terça-feira, 6 de outubro de 2015

Nobel de Medicina de 2015, um tributo à química de produtos naturais e às pesquisas sobre doenças negligenciadas (jcnoticias.jornaldaciencia.org.br)


Artigo de Vanderlan Bolzani, diretora da Agência UNESP de Inovação e vice-presidente da SBPC

Ontem, quando li as primeiras notícias sobre o Prêmio Nobel de Medicina 2015, não pude conter a emoção e a alegria pela informação extraordinária: os produtos naturais e os medicamentos planejados para o tratamento de doenças negligenciadas foram as pesquisas laureadas com a maior premiação mundial outorgada a um cientista.

O prêmio é uma excelente demonstração do reconhecimento da Academia Sueca para a pesquisa destes cientistas, diferente daquelas em geral, concedidas a um Nobel. Youyou Tu – química farmacêutica e médica, professora da Universidade do Centro de Ciências Médicas da Universidade de Pequim, na China – foi laureada pelas suas investigações sobre Artemisia annua (Asteraceae), planta medicinal milenar chinesa e das propriedades antimalárica da artemisinina (qinghaosu), uma lactona sesquiterpênica e de seus derivados; William C. Campbell, parasitologista, pesquisador emérito na Universidade de Drew, Madison, nos EUA, e Satoshi Omura, químico bio-orgânico, professor na Universidade de Kitasato, Japão, pelas pesquisas sobre avermectina, produto natural da classe das lactonas macrocíclicas e derivados sintéticos, produzidas pela fermentação deStreptomyces avermitilis, bacteria da classe dos actinomycetos.

O fato interessa muito à ciência feita no Brasil, e em especial aos pesquisadores que fazem investigação em química de produtos naturais, farmacologia e medicina, cuja tendência natural é seguir as em evidências no mundo central.

Semana passada, publiquei um texto sobre o ranking de classificação de 192 universidades brasileiras (RUF Folha) enfatizando a questão do papel da pesquisa fundamental de excelência e da inovação, em geral medida pelos produtos que poderão ser originados do conhecimento de pesquisa.

A premiação deste ano nos leva a refletir, por exemplo, sobre o estado-da-arte das pesquisas de bioprospecção de produtos naturais e sobre a diversidade químico-biológica da megabiodiversidade brasileira, considerada um laboratório altamente sofisticado de produtos naturais, fonte valiosa de fármacos e de outros bioprodutos para o bem estar humano.

Um olhar sobre as trajetórias acadêmicas dos três agraciados demonstram que, mesmo sem os holofotes habituais aos cientistas destacados para serem prêmios Nobel (os atuais ganhadores têm índice h em torno de 30), suas pesquisas revelam a importância cientifica e social e, ao mesmo tempo, unem o encanto e a beleza da química de produtos naturais ao sonho da descoberta de medicamentos para a saúde humana – sem muito interesse das grandes indústrias farmacêuticas, por tratarem fármacos para doenças negligenciadas, em geral pouco rentáveis.

As investigações mostram uma vida de dedicação destes cientistas ao desenvolvimento de novos medicamentos para combater malária e outras verminoses que acometem mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo, especialmente entre as populações carentes dos países pobres, com altas taxas de mortalidade de crianças. Doenças causadas por parasitas acompanham a espécie humana por milênios, constituem um grave problema de saúde global e representam, hoje, um enorme desafio para a melhoria da saúde das populações que vivem nas regiões com alta concentração de pobreza que, com a globalização e ciclos migratórios intensos, torna-se, portanto, um problema sério para o mundo central.

O mais extraordinário, ainda, do Nobel de Medicina 2015 é colocar no cenário mais ambicionado pela academia mundial a química de produtos naturais. A artemisinina e a avermectina são as estrelas do momento, mas são apenas dois exemplos da imensa diversidade da química da natureza, uma fonte inesgotável de inspiração acadêmica e tecnológica para a criação humana. Os metabólitos secundários, ou produtos naturais, se destacam pela incomensurável contribuição que têm dado aos avanços da síntese orgânica moderna e da química medicinal, cujas aplicações infinitas marcaram definitivamente a história da humanidade, com destaque para os medicamentos, materiais de higiene, cosméticos, defensivos agrícolas, fragrâncias. Sem contabilizar os tradicionais exemplos de substância que marcaram a história humana como morfina, reserpina, codeína, quinina, vincristina, vimblastina e os nossos curares, há evidencias de que 77% dos fármacos antibacterianos são produtos naturais ou derivados semissintéticos. Similarmente, 53% dos medicamentos anticancerígenos, 80% dos antivirais e 100% dos imunossupressores têm alguma origem ou inspiração nos produtos naturais de plantas, organismos marinhos, microrganismos e insetos.

Os produtos naturais avermectina e artemisinina podem ser moléculas carreadoras de estímulos e incentivos às pesquisas com produtos naturais no País, em especial para as novas gerações de cientistas, tendo em conta nossa imensa biodiversidade e a vocação histórica de eminentes cientistas que criaram a química de produtos naturais moderna do Brasil.

O que falta então para que a descoberta de novos fármacos antimaláricos e antiparasitários mais eficazes e menos tóxicos sejam descobertos na nossa biodiversidade? Eis a questão!

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