quarta-feira, 1 de junho de 2016

Desenvolvimento sustentável, Parte I, artigo de Roberto Naimes

[EcoDebate] GUEDES, (2015) detalha os conceitos de desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade, que não são homogêneos, variando da relação com três dimensões ou pilares, o econômico, o ambiental e o social, com diversas dimensões, como a inserção do aspecto cultural como variável a considerar.

A percepção de que não há uma homogeneidade nos dois conceitos favorece uma percepção mais crítica da realidade.

A diversidade de entendimentos permite a compreensão dos vários discursos em torno destes conceitos, situação que possibilita uma análise crítica da sociedade.

A problemática que envolve a sustentabilidade assumiu papel central na reflexão em torno das dimensões do desenvolvimento e das alternativas que se configuram para garantir equidade e articular as relações entre o global e o local (JACOBI, 1999, p. 175).

Neste sentido, foi proposto o conceito de “Desenvolvimento Sustentável”, que envolve idéias de pacto inter-geracional e perspectiva de longo prazo. “por desenvolvimento sustentável entende-se o desenvolvimento que satisfaz as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas próprias necessidades” (CMMD, 1991, p. 9).

A proposição do Desenvolvimento Sustentável nos anos 1980 deve-se a um processo de mudança nas concepções de modelos de desenvolvimento.

O cenário criado pela percepção da crise ambiental nas décadas de 1960 e 1970 gerou uma série de respostas, como a publicação do livro “Primavera silenciosa” (título original “Silent Spring”) por Rachel Carson, em 1962 e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972, e a publicação do relatório “Limites do Crescimento”.

“Poderíamos dizer que a ideia de desenvolvimento durável foi encampada pelo conceito de desenvolvimento sustentável e está fortemente associada a este conceito no debate que se estende durante os anos 90 e permanecem em pauta até agora” (SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES, 2009, p. 26).

Segundo SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES (2009, p. 8), “a noção de desenvolvimento sustentável e a própria ideia de sustentabilidade são, mais do que conceitos homogêneos e bem delimitados, campos de disputa sobre diferentes concepções de sociedade”. Segundo GUEDES (2015), há uma questão de ideologia por detrás dos discursos, que pode se tornar objeto de estudo da análise do discurso e de outras áreas do conhecimento.

A situação é que a discussão acerca do desenvolvimento sustentável passou a apontar para uma tríade envolvendo os meios social, ambiental e econômico, o chamado triângulo da sustentabilidade (em inglês, “triple bottom line”).

O “triple bottom line” foi criado pelo consultor britânico John ELKINGTON em 1997 e refere-se à necessidade de uma gestão empresarial voltada a suas três dimensões, em que inglês começam pela letra “p”: “profit”, “people” e “planet”.

“A verdade, contudo, é que em 1992 essa bizarra parábola dos ‘três pilares’ nem sequer havia sido inventada. Ela só começou a ser difundida a partir de 1997, e no contexto das empresas, não das nações” (VEIGA, 2013, p. 108).

Nada permite inferir da leitura do “Relatório Brundtland” (ou Nosso Futuro Comum, referenciado aqui como CMMD (1991)) que o desenvolvimento sustentável teria apenas três dimensões.
Ainda temos que essa noção poderia ter sido manchada pela metáfora mecânica de “pilares” a serem “equilibrados”. Ao contrário: nas raras vezes em que o relatório usa o termo “dimensões”, apresenta longas listas, e que terminam com significativas “etc.” (VEIGA, 2013, p. 109-110).

Assim, este conceito do triângulo nasceu no mundo empresarial e manteve-se limitado a uma visão simplista da realidade.

Segundo SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES (2009, p. 35 e 36):

“Embora pretenda ter uma ação abrangente e “global”, o desenvolvimento sustentável é um conceito elaborado dentro da esfera de um pensamento orientado pela lógica econômica e com esta referência pensa a sociedade. A via de internalização dos custos ambientais, seja na forma de condicionantes ambientais nas relações internacionais ou ainda na forma de internalização de custos nos produtos finais, segue o modelo de sociedade de mercado.

O conceito de desenvolvimento sustentável tem alimentado muitas propostas que apontam para novos mecanismos de mercado como solução para condicionar a produção à capacidade de suporte dos recursos naturais (…). Mas a questão que permanece em aberto é se estes mecanismos serão capazes de reorientar a lógica mercantil da sociedade ocidental de consumo, sendo efetivamente um freio à degradação ambiental, ou se estaríamos apenas vendo surgir um novo tipo de mercado verde”.

Por outro lado, em contraposição ao triângulo da sustentabilidade, a discussão da sustentabilidade envolve outras dimensões, além dos 3 pilares. De acordo com o posicionamento de IGNACY SACHS (2002), há pelo menos 8 dimensões da sustentabilidade (eram 5 em 1993 (SACHS, 1993), mas atualmente ele trabalha com 8 SACHS, (2002), LAMIM-GUEDES e INOCÊNCIO (2013)).

Do desenvolvimento sustentável à sociedade sustentável:

“a discussão que se dava no âmbito da sociedade civil via muitos limites no conceito de desenvolvimento sustentável, destacando a precariedade, a ambiguidade deste conceito que reforçava a ideia de desenvolvimento sem enfrentar suas principais contradições. O fato do desenvolvimento sustentável se apresentar com estas características tornava-o de fácil assimilação por setores da sociedade que tem termos de projeto políticos eram adversários históricos, como por exemplo, ambientalistas e empresários. (…) a principal contradição apontada era de que o desenvolvimento sustentável buscava conciliar economia e ecologia sem romper com os pressupostos do modelo de desenvolvimento que estava na origem da crise social e ambiental.

Um dos deslocamentos importantes que, ao longo dos anos 90, se pode observar neste debate é da noção de desenvolvimento sustentável para a ideia de sociedade sustentável” (SCOTTO, CARVALHO e GUIMARÃES, 2009, p. 47 e 48).

Referências:

CARSON, R. Silent spring. Boston (EUA): Houghton Mifflin, 1962.

CMMD (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO). Nosso futuro comum. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1991.

DIEGUES, A. C. Desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis: da crítica dos modelos ao novo paradigma. São Paulo em Perspectiva, v. 6, n. 1 e 2, pp. 22-29, jan./jun. 1992.

DOBSON, A. Introducción. In: DOBSON, A. Pensamiento verde: una antologia. Madrid: Trotta, 1999, p. 11-20.

DOWBOR, L. Posfácio. In: PHILIPPI JR, A.; SAMPAIO, C. A. C.; FERNANDES, V. (eds.). Gestão de Natureza Pública e Sustentabilidade. Barueri, SP: Manole, 2012, pp. 1077-1083.

HOEFFEL, J. L.; REIS, J. C. Sustentabilidade e seus diferentes enfoques: algumas considerações. Terceiro Incluído, v.1, n.2, p.124 –151, jul./dez./2011.

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LAMIM-GUEDES, V.; INOCÊNCIO, A. F. Mulheres e sustentabilidade: uma aproximação entre movimento feminista e a educação ambiental. Educação Ambiental em Ação, v. 45, 2013. http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=1559

LIMA, G. O debate da sustentabilidade na sociedade insustentável. Política & Trabalho, João Pessoa, v. 13, pp. 202-222, 1997.

LOPES, U. M.; TENÓRIO, R. M. Educação como fundamento da sustentabilidade. Salvador: EDUFBA, 2011. Disponível em <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/5373/1/Educacao%20como%20fundamento%20da%20sustentabilidade.pdf>. Acesso em maio de 2015.

MATTAR, J. Web 2.0 e redes sociais na educação. São Paulo: Artesanato Educacional, 2013. 191 p.

BRASIL, MEC (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO). Parâmetros Curriculares Nacionais: meio ambiente. Brasília: MEC, 1996.

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RODRIGUES, C. Frans Krajcberg: o intérprete da natureza. Rio de Janeiro: Maanaim, 2002.

SACHS, I. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI. In: BURSZTYN, M (Org.). Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 29-56.

SAUVÉ, L. Uma cartografia das Correntes em educação ambiental. In: SATO, M.; CARVALHO, I. C. M. (org.). Educação Ambiental. Porto Alegre: Artmed. 2005, p. 17-45.

SCOTTO, G.; CARVALHO, I. C. M.; GUIMARÃES, L. B. Desenvolvimento sustentável. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

VEIGA, J. E. A Desgovernança Mundial da Sustentabilidade. São Paulo: Editora 34, 2013.

GUEDES, Valdir Lamim – Desenvolvimento sustentável ou sustentabilidade? Educação Ambiental em Ação, Número 52, ano XIV, junho-agosto de 2015.
http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=2047

Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Sugestão de leitura: Celebração da vida [EBook Kindle], por Roberto Naime, na Amazon.

in EcoDebate, 01/07/2016
"Desenvolvimento sustentável, Parte I, artigo de Roberto Naime," in Portal EcoDebate, ISSN 2446-9394, 1/06/2016, https://www.ecodebate.com.br/2016/06/01/desenvolvimento-sustentavel-parte-i-artigo-de-roberto-naime/.

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