29 de junho de 2016
Karla Silva Ferreira* e Vanessa Alves Henrique
Em Outubro de 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Agência Internacional de Investigação do Câncer (IARC) publicaram um relatório informando que o consumo excessivo de carne processada provavelmente seja cancerígeno para o ser humano. Este relatório foi elaborado por uma equipe composta por 22 especialistas de 10 países, que após intensa revisão de pesquisas científicas, concluíram que o risco de desenvolver câncer colorretal aumenta em 18% a cada porção de 50 gramas de carne processada ingerida diariamente.
Esta informação alarmou a população, no entanto não houve a devida explicação sobre a causa de carnes processadas serem cancerígenas. A razão mais provável é a utilização dos aditivos “nitrato” e “nitrito” nestes alimentos.
O nitrato e nitrito são componentes dos sais de cura e, consequentemente, colocados nos produtos curados, tais como salsicha, bacon, salame, mortadela, presunto, apresuntado (embutidos em geral) e também em alguns tipos de queijos (exceto os queijos frescais).
Durante o processo de cura o nitrato e nitrito participam de diversas reações nos alimentos e no organismo, dando origem tanto a substâncias prejudiciais quanto benéficas para a saúde. A figura 1 ilustra as reações do nitrato e nitrito.
As substâncias formadas a partir do nitrato são “nitro ácidos graxos” e “nitritos”. Durante o processo de cura, bactérias transformam parte do nitrato em nitrito. Já os “nitro ácidos graxos” são formados dentro do organismo quando a pessoa ingere alimentos contendo nitrato ou nitrito e lipídios insaturados. Estes compostos são benéficos para a saúde, pois abaixam a pressão arterial, contribuindo assim para a prevenção de doenças cardiovasculares. (ver matéria “Nitro ácidos graxos: mais um fator positivo na dieta do Mediterrâneo” -http://uenfciencia.blogspot.com.br/2014/09/coluna-nutricao.html).
Os nitritos dão cor à carne, atuam como conservante mas geram substâncias cancerígenas. Como conservantes, inibem o crescimento da bactéria Clostridium botulinum, causadora do botulismo, que pode ser fatal. O processo de coloração da carne ocorre após a conversão do nitrito em óxido nítrico (NO), que reage com a mioglobina produzindo a cor característica dos produtos curados: vermelha intensa quando a carne não é submetida a aquecimento (salames) ou rosa quando a carne é cozida (presuntos e apresuntados). Já as substâncias cancerígenas, denominadas nitrosaminas, são formadas pela reação do nitrito com proteínas, aminoácidos e outros compostos que contêm nitrogênio.
Os principais tipos de câncer relacionados com a ingestão de nitrosaminas são os de esôfago, fígado e estômago. Há fatores que favorecem e outros que inibem a sua formação nos alimentos. A adição de agentes redutores nos sais de cura, como a vitamina C, tem efeito inibidor. Por outro lado, o aquecimento propicia sua formação. Desta forma, os teores podem ser mais elevados nos produtos curados que são aquecidos, por exemplo são maiores no bacon frito do que no cru. Na tabela 1 são apresentados os teores de nitrosaminas numa porção de 50g de alguns alimentos curados e na Figura 2 fotos de porções com, aproximadamente, 50 gramas de alguns destes produtos.
No Brasil, assim como na maior parte dos países, ainda não existe monitoramento nem legislação específica para avaliar a presença de nitrosaminas nos alimentos. Nos países em que há regulamentação específica para os teores de nitrosaminas em alimentos, estes são determinados de acordo com o hábito alimentar da população. Por exemplo, o teor máximo em carnes curadas, que é um dos alimentos com teores mais elevados de nitrosaminas, pode chegar a 1,5 microgramas em 50 gramas de alimento no Chile, mas apenas 0,5 nos Estados Unidos. Na tabela 2 são apresentados os limites máximos de nitrosaminas em alguns alimentos estabelecidos em alguns destes países.
Quanto às carnes vermelhas “in natura”, sem adição de nitrato e nitrito, não há comprovação científica de que possuam efeito cancerígeno. A Organização Mundial de Saúde apenas adverte que seu consumo excessivo pode trazer prejuízos à saúde. Esta advertência deveria ser estendida aos demais tipos de carnes, visto que as alterações que podem ocorrer com as carnes (durante o preparo e no organismo após a ingestão), levando à formação de substâncias prejudiciais para a saúde, ocorrem com qualquer tipo de carne e, em alguns casos, também com outros alimentos ricos em proteínas. A quantidade prudente de carne para ser ingerida diariamente é em torno de 100 gramas.
Com base nos estudos feitos até o momento, as atitudes mais sensatas com relação à prevenção dos problemas de saúde causados pela ingestão de carne são os seguintes:
1) Não confundir os termos “evitar” com ‘abolir totalmente”.
2) Evitar o consumo excessivo dos produtos curados, principalmente aquecidos.
3) Ingerir duas ou mais porções de hortaliças por dia e, quando possível, ingeri-los com azeite.
*Profa da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Nutricionista, Dra em Ciência e Tecnologia de Alimentos e Pós DS em Química Analítica.
Referências Bibliográficas
1 – Bragadutra, C., Rath, S., Reyes, F,G. Nitrosaminas voláteis em alimentos. Alim. Nutr. Araraquara v.18, n.1, p.111-120, 2007.
3- Canhos, D.L., Dias, E.L. Tecnologia de carne bovina e produtos derivados. Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia, São Paulo, 440p. s.d.
2 – International Agency for Research on Cancer; World Health Organization. IARC Monographs evaluate consumption of red meat and processed meat. Comunicado de imprensa, Nº 240, 26 de Outubro de 2015.
Disponível em: https://www.iarc.fr/en/media-centre/pr/2015/pdfs/pr240_E.pdf. Acessado em 20/06/2016
Postado por Ciência UENF
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