Por Peter Moon, da Agência FAPESP
Modelos também sugerem que, durante o inverno no hemisfério Sul, a região poderá ter redução na quantidade de chuva de 30% a 40% (foto: Wikimedia Commons)
O Pantanal, a maior planície alagada do mundo, corre o risco de, em 2100, ver as suas temperaturas médias anuais elevadas em até 7 °C. Tamanho aumento de temperatura implicaria uma redução sensível no regime de chuvas da região, principalmente no inverno. Tais mudanças climáticas teriam impacto sobre a evaporação da região e a própria existência do Pantanal como o conhecemos.
Essas projeções foram estimadas a partir da aplicação ao Pantanal dos modelos climáticos globais do 5º Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), de 2014.
O trabalho “Climate Change Scenarios in the Pantanal”, publicado no livro Dynamics of the Pantanal Wetland in South America, é de autoria da equipe do hidrologista e meteorologista José Antonio Marengo Orsini, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), em Cachoeira Paulista, e tem apoio da FAPESP e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas – que, por sua vez, é apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O Pantanal tem uma área de 140 mil km², 80% da qual fica no Brasil, nos estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. É uma região semiárida. Não fosse o enorme fluxo anual de água para a região, o bioma seria tão seco quanto a caatinga nordestina. Isso não ocorre porque o Pantanal é um grande reservatório que armazena as águas que escoam dos planaltos circundantes.
Nos meses de novembro a março, na estação chuvosa, os rios transbordam, inundando até 70% da planície. É quando se formam os banhados, os lagos rasos e quando os pântanos incham. Tudo isso faz com que, nas áreas mais elevadas, surjam ilhas de vegetação, um refúgio para os animais. Grandes áreas permanecem inundadas por quatro a oito meses no ano, com uma cobertura de água que varia de uns poucos centímetros até 2 metros.
Durante a estação seca, de abril a setembro, as águas refluem para a calha dos rios e os banhados são parcialmente drenados. As águas antes represadas seguem seu curso através das bacias dos rios Paraguai e Paraná, em direção ao rio da Prata e ao Atlântico Sul. Deixam em seu lugar uma camada de sedimentos férteis que impulsionam o crescimento da vegetação e das pastagens.
Esse é o retrato do Pantanal hoje. Nele caem anualmente entre 1.000 e 1.250 milímetros de chuva. A temperatura média anual é 24 °C – sendo que a temperatura máxima, alguns dias no ano, atinge os 41 graus. O que as projeções climáticas de Marengo indicam para o futuro?
O 5º Relatório de Avaliação do IPCC projeta um aumento na temperatura média global em 2100 de 3,7º C a 4,8°C. Quando seus parâmetros são usados para analisar as variáveis climáticas específicas do Pantanal, o resultado impressiona. Até 2040, as temperaturas médias devem subir de 2º C a 3 °C. Em 2070, o aumento poderá ser de 4ºC a 5°C, atingindo em 2100 uma temperatura média 6 °C mais elevada do que a atual.
Embora haja muita incerteza com relação às projeções pluviométricas, os modelos sugerem que, durante o inverno no hemisfério Sul, o Pantanal poderá experimentar uma redução na quantidade de chuva de 30% a 40%.
A associação entre temperaturas mais elevadas e menos chuva implicará um aumento da evaporação no Pantanal. Dependendo da temperatura, volumes consideráveis de água represada poderão desaparecer, o que reduzirá a área total alagada e a quantidade de água nas porções de terra que permanecerão alagadas. “Um aumento da temperatura média de 5º C a 6 °C implicaria em deficiência hídrica, o que afetaria a biodiversidade e a população”, observa Marengo.
As consequências para a fauna e a flora poderão ser severas. Espécies vegetais pouco adaptáveis a um grau de umidade inferior ao atual poderão desaparecer ou migrar para outras regiões. Em seu lugar, germinariam outras espécies, que preferem climas mais secos.
A alteração na vegetação implicaria diretamente as populações de invertebrados e de vertebrados herbívoros – capivaras, antas que delas dependem (mas também o gado das fazendas) – , numa reação em cadeia que afetaria todos os nichos da cadeia alimentar, até atingir os predadores de topo, como os felinos, os jacarés e as aves de rapina.
Muito embora Marengo faça questão de salientar que as incertezas com relação às mudanças climáticas ainda são elevadas, especialmente no quesito do regime pluviométrico, um coisa é certa: as temperaturas globais estão aumentando e o mesmo acontecerá no Pantanal.
Como aquela planície alagada fica no centro da América do Sul, portanto longe da influência marítima que poderia ajudar a amenizar o clima, o aumento das temperaturas no Pantanal tende a ser mais dramático. “O dia mais quente do ano pode vir a ser até 10 °C mais quente do que hoje”, diz Marengo.
Se atualmente, nos dias mais quentes do verão, a temperatura no Pantanal passa fácil dos 40 °C, estamos falando em temperaturas máximas em torno ou superiores aos 50 °C. É temperatura de deserto. A maioria das plantas suporta pontualmente um calorão desses. Pontualmente.
O artigo Climate Change Scenarios in the Pantanal, de Jose A. Marengo e outros, publicado noDynamics of the Pantanal Wetland in South America, Springer International Publishing Switzerland, (doi: 10.1007/698_2015_357), pode ser lido em http://link.springer.com/chapter/10.1007/698_2015_357.
in EcoDebate, 11/04/2016
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