Desertificação da Caatinga gera impactos socioeconômicos. Entrevista especial com Humberto Barbosa
IHU
O desflorestamento, o uso intensivo de terras para a agricultura e a pecuária e a retirada de lenha para fins energéticos e de mineração estão entre os fatores que originaram o processo de desertificação na Caatinga, especialmente na região da Paraíba, a qual tem aproximadamente 94% de suas terras afetadas por esse processo, diz Humberto Barbosa, coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites – Lapis, que tem monitorado a região. Segundo ele, “93,7% do território do estado está em processo de desertificação, sendo que 58% em nível alto de degradação. (…) Existem microrregiões no estado cujo processo de desertificação já se encontra em estado grave ou muito grave, como em Seridó e Cariris”.
Apenas na Paraíba, pontua, “cerca de 70% da Caatinga encontra-se degradada”. Além dos impactos ambientais, como “a perda de parte do patrimônio genético da flora da Caatinga”, o pesquisador frisa que a desertificação gera uma série de efeitos socioeconômicos na região e afeta “diretamente o comércio local e regional, e a situação econômica de grupos de agricultores familiares”.
Apesar do avanço da desertificação na região, Barbosa adverte que a “adoção de boas práticas de uso do solo e de recuperação de áreas degradadas, por meio de ações de assistência técnica e de educação ambiental, pode contribuir para evitar o agravamento da desertificação no Semiárido brasileiro”.
Humberto Barbosa é doutor em Ciência do Solo e Sensoriamento Remoto pela University of Arizona, EUA, mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe e graduado em Meteorologia pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. É professor da Universidade Federal de Alagoas – Ufal. Também é coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites – Lapis, uma das principais referências no país quanto à recepção, processamento, análise e distribuição de dados satelitários do Meteosat Segunda Geração – MSG.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como se chegou ao dado de que quase 94% das terras da Paraíba estão ameaçadas pela desertificação? Esse processo é irreversível?
Humberto Barbosa – Este dado é do Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca no Estado da Paraíba – PAE-PB: 93,7% do território do estado está em processo de desertificação, sendo que 58% em nível alto de degradação. Esse número varia de acordo com as metodologias utilizadas pelas instituições. Algumas delas trabalham com estimativas menores. É o caso do Instituto Nacional do Semiárido – Insa, que em 2012 divulgou um relatório afirmando que os estados do Ceará e Pernambuco são os mais castigados pelo processo de desertificação, embora, proporcionalmente, a Paraíba seja o estado com maior extensão de área comprometida: 71% de seu território já sofreram com os efeitos da desertificação.
No caso do Lapis, o monitoramento da situação das áreas suscetíveis à desertificação no semiárido brasileiro é feita por satélite.
Dados específicos para a Paraíba
(Fonte: www.lapismet.com)
(Fonte: www.lapismet.com)
O solo leva centenas de anos para se desenvolver. Uma vez perdido por fatores naturais e antrópicos, não é viável economicamente recuperar as áreas degradadas.
IHU On-Line – Desde quando esse processo de desertificação vem ocorrendo nas terras da região, e quais são as causas desse processo?
Humberto Barbosa – Dentre as causas da degradação, estão o desflorestamento, uso intensivo da terra para a agricultura, sobrepastoreio (excesso de animais por área) e erosão. Além de questões como retirada da lenha para fins energéticos e mineração.
Existem microrregiões no estado cujo processo de desertificação já se encontra em estado grave ou muito grave, como em Seridó e Cariris. São os chamados Núcleos de Desertificação.
IHU On-Line – De que modo um processo de desertificação impacta tanto o solo quanto os rios? Nesse sentido, quais são os impactos visíveis na região, seja no solo ou nos rios?
Humberto Barbosa – O processo de desertificação corresponde à perda progressiva do solo, com fortes impactos socioeconômicos relacionados à perda de produtividade da terra. O desmatamento ou desflorestamento provocam a erosão, de modo que ações naturais, como chuvas, ventos e a própria seca, associadas a atividades antrópicas que exercem impactos sobre os ecossistemas, aumentam a deterioração das terras.
IHU On-Line – Algo poderia ter sido feito para conter esse processo?
Humberto Barbosa – Algo ainda pode ser feito para conter o processo de desertificação. A adoção de boas práticas de uso do solo e de recuperação de áreas degradadas, por meio de ações de assistência técnica e de educação ambiental, pode contribuir para evitar o agravamento da desertificação no Semiárido brasileiro.
IHU On-Line – Esse processo de desertificação das terras da Paraíba impacta de algum modo regiões vizinhas? Como?
Humberto Barbosa – Os impactos sobre áreas circunvizinhas são socioeconômicos. Há que destacar também que o Núcleo de Desertificação do Seridó, além da Paraíba, abrange territórios do Rio Grande do Norte. Mas como explicado acima, é resultado da ação de fatores naturais e antrópicos em áreas específicas. Fora isso, perda da produtividade dos solos afetam diretamente o comércio local e regional, bem como a situação econômica de grupos de agricultores familiares.
IHU On-Line – Considerando esse processo de desertificação das terras da Paraíba, que percentual da Caatinga é afetado pela desertificação e quais as consequências desse processo para o bioma como um todo?
Humberto Barbosa – Na Paraíba, cerca de 70% da Caatinga encontra-se degradada. Dentre as causas da degradação, estão o desflorestamento, uso intensivo da terra para a agricultura, sobrepastoreio ou excesso de animais por área e erosão. Como consequências, pode-se mencionar a perda de parte do patrimônio genético da flora da caatinga, prejuízos socioeconômicos, perda de recursos naturais como o solo e sua fertilidade para produção.
IHU On-Line – Quais são as consequências sociais e econômicas desse processo de desertificação das terras da Paraíba? Como a vida das pessoas na Paraíba tem se modificado por conta disso?
Humberto Barbosa – As principais consequências são a pobreza, a migração, a perda dos meios de produção e a insegurança alimentar. Além disso, a baixa densidade demográfica tem sido registrada nos Núcleos de Desertificação da Paraíba, em razão da migração decorrente dos impactos socioeconômicos da desertificação.
(EcoDebate, 11/04/2017) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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