, porém, eleitos e na ordem de prioridade citada pelas famílias, tais como o valor da capoeira, manipulação de plantas medicinais, controle e prevenção do fogo, inventário das espécies arbóreas e florestais, além do conhecimento e planejamento de uso de toda a propriedade, entre outros.
Mas até se chegar a esse entendimento e mudar o modo tradicional de produção local, que tinha no fogo, a principal ferramenta de “limpeza” ou abertura das áreas cultiváveis, foi um longo caminho.
Prova disso é o agricultor Onildo da Silva, 60, de Bragança, município do nordeste paraense, que segundo dados levantados pelo projeto, já perdeu mais de 90% de toda floresta primária. “Minha atividade antes do projeto era só cortar e queimar”, fala o produtor ao explicar que renda familiar era proveniente da venda de madeira, do carvão, cultivo da mandioca e pecuária, atividades executadas de maneira predatória.
“Ouvir que não podíamos mais queimar e que tínhamos que preservar as margens de rio e capoeiras foi um pouco estranho, afinal, de onde eu tiraria a renda para sustentar minha família?”, relembrou o Onildo. Mas, por meio dos cursos do projeto e do mapa de uso da propriedade, ele pode perceber mais assertivamente como as atividades estavam distribuídas na área familiar e assim, planejar como utilizar a terra de maneira mais racional, o que acabou por mudar completamente as fontes de renda da família.
Atualmente, declara orgulhoso, o ganha-pão da família está na plantação de frutíferas como banana, limão e tangerina. A roça de mandioca, ainda está presente, mas sem o uso do fogo. “Hoje sabemos que a floresta em pé rende muito mais e que trará benefícios futuros, para meus filhos e netos”, declarou.
Emocionado, durante o encontro de avaliação, ele agradeceu ao projeto por um curso em especial – o de cultivo de açaizais -, pois agora conta com um pomar de mais de três mil pés e espera a primeira colheita para o próximo ano.
Recuperação de áreas degradadas traz lucro e qualidade de vida
Em meados de 2007, quando o Inovagri iniciou os cursos de qualificação, os pesquisadores da Embrapa e colaboradores do projeto defendiam a importância da preservação das capoeiras e matas em razão da gama de serviços ambientais que ela possibilita, tal como a fixação de carbono no solo, manutenção da biodiversidade, proteção dos mananciais, ciclagem de nutrientes e controle de erosão.
Esses conceitos, até então abstratos aos agricultores familiares vinculados ao projeto, foram tomando forma e hoje são facilmente identificados e firmemente defendidos. A exemplo de João Oliveira Coutinho, de 53 anos, mais conhecido “Dandão”. Ele conta que mora em uma área de assentamento em localizada na divisa entre os municípios de Paragominas, Garrafão do Norte, Esperança do Piriá e Ipixuna do Pará e que sua propriedade, de cerca de 60 hectares, era quase toda tomada por pasto degradado e um pouco de juquira (vegetação de porte baixo que nasce em áreas abandonadas).
O pasto era pobre e não sustentava o gado. As áreas destinadas ao plantio registravam baixa produtividade. Nesses nove anos de projeto, a propriedade de João Coutinho foi uma das que sofreu a maior metamorfose e hoje serve de modelo de recuperação de áreas degradadas para os vizinhos, parentes e para produtores de outros municípios que visitam o sítio em ações de intercâmbio. “Reflorestamos grande parte da propriedade e cada ano percebíamos as diferenças, tanto que hoje, temos uma pequena floresta em formação. A terra ficou mais forte e mesmo diminuindo a área plantada, a produção aumentou”, comemora. Ele afirma ainda que a qualidade de vida da família mudou, pois a arborização trouxe um ar mais fresco para a casa, com temperatura mais amena, característica que também favorece as atividades produtivas no campo, sem falar, na diversificação da renda e na segurança alimentar, por meio do cultivo de arroz, feijão e milho.
Inovagri vislumbra modelo de recuperação de áreas degradadas
Colaboradora do projeto, a doutora em direito ambiental, Syglea Rejane Magalhães Lopes, atuou no projeto para identificar as dificuldades dos agricultores no cumprimento das leis ambientais, em especial, no que se refere às obrigações quanto às áreas de preservação permanente (APP) e reserva legal das propriedades. Ela explica que ao trabalhar a regularização ambiental dos agricultores familiares com base na Lei, há uma exigência preliminar, sua inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro eletrônico que tem por objetivo integrar as informações ambientais dos imóveis rurais permitindo o planejamento ambiental e econômico, controle, monitoramento, e combate ao desmatamento.
Uma das etapas do projeto foi, inicialmente, construir um croqui das 28 propriedades inseridas no Inovagri. O desenho foi feito pelos agricultores, com base nas memórias e conhecimento da terra, para depois ser georrefenciado, e gerar, via satélite, o mapa real de uso das propriedades, favorecendo o planejamento das atividades produtivas, assim como a consciência sobre quais áreas preservar e reflorestar.
Os mapas estavam entre os produtos mais esperados pelos agricultores. Eles são o primeiro passo para a aquisição do CAR e foram entregues às famílias durante o encontro de devolutiva realizado nos dias 12 e 13 de junho.
Para o pesquisador Silvio Brineza, líder do projeto, a experiência desses nove anos mostra que é possível produzir, de maneira colaborativa com os agricultores, um modelo de recuperação de áreas degradadas para agricultura familiar da Amazônia, garantindo ao mesmo tempo, o respeito à legislação ambiental, assim como produção e renda diversificada.
O projeto Inovagri é executado pela Embrapa Amazônia Oriental, com recursos da The International Tropical Timber Organization (ITTO), por meio da parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e apoio da Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia – (Fidesa).
Por Kélem Cabral, Jornalista – MTb 1981/PA
Embrapa Amazônia Oriental
in EcoDebate, 23/06/2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário