sexta-feira, 3 de junho de 2016

Lei que permite cultivo de espécies exóticas nos rios do Amazonas ameaça espécies nativas da região

Uma lei sancionada nesta semana pelo governador do Amazonas, José Melo, causou revolta no meio de ambiental, principalmente por parte de representantes de órgãos e entidades ambientalistas.

A nova legislação disciplina a atividade de aquicultura e permite que peixes não nativos sejam criados nos rios que cortam o estado. Pelo texto, fica liberado o cultivo de espécies exóticas na região, havendo apenas a necessidade de uma autorização do órgão estadual competente.

A lei ordinária nº 79/2016 autoriza ainda o barramento de igarapés e a instalação de empreendimentos de criação nas áreas de preservação permanente (APPs). O Ministério do Meio Ambiente também se posicionou contrário à medida de liberar o cultivo de espécies exóticas na região. “O MMA reitera que a introdução de espécies não-nativas tem induzido a um complexo processo de degradação dos ecossistemas, de forma comprovada, com vários exemplos ao redor do mundo, sendo os casos de introdução de espécies de peixes para aquicultura alguns dos mais emblemáticos”, manifestou-se o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, por meio de nota.

Para a biológa Nurit Bensusan, coordenadora adjunta do Programa de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA), a medida pode causar graves impactos às espécies de peixes da região, podendo levar à sua extinção.

“Quando você introduz uma espécie não nativa, você não pode tirá-la de volta. Ela se difunde no ambiente de uma forma irreversível. No caso dos peixes não nativos, vamos pensar, por exemplo, na tilápia. A tilápia não é um peixe predador do tipo que come outros peixes, mas ele é um excelente competidor. Ele compete por espaço, por alimentos, por lugares para desova, muito bem. Tão bem que ele elimina outros peixes”, ressaltou.

De acordo com a bióloga, a introdução de espécies exóticas representa um risco não só para os peixes nativos, mas para toda a flora e a fauna da região.

“Quando você começa a ameaçar um grupo biológico, no caso os peixes, é como se fosse uma cadeia de dominós. O primeiro dominó, derruba os outros dominós. Então, você começar a ameaçar toda a biodiversidade aquática que, por sua vez, ameaça a flora e a fauna do ambiente todo”, explicou Nurit.

Uma moção de repúdio assinada por representantes de órgãos e institutos ambientais, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), foi enviada ao Ministério Público Federal do Amazonas para que haja mais discussão sobre a medida.

Os órgãos ambientais dizem, no documento, que a lei foi recebida “com pesar” pelo grupo, às vésperas do dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado em 5 de junho. A norma, para eles, representa “um retrocesso na área ambiental do estado do Amazonas, fomentada por ações de governo sem cuidados e com a garantia de um meio ambiente equilibrado e saudável, e, por consequência, o bem-estar coletivo”. Para as entidades, “não há embasamento técnico e pouco ou nenhum conhecimento dos impactos e problemas que a nova legislação pode ocasionar”.

“Se essa lei continuar de pé, se a gente não arranjar uma maneira de impedir que ela entre em vigor, a gente pode começar a tocar a marcha fúnebre para a Amazônia porque a gente vai realmente perder a diversidade e descaracterizar o bioma de uma maneira irreversível”, afirmou ainda Nurit Bensusan.

A assessoria de imprensa do MPF-AM informou que o Ministério Público instaurou um procedimento administrativo para apurar a questão.

Já a assessoria do governo do estado declarou que o assunto está sendo discutido, após a repercussão da sanção da lei, e que vai divulgar um posicionamento o mais breve possível.

Dia do Meio Ambiente

O Ministério do Meio Ambiente afirmou que tentará com que o governo do estado do Amazonas revogue a lei e que promova uma discussão mais ampla com a sociedade a fim de avaliar as consequências ambientais da medida.

Sarney Filho diz, na nota, que o ministério não é contrário às atividades de aquicultura, mas defende que “elas devem privilegiar a imensa biodiversidade de peixes amazônicos, incentivando o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis ou o manejo das espécies nativas.”

O ministério lembra que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) reconhece que a aquicultura com peixes exóticos deve ser considerada introdução intencional na natureza, mesmo que a manutenção da espécie seja feita em sistema fechado, pois é grande a facilidade de escapes, gerando, assim, impactos às espécies nativas. Isso porque, como no caso da tilápia, que tem alto poder invasor, as espécies exóticas competem com as nativas por recursos como abrigo, alimentação e ninhos. Ness competição, é comum que as espécies nativas sejam levadas à extinção.

Segundo o ministro, técnicos do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Amazônica (Cepam), ligado ao ICMBio, chegaram a emitir ressalvas e pareceres técnicos alertando o governo do estado sobre os riscos da liberação de peixes exóticos na bacia amazônica. Na nota, Sarney Filho diz que as ressalvas foram incluídas em uma minuta do projeto, mas o texto foi aprovado no dia 5 de maio sem levar em conta essas considerações. Eles tentaram uma reunião com o governador, mas o texto já havia sido sancionado antes disso.

* Com a redação

Por Bianca Paiva, da Agência Brasil*, in EcoDebate, 02/06/2016

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