22 de abril de 2015
Eis a questão! Essas pequenas partículas subatômicas têm dado o que falar, e não por menos. Sua principal característica físico-química chega a assustar: são altamente instáveis e, portanto, altamente reativas, podendo se ligar a vários tipos de moléculas a fim de tornarem-se estáveis. O problema é que a reação entre um radical livre e uma molécula qualquer pode modificar a estrutura e a função dessa molécula. A consequência? Perdas funcionais. Mas será que precisamos deliberadamente tomar medidas para combater os radicais livres? Mais ainda: será que todos esses conselhos nutricionais, frutinhas da moda (caríssimas e nem sempre palatáveis!) e os polivitamínicos terão algum benefício real? Vejamos as respostas...
Radicais livres: o que são, onde e por que são produzidos?
A definição química não é das mais fáceis de se entender, mas vamos lá: radicais livres são átomos ou moléculas que apresentam um elétron desemparelhado, ou número ímpar de elétrons, em sua última camada eletrônica. Tal elétron “solitário”, em sua busca frenética por um outro elétron, pode reagir com “qualquer coisa” que esteja a sua frente, causando danos a essa molécula. Em nosso organismo, existem duas grandes categorias de radicais livres: as espécies reativas de oxigênio e as espécies reativas de nitrogênio. Para manter a simplicidade do texto, vou discutir principalmente as espécies reativas de oxigênio (doravante referidas como EROs).
As EROs são produtos naturais dos processos oxidativos que ocorrem em nossas células. Basicamente, esses processos oxidativos acontecem nas mitocôndrias, locais onde as células extraem energia dos alimentos. Portanto, produzir energia implica em produzir radicais livres, e não há como evitar tal produção. Uma vez que os músculos produzem muita e são dotados de muitas mitocôndrias, eles acabam sendo um dos principais locais de produção das EROs.
Danos causados pelas EROs e suas consequências orgânicas
As EROs podem reagir com muitas moléculas em sua proximidade. O problema é que, dentro das mitocôndrias, onde são largamente produzidas, existe muito DNA, que pode sofrer danos. Outro problema é que as mitocôndrias se renovam e, para tanto, precisam copiar o material genético (DNA) das mitocôndrias já existentes. Se o DNA já estiver danificado, a cópia já conterá as danos anteriores, os que se somarão aos novos danos. O resultado desse acúmulo de danos ao DNA ao longo do tempo é a diminuição da função da mitocôndria. Em outras palavras, ao longo do tempo (leia-se envelhecimento), ocorre um acúmulo de danos ao DNA mitocondrial causados pelas EROs, os quais resultam em diminuição da capacidade de produzir energia. Essa é a base da teoria do envelhecimento mitocondrial e, não ao acaso, as pessoas, ao envelhecerem, perdem progressivamente sua capacidade de produzir energia e de realizar exercícios que dependem do metabolismo aeróbio (leia mais aqui). Por esse mesmo motivo, o combate aos radicais livres promete efeitos “antienvelhecimento”. Mas já iremos abordar essa questão em mais detalhes.
Em outros tecidos, os radicais livres também podem ter efeitos deletérios. Por exemplo, a exposição da pele a agentes agressores, como a radiação U.V., aumenta a produção de radicais livres nas células da pele, causando o foto-envelhecimento. Na verdade, cerca de 50 doenças já foram associadas a algum tipo de desequilíbrio entre produção de radicais livres.
Radicais livres e exercício: a importante diferença entre o estímulo benéfico e produção exacerbada
Embora os radicais livres e EROs tenham sim papel em diversas doenças e também no envelhecimento, é importante fazermos uma distinção entre produção fisiológica de radicais livres e estresse oxidativo.
Nosso organismo é dotado de diversos sistemas de defesa contra os danos provocados pelos radicais livres, e eles funcionam muito bem quando estão em equilíbrio com a produção. Portanto, simplesmente produzir radicais livres não é algo preocupante, pois conseguimos muito bem lidar com eles. Mais ainda, os radicais livres atuam como desencadeadores de efeitos benéficos, especialmente no contexto do exercício físico. Estudos mostram que o exercício aumenta a produção de radicais livres, mas que aumentam também as defesas antioxidantes naturais, de tal forma que o equilíbrio se mantém. Os estudos mostram ainda que os radicais livres são necessários para que o organismos se adapte ao exercício. Em outras palavras, a produção dos radicais livres são imprescindíveis para que o exercício realmente resulte nos benefícios que já conhecemos bem. Ao combater artificialmente os radicais livres, combatemos esse importante gatilho para adaptações que são benéficas. É como se o tiro saísse pela culatra.
Em um outra situação bastante diferente, existe o estresse oxidativo. Nesses casos, a produção de radicais livres excede em muito a capacidade do organismos de neutralizá-los. Isso pode acontecer em doenças que resultam em perda das defesas antioxidantes ou em aumento da produção de radicais livres. Outra situação comum é quando há excesso de exercício físico, especialmente o aeróbio de longa duração (isto é, algo próximo a duas horas, ou mais – leia mais aqui). Embora volumes de treino assim elevados sejam raros em praticantes de exercício, maratonistas, triatletas, ciclistas e atletas de modalidades de longa duração estão muito sujeitos aos danos causados pelo estresse oxidativo. Como sempre dizemos: esporte de alto-nível está longe de ser saudável. Mas para o indivíduo comum, que simplesmente vai à academia e pratica seus treinos aeróbios 2-4 vezes na semana, os radicais livres são mais benéficos do que maléficos e, logo, não há porque combatê-los.
Suplementação de vitaminas e outros antioxidantes não vale a pena para atletas, muito menos para não-atletas
Para quem é apenas um praticante regular de exercícios e não se sujeita às rotinas de treino de atletas de competição, a literatura é bastante clara: não existem benefícios com a suplementação de antioxidantes (vitaminas A, C e E e coenzima Q10, entre outros). Ao contrário, a suplementação pode até atrapalhar as adaptações ao exercício, uma vez que combater os radicais livres pode significar combater um importante estímulo (veja aqui). Para quem é atleta, apesar do estresse oxidativo ser uma preocupação legítima, o uso de suplementos também não parece ser muito efetivo. É o que mostram diferentes estudos, como este, este e este.
Guilherme Artioli - Blog Ciência Informa
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